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Steuerman, um carioca entre virtuoses internacionais

São Paulo - Quando a Polygram lançou o primeiro álbum de Jean-Louis Steuerman no Brasil, não foram poucos os que imaginaram que se tratava de um artista francês. Afinal, com este nome e gravando no exterior, era surpreendente que se tratasse de um carioca bem humorado, apaixonado por futebol, de frases irônicas e inteligentes, o novo virtuose que, de Londres, chegava, afinal através do primeiro de uma série de seis álbuns com a obra de Bach, do qual é considerado hoje um dos maiores especialistas. Mas Jean-Louis Steuerman, filho de pai rumeno-judeu e mãe baiana, nascido no Rio em 1949, fez uma carreira sólida e séria. Começou a estudar piano com 4 anos e aos 14 estreava com a Orquestra Sinfônica Brasileira. Em 1972, após ganhar um prêmio no Concurso Bach e Leipzig, começou a se destacar na Europa. Estudou alguns anos na Itália e, em 1976, fez sua estréia em Londres. Nos últimos três anos vem se apresentando com as mais famosas orquestras sob a regência de Vladimir Ashkerrazy, Cláudio Abbado, Yehudi Menuhin e Kent Mansur. - "Com Lennie eu ainda não fiz concertos, mas creio, em breve, chego lá" - nos diz Steuerman, quando perguntamos sobre uma apresentação regida pelo lendário Leonard Bernstein, 71 anos, ex-titular da Filarmônica de Nova Iorque, hoje regente convidado das maiores orquestras do mundo. Uma visão objetiva do mundo da música clássica, com a experiência de que há 17 anos vive em Londres, Jean-Louis conhece as regras do (pesado) jogo que norteia a chamada música clássica. Um ritmo de muito trabalho, estudo e dedicação. - "Já cheguei a fazer 80 a 90 concertos por ano. Agora estou tentando reduzi-los para uma média de 60/70, mas ainda não consegui". Sua agenda está preenchida por todo o ano, de 1989/90 - "e boa parte de 1991" diz, sem esconder um sorriso de satisfação. Para participar do II Festival Vulcan de Música Internacional, em São Paulo - no qual fez três apresentações, inclusive como solista de peças de Mozart e Schulmann no concerto de abertura - aproveitou uma brecha em seu calendário. Sua família reside no Rio e assim aceitou o convite de seu amigo Sérgio Melardi, da Intearte - que organiza o evento - e que representa hoje no Brasil. Aos 14 anos, quando também ensaiava uma carreira de compositor - que definitivamente abandonou - Jean-Louis começou a estudar a obra de Bach. "Foi uma paixão intensa e total", explica. - "Assim, quando a Philips precisou de um pianista para gravar obras eu estava pronto. Por isto, dos meus cinco primeiros álbuns foram com as obras de Bach. Entretanto, não quero ficar apenas neste autor e apesar dos riscos prefiro soltar o pássaro certo e tentar apanhar dois em vôo. Interessam-me outros autores. Schubert, Beethoven, Mendelssohn e, especialmente Schoenberger - sem dúvida, o mestre dos mestres de nosso século. Estou me preparando para sua obra"! O conceito de Jean-Louis Steuerman como pianista tem crescido nos últimos anos e não foi sem razão que maestros como Abbado o convidaram para tocar com suas orquestras. Se Leonardo Bernstein é uma perspectiva de futuro trabalho, sobre outro monstro-sagrado ele mostra seu lado bem humorado: - "Infelizmente acho que Herbert Von Karajan não vou alcançar. Ele já está mais para lá e não vai dar tempo"... Consciente da responsabilidade de um concertista de sua dimensão, para cada novo concerto que apresentará em agosto de 1990, começa a ser estudado agora. - "Estudar sempre. Em todos os momentos. Quando viajo, sempre tenho que ter um piano à mão, para me preparar" - diz com humildade. Quando fala dos pianistas que admira lembra dois virtuoses pouco conhecidos no Brasil - Clifford Curzon e Rudolf Serkin - e, de um já falecido, o canadense Glenn Gold, que só recentemente (1986/87) teve suas gravações editadas pela CBS. Respeitando monstros sagrados - Horowitz e Rubeinstein, por exemplo - Jean-Louis Steuerman verbaliza as razões que o fazem identificar-se com estes pianistas. Também não teme falar de influências e admite que antes de gravar uma peça procura conhecer todas as gravações já feitas da mesma. - "É uma estupidez dizer que não há influência, que desconheço outros registros. Procuro, isto sim, ter a minha leitura, a minha interpretação da obra que escolho". Em sua lucidez faz profundas análises das relações do poder dos grandes nomes da música clássica. A importância de mestres como o violonista Isaac Stern se voltar a investimentos na área musical ("ele possui 51% das ações do Carnagie Hall, o imóvel, não só o teatro, sabia"?), quando poderia aplicar numa companhia de petróleo, de maior lucro". Mas são equilíbrios delicados - como delicada é hoje a relação nas orquestras. A não ser para os músicos mais velhos, as grandes orquestras não mantêm mais contratos estáveis, "de forma que cada instrumentista tem que provar ser o melhor sempre e não se refestelar, num emprego perpétuo". Um exemplo da nova filosofia de Orquestras é a Mahler Youth Orchestra, que regida por Cláudio Abbado e administrada por Hans Landsmann, de Vienna, reúne, de forma cooperativa (como faz a Nova Sinfonieta, em São Paulo), os melhores músicos da Europa. - "É uma nova proposta" - acrescenta Marcelo Jaffé, 28 anos, violoncelista, que também acompanha a música na Europa. xxx Amigo pessoal de Arthur Moreira Lima, Jean-Louis tem muitas coisas em comum com o conhecido pianista, como ele carioca e que também fez grande parte de sua carreira no exterior. Jean-Louis é torcedor fanático de futebol - no Rio, pelo Botafogo, em Londres, "pelo clube que está em 15º lugar, o Queen Parker Rangers, pois apesar dos ingleses terem inventado o futebol, o esporte é péssimo por lá". Ao contrário de seu amigo Moreira Lima, entretanto, Jean-Louis não pensa em fazer jazz ("admiro, entretanto, Thelonious Monk, Bird e outros mestres do Bebop") ou música popular. - "Não saberia fazer. E só sei fazer o que faço bem feito" (apesar disto, no "classic after hours" que se seguiu ao concerto no sábado, 14, no Teatro Arthur Rubeinstein, ao jantar no Blo-o-ming, Hotel Transamerica, SP, improvisou com enorme criatividade vários temas, inclusive um choro de Ernesto Nazareth, "Odeon"). Como Arthur Moreira Lima, Jean-Louis adora uma boa piada. E faz uma delas, quando perguntamos sobre o seu cachê. -"Bem, é como aquela história do mafioso. Ele pergunta: você tocaria por US$ 10 mil? Claro. Depois reduz: e por US$ 5 mil? Também. Vai baixando e chega a US$ 850. Então eu respondo: Toco! Só que este concerto eu não recomendo...". LEGENDA FOTO - Jean-Louis Steuerman, carioca apesar do nome, pianista há 17 anos morando em Londres.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
20/01/1989

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