Login do usuário

Aramis

A suma poética de Simões

Para quem acompanhar a produção cultural no Paraná, João Manuel Simões é um caso especial. Nascido e criado em Portugal, residindo em Curitiba há mais de 20 anos, tem conseguido conciliar atividades profissionais, como advogado e executivo - é há anos um dos braços direitos do empresário Hermes Macedo, chefiando o imenso departamento de pessoal de sua organização - com a criação literária. Anualmente, Simões publica de um a dois livros, em vários gêneros, além de manter uma colaboração regular não só em O ESTADO, mas também em revistas e outros periódicos nacionais. No ano passado, com seu sexto livro de poesias, "Suma Poética", mereceu o prêmio Fernando Chinglia, da União Brasileira de Escritores. Agora, como sempre fez, em edição própria - até hoje, publicou 16 obras em 20 anos, sempre por la conta - está lançando este novo título, que lhe valeu a premiação e destaque nacional. Independente de seus méritos de intelectual consciente e que busca estar sempre bem informado, Simões consegue desenvolver - sempre com coerência - atividades em vários setores, tendo assim, a partir de 1959, quando publicou seu primeiro livro de poemas ("Eu Sem Mim"), escrito ensaios ("A Margem da Literatura e da Reflexão", 1964.; "Alimentação e Participação", 66; "A Palavra e o Mundo", 1969 - Prêmio Paraná/67; Virgílio Ferreira: Um novo Eça?", 1969; "Introduzido à Crítica Estilística", 70; "Kafka, Fenomenologia do Invisível e Outros Ensaios", 72; "Clareza e Mistério da Criança Literária"78), feito conferenciais que, por sua seriedade mereceram posteriores edições ("Primeiro de Dezembro de 1640", 1965; "Raízes Espirituais do Brasil", 67; "Cabral, e o Espirito da comunidade luso-brasileiro" 1968). Ao lado do crítico e do poeta, há também o ficcionista - já com um livro de contos publicado ("Um Grito Dentro da Noite", 1967), e um romance em construção, consciente de que este será a última etapa em sua obra - de forma demorada, mas seguramente. Mas é sobretudo como poeta que João Manuel Simões se realiza e a premiação recebida, no ano passado, no concurso da União Brasileira de Escritores, que lhe valeu como uma consagração. Concorrendo com o pseudônimo de Fidia, entre mais de 500 poetas de todo o País, o seu trabalho já se destacava, conforme depoimento de um dos membros da comissão julgadora, o escritor Otávio de Farias: "Fidia apresentava um nível poético de uma segurança invulgar. Seus sonetos, sua odes, sua elegias, eram de uma natureza quase clássica. E de uma qualidade rara. A orientação de seus demais poemas ("Lírica I" e "Lírica II") revelava uma influência vaga, segura, discreta, das melhores. Dir-se-ia, um "clássico". O mesmo Otávio de Faria, 71 anos autor de uma das obras mais respeitáveis dentro da literatura brasileira e que não é dado a elogios fáceis, entusiasmou-se com Simões, a propósito da qual classifica de "segura, estruturada, nada tem daquelas obras imaturas e hesitantes dos que tentam os primeiros versos. Revelam influências várias, mas essas influências são as melhores: Jorge de Lima, Miguel Torga, T.S. Eliot, Saint-John Perse e, sobretudo, Fernando Pessoa. A eles dedica seus mais felizes achados, poemas e odes que distinguem Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade, Rilke, Neruda, Novalis, Jules Supervielle, Leopardi, e, sempre, Fernando Pessoa e seus "heterônimos. Mas que não se veja, nisso, destaca ainda Octávia de Faria nenhuma submissão, nem a mais leve subserviência. João Manuel Simões é perfeitamente autônomo. Seus versos trazem uma marca absolutamente pessoal. Situam-se, contudo, no mais alto nível cultural. E, em plena liberdade, nele evoluem com a maior desenvoltura". Abrindo com uma epígrafe de Ferreira Gullar ("Estamos no reino da palavra e tudo que aqui sopra é verbo e uma solidão irremissível"), Simões desenvolve ao longo das 158 páginas desta "Suma Poética"(Coleção Academia Paranaense de Letras, composto e impresso na Editora Lítero-Técnica), realmente uma síntese de 20 anos de poesia - hoje mais necessária do que nunca de ser cultivada e entendida, apesar de toda a violência de nossos dias, da falta de tempo, da falta de amores e amigos. Aliás, na página 9 ("Ostinato rigore"), Simões já faz uma espécie de advertências ao escrever que "A palavra mais nítida, a mais pura/ a mais intensa, elementa, perfeita/ a que diz mais na sua ambiguidade/essência: procuro (gelo e fogo) suas raízes vegetais no tempo/em que sombras e sóis nascem e morrem/ E ao tê-la em minhas mãos nada mais busco/além da sua posse, neutro invento". A poesia - e nisto temos insistido - tem sido bastante cultivada por escritores da cidade. Não apenas os velhos beletristas ou senhoras que se dão ao hábito de escreverem suaves acrósticos em tertulias literárias, mas há toda uma geração de jovens inquietos, preocupados com a palavra, a forma e os sentimentos. Alguns tem procurado uní-la a música - e neste caso está João Gilberto Tatara, que após publicar um primeiro livro ("Marcas do presente e do passado", 1978) que vendeu exemplar a exemplar, noite adentro, como um menestral da idade média, para recuperar os Cr$ 25 mil investidos, prepara agora um sofisticado espetáculo, unindo a poesia ao seu violão, que tendo por título-tema "Jôgo de Espelho", deverá se constituir num dos primeiros eventos artísticos do segundo semestre deste ano no Teatro do Paiol. Tatara é também um dos líderes do movimentos "Sala 17", já com dois volumes publicados, reunindo jovens poetas de várias tendências, que também autofinanciando seus trabalhos, tem conseguido recuperar o investimento - numa prova de que existe espaço para a poesia - não só dos nomes consagrados, mas também dos jovens que tem algo a dizer. Sem integrar grupos ou escolas, desenvolvendo um trabalho independente, em suas raras horas de folga - afinal, além de uma extenuante jornada diária de trabalho, Simões não abre mão de ver os bons filmes, tomar um choque com os amigos e apreciar as belas coisas da vida - o autor de "Suma Poética" vem assumindo uma posição consciente e necessária dentro de nosso (ainda pequeno) mundo literário. Há os que admiram e identificam-se com a poesia de Simões e existe - naturalmente - os que o contestam e discordam, mas um fato não se pode negar: o seu trabalho é gradual mas seguro, merecendo de Octávio de Faria a afirmação de ser "inegavelmente, um grande poeta e um grande poeta que pode dizer sem medo: "Poesia clássica ou moderna? Poesia simbolosta, realista, lírica, social? A poesia é só uma. O importante é que seja, verdadeiramente, poesia".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
1
28/04/1979

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br