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Aramis

Stone: "Lutamos por uma versão diferente da história oficial"

Tablóide - O senhor previa a grande polêmica que o filme causaria? Oliver Stone - Oh, não! Vamos simplesmente dizer que durante a história do cinema que conheço, eu nunca soube de um filme que já era criticado mesmo enquanto ainda estava sendo filmado (*). Tablóide - O senhor ou Kevin Costner sofreram algum tipo de ameaça pessoal? Stone - Não. As agências de inteligência estão se tornando cada vez mais sofisticadas e descobriram que em qualquer país é mais fácil perder o crédito através da imprensa. Marlon Brando me alertou que eles poderiam me envenenar, portanto deveria ter cuidado com a comida. Desde então sempre levo meu co-produtor, Alex Ho, nas refeições e troco o meu prato com o dele (risos), falando sério, eles primeiramente desacreditaram Lee Oswald por ser ele o assassino, desacreditaram Jim Garrison, desacreditaram John Kennedy, classificando-o como um presidente jovem fraco e agora desacreditam a mim e ao filme. Tudo isto por uma única razão: todos nós lutamos por uma versão diferente da história oficial. Tablóide - O senhor acredita que devido ao seu filme os documentos oficiais sobre o assassinato poderão ser liberados antes da data prevista de 2019? (**) Stone - Eu espero que sim! Desde o assassinato de Kennedy houveram vários livros escritos por pesquisadores independentes e sem recursos, mas eles nem ao menos conseguiram ter um simples comentário na mídia! Era tudo ignorado pelos jornais até chegar o meu filme. Hoje em dia, muitos destes livros são best-sellers. Agora eles são forçados a prestar atenção porque 15 milhões de americanos já viram o filme e também está com um ótimo público na Europa, portanto eles tem que prestar atenção agora! Tablóide - Como a grande imprensa americana reagiu ao filme? Stone - O "New York Times" disse: "Não acredite neste filme". A CBS, a NBC, toda a mídia procurou desacreditar o meu filme. Eu escrevi cartas a todos os jornais e revistas, defendendo-me das agressões. As vezes eles publicavam. A razão pela qual estamos indo tão bem até agora é que sempre respondo todas as acusações e críticas, da mesma forma que Mr. Garrison não se calou em 1963. No filme Garrison diz: "O preto é branco e o branco é preto quando olhamos através de um espelho". Acredito que isto é verdade para todos os que desafiam o mundo da espionagem. O que eu posso mencionar é o filme de Zapruder (***) que é um documento, uma prova, do assassinato e tudo que você vê no filme o governo diz que não é isto que você está vendo. Você vê perfeitamente que a cabeça de Kennedy vai para trás ao receber o tiro final, consequentemente o tiro veio da frente. O governo diz que o tiro veio de trás. Há ainda a bala que causou sete ferimentos em duas pessoas num período de 2 segundos. Eles dizem que você está vendo isto, mas você não está vendo isto! Tablóide - Qual foi o processo de utilização do filme de Zapruder? Stone - O filme de Zapruder é completo por si só. Nós não tivemos que fazer nenhuma filmagem extra para complementá-lo. Ele é perfeito por si mesmo. O que fizemos foi limpá-lo, expandi-lo, projetamos em câmara lenta, e como foi filmado por um senhor idoso que tremia muito, nós estabilizamos o filme. Obviamente nós fizemos algumas tomadas de outros ângulos para melhor mostrar o efeito do tiro, mas o que você vê daquele ângulo é exatamente o mesmo. Nós também mudamos o filme de super 8 para 35mm. Você não vê com tantos detalhes na TV por que eles utilizam 16mm. Tablóide - Na sua opinião pessoal, o caso Kennedy virá um dia a tona? Stone - Como o filme conta, dificilmente há qualquer evidência documentada sobre o planejamento do assassinato do Kennedy. Não há nada escrito. O que eu acho é que se obtivéssemos todos os arquivos sobre Lee Oswald, do FBI e da CIA, talvez pudéssemos descobrir mais sobre seu passado e qual era a sua ligação com os serviços de inteligência. Talvez aí tivéssemos alguma pista. Todos os registros sobre Guy Bannister também sumiram dos arquivos do FBI. Eles acusaram Oswald de comunista, mas Garrison mostrou que ele estava se fazendo de comunista por ser um agente duplo pois quando estava em New Orleans estava sempre rodeado de pessoas radicalmente anticomunistas como Clay Shaw, Dave Ferrie e Bannister (****). Outro grande feito de Garrison foi ter conseguido obter o filme de Zapruder da Time/Life e ter feito a primeira exibição pública no tribunal. Tablóide - Qual a sua impressão pessoal sobre Jim Garrison? Stone - Ele é um herói para mim. Foi um herói de guerra, em duas guerras, um ex-agente do FBI, foi eleito