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Aramis

Também na Bahia o cinema vive crise

Nos anos 60, a Bahia era o terceiro pólo cinematográfico do Brasil. Era a época de Glauber Rocha, Roberto Pires, Trigueirinho Neto, entre outros realizavam filmes que marcaram o cinema novo - num ciclo cujas raízes estavam ainda na segunda metade da década anterior e que teve no Clube de Cinema da Bahia, fundado em junho de 1950 pelo crítico Walter da Silveira, figura central (e teórica) do movimento que teria em "Redenção (1959), de Roberto Pires, uma de suas primeiras experiências bem sucedidas. No mesmo ano, o paulista Trigueirinho Neto - mas radicado em Salvador - iniciava as filmagens de "Bahia de todos os santos". Nos anos 60, Pires realizaria "A grande feira" (61) e "Tocaia no asfalto" (62), produzidos por Rex Schindler, enquanto Luiz Paulino dos Santos iniciava "Barravento", que seria concluído por Glauber Rocha, vindo de curtas-metragens. Até Alex Viany, carioca, deu sua contribuição ao ciclo, rodando em Salvador o histórico "Sol sobre a lama". O cinema baiano, de impotância tão grande dentro do panorama cultural brasileiro, foi enriquecido com muitas informações de bastidores nas duas reuniões informais do programa "Dois dedos de prosa", que Guido Araújo, que também foi um dos mais ativos participantes do movimento e que é hoje o vice-presidente da Fundação Cultural da Bahia, promoveu nos dois primeiros dias da XVII Jornada de Cinema da Bahia, na semana passada. O depoimento de Orlando Senna (co-diretor com Santiago Alvarez de "Brascuba", documentário que encerrou a Jornada), o debate reviveu a chamada geração "jogralesca" - nome advindo da atividade teatral iniciada pelo poeta Fernando da Rocha Peres (que criou o grupo Teatralização Poética) denominada "jogralesca" - e que propunha a dramatização de poemas, o que provocou grande escândalo na sociedade baiana, segundo depoimentos. Glauber fez parte deste grupo, tendo participado de diversas encenações - num movimento que se juntaria às primeiras iniciativas de Walter da Silveira no Clube de Cinema. Olney São Paulo, homenageado durante esta Jornada com uma mostra retrospectiva, começava a tentar fazer cinema em Feira de Santana, enquanto Roberto Pires com "A grande feira" e "Tocaia no asfalto" conseguia ver o cinema baiano exibido nacionalmente. Com um passado tão rico - ao qual se acrescentam dezenas de produções de realizadores do eixo Rio-São Paulo, mas que foram rodadas na Bahia, ali dando oportunidade a jovens cineastas - é natural que hoje os realizadores daquele estado sofram com o panorama de desânimo do cinema no Brasil. Há anos que não é realizado nenhum longa-metragem baiano e os curtas que tem representado o estado em eventos nacionais se devem ao idealismo e esforço de realizadores que, sendo obrigados a dividir o cinema com outras atividades, às duras penas conseguem concluir seus projetos. Se nacionalmente o panorama é desolador - atualmente há apenas duas produções importantes em filmagens, ambas com participação de recursos externos ("Kuarup", de Ruy Guerra; "Forever", de Walter Hugo Khouri), os descaminhos da Embrafilme - sem diretoria efetiva há semanas, à espera da posse de José Aparecido, no Ministério da Cultura - é natural que os 70 cineastas (entre diretores, roteiristas, fotógrafos, técnicos etc.) ligados à Associação Baiana de Cinema, em Salvador (onde existem apenas duas produtoras, uma delas a Saci filmes, de Oscar Santana), tenham considerado histórica a audiência que tiveram com o governador Waldir Pires, na tarde do dia 13. Marginalizada por anos devido a acusações de ser uma "promoção comunista", este ano a Jornada teve um maior apoio oficial (o que, em absoluto, significou melhores recursos) e, rompendo um isolamento que vinha aumentando cada vez mais, o governador Pires recebeu os cineastas presentes em Salvador - como o cubano Santiago Alvarez e o canadense Michel Regnier (realizador do contundente "Açúcar Negro", denunciando a escravidão dos haitianos que trabalham nos canaviais da República Dominicana) - e a classe cinematográfica local. O cineasta Pola Ribeiro, em nome da categoria, falou sobre as reivindicações para o cinema baiano e Vitor Diniz, presidente da Associação Baiana de Cinema, entregou o documento "Que Viva o Cinema - Uma Proposta dos Cineastas Baianos". Discreto, sem demagogia, Waldir recebeu o documento, leu, fez anotações e em seguida passou para o secretário da cultura, José Carlos Capinam, com instruções para estudar a viabilidade de atender, "no que for possível", para que volte a existir condições para um ressurgimento do cinema baiano. Sem demagogia, objetivo, a forma com que Pires atendeu os cineastas deixou uma positiva impressão nos cineastas e jornalistas que, acompanhando as dificuldades de quem faz cinema no Brasil, estão cansados de ouvir falsas promessas e discursos demagógicos. Contrariando a tradição baiana de verborragia, o governador Waldir Pires foi objetivo e prático - deixando um sinal de esperança ao final do túnel no qual se encontra a produção de cinema naquele estado. E no Brasil. LEGENDA FOTO - Roberto Pires, pioneiro do ciclo de cinema da Bahia ("Redenção", "A grande festa", "Tocaia no asfalto"), hoje vive em Brasília. Voltou a filmar, num projeto de quatro sketches sobre o Distrito Federal.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
21/09/1988

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