três vezes promotor público em sua cidade, Nova Orleans, escreveu dois excelentes livros que foram ignorados, mas principalmente falou para o público o que ninguém falou naquela época. Ele era um homem conservador que foi a luta de verdade não por pessoais, mas porque ele é um patriota de verdade. Ele utilizou todos os meios que ele tinha para trazer a tona a verdade e por isso seu telefone foi grampeado, seus arquivos roubados e sua família ameaçada. Tablóide - O senhor chegou a quebrar algum recorde [...] e sua família ameaçada. Stone - Sim. Na verdade quebramos um recorde na montagem. Utilizamos quatro montadores e quatro salas de edição distintas, trabalhando sete dias por semana. Em um período de vinte semanas terminamos o trabalho de "post-production". Tablóide - Há momentos no filme em que o público fica em dúvida até aonde as cenas são do filme de Zapruder e onde as cenas são uma reconstituição. Isto é intencional? Stone - Eu fui muito criticado por isso, mas eu nunca tive a intenção de fazer um documentário. E como o meu filme se baseia em hipóteses tive a liberdade de utilizar todos os documentos das diferentes épocas. Tablóide - Anteriormente o senhor disse que os métodos da inteligência estão mais sofisticados, sendo baseados mais em descrédito do que em assassinatos. Essa vigilância que se faz aos candidatos a presidência nos EUA é parte destes métodos? Stone - Os presidentes Einsenhauer, Roosevelt e Bush tiveram ou tem amantes, mas a imprensa deu muita bola para isso. Tablóide - E porque não foi assim para Kennedy? Stone - Como mostrei no filme, a política de Kennedy era sensivelmente diferentes da de Johnson e todos tinham quer saber que Kennedy era um presidente jovem e fraco. Tablóide - O senhor acredita que os Estados Unidos seria diferente se JFK não tivesse sido assassinado? Stone - Eu acredito que sim. Kennedy estava lutando para o fim da guerra fria e seu relacionamento com Kruschev estava melhorando. Talvez se ele fosse reeleito a guerra fria acabasse na sua gestão. Após a morte de Kennedy, Kruschev também saiu do poder pois era melhor ter a guerra fria: era um grande negócio. Não se pode esquecer que Charles De Gaule sofreu dois ou três atentados também! Porque? Por que ele queria retirar as tropas da França da Argélia. Tablóide - O senhor tem intenção de manter-se na produção de filmes polêmicos como vem sendo "Salvador, O Martírio de um Povo", "Platoon", "Nascido em 4 de Julho" e "JFK"? Qual será seu próximo filme? Stone - Eu não gostaria de ser conhecido somente por um cineasta polêmico, socialmente, economicamente e politicamente. Estou um pouco cansado de lutar por temas polêmicos neste momento. Porém, se eu fosse fazer um filme sobre cachorros, certamente faria algo polêmico sobre a vida dos animais. Notas (*) Meses antes de "JFK" estrear, as mais influentes publicações americanas começaram a contestar o filme, procurando criar dúvidas em relação a seriedade do roteiro desenvolvido por Stone. Conforme Elio Gaspari, da "Veja", informou de Nova York, as filmagens ainda nem haviam iniciado e "The Washington Post" chamou seu trabalho de "embuste". Antes da estréia, a revista "Newsweek" dedicou-lhe uma capa com a chamada "Porque não se pode acreditar no filme de Oliver Stone". O "The New York Times" chamou-o de "paranóico" e dedicou-lhe perto de 20 artigos, quase todos contra. "Chicago Tribune" o classificou de "moralmente repugnante". (**) Com a polêmica provocada, várias personalidades americanas - como o ex-presidente Gerald Ford (que, como deputado, integrou a Comissão Warren, entre 1963/64) e até o irmão JFK, o senador Edward, já se pronunciaram favoráveis a que o Congresso americano libere as 848 caixas de papéis, contendo documentação, que só deveriam ser lidas no ano de 2019, - e que podem esclarecer realmente os fatos. (***) O filme de Abraham Zapruder, dono de uma pequena confecção em Dallas, que, por acaso, documentou em 20 segundos a seqüência do assassinato de Kennedy transformou-se num documento fundamental. A revista "Life" pagou US$ 150 mil (em 63) para usar apenas alguns fotogramas e Zapruder (morto em 1970). Para utilizar estas cenas, Stone pagou US$ 40 mil a família de Zapruder. (****) Bennister e David Ferrie eram elementos no submundo de Nova Orleans, que junto com Clay Shaw, foram investigados por Jim Harrison para o processo em que tentou mostrar a aproximação de vários setores - CIA, FBI, anticastristas, a Máfia e até o vice-presidente Johnson - na conspiração que resultou na morte de Kennedy.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
2
09/02/1992

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