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Aramis

É tempo de Papa (I)

Um detalhe que o professor Vicente de Paula Athayde, coordenador de literatura do curso de pós-graduação da Universidade Católica do Paraná, recém-chegado dos WEA, onde passou quase dois anos, como << visiting professor >> da Minnesotta University, está lembrando. Foi um paranaense de São José dos Pinhais, professor de literatura da UCP, o poeta e narrador Leopoldo Scherner, quem traduziu para o português as melhores lições do Papa João Paulo II. O volume, recentemente lançado pelas Edições Loyola, traz o título de << A Loja do Ourives >>. Um bonito material, inteligente e habilidoso, << o sentido da paz e da concórdia, o mundo revisitado pelo homem em sua mais profunda humanidade >>, como acentua Athayde, acrescentando: << Woityla soube dizer tudo isso em palavras que são uma verdadeira poesia, numa tradução perfeita e impecável de Scherner. *** Vicente Athayde fez, aliás, um interessante levantamento sobre as citações dos Papas ao longo da literatura, para um especial que a Rádio Estadual do Paraná apresentará no final de semana, e cujo texto O ESTADO também publicará em sua edição especial referente à visita que o Sumo Pontífice fará a Curitiba nos dias 5/6. Após uma demorada e criteriosa pesquisa em milhares de textos, Vicente pinçou as referências que autores como Bertolt Brecht, Machado de Assis, André Gide, Voltaire, Guerra Junqueiro, Dante, Dostoievski, Henryk Sienkiwicz, Kurzio Malaparte, Ludwing Pastor, Chateaubriand, Gil Vicente, Maquiavel, George Bernanos e até Wil son Martins, fizeram em relação aos Papas. *** Como especialista em literatura brasileira, Vicente Athayde reconhece que o Papa não é uma figura muito comum em nossos autores. Rui Barbosa escreveu << O Papa e o Concílio >>, mas não se trata de sua obra mais relevante. As melhores idéias aparecem em Machado de Assis e neste autor cumpre destacar a narrativa << O Alienista >>. Lembra Athayde que ao leitor apaixonado pela obra manchadiana, talvez não tenha passado desapercebida a referência a Benedito VIII, logo no primeiro capítulo do livro. O episódio ganha revelância sobretudo porque a figura do Papa que a história nos diz ser perseguidor dos árabes que invadiram a Europa a partir do século VIII, e uma passagem do Alcorão, livro sagrado dos árabes. Machado de Assis diz exatamente isto: << Maomé declara veneráveis od doidos, pela consideração que Alá lhes o juízo para que não pequem. A idéia lhe pareceu bonita e profunda - diz Machado - e ele a fez gravar no frontispíco da casa; mas como tinha medo ao vigário, e por tabela ao bispo, atribuiu o pensamento a Benedito VIII, merecendo com essa fraude, aliás, pia, que o padre Lopes lhe contasse, ao almoço, a vida daquele pontifíce eminente >>. *** Dos autores modernos que mais se concentraram no Vaticano, como tema para seus romances, o mais bem sucedido foi o australiano Morris West, sobretudo em seus best-sellers << As Sandálias do Pescador >> e << O Advogado do Diabo >>. Nestes romances, West coloca o Vaticano e o Papa como pontos centrais. A que se deve essa presença> Morris West foi irmão lassalista e os lassalistas exercem diversas funções pelos imensos labirintos e misteriosos corredores do Vaticano. Pode-se até supor que nenhum leigo, dada a complexidade da situação, pudesse escrever obras como as de Morris West. A fidelignidade da informação, o suspense, o mistério, a novidade do mundo que revela o Ocidente fizeram de West um dos autores mais lidos nos últimos 25 anos. Não há propriamente um Papa especifico nos seus livros, mas a instituição do Papa como tal. *** Poucos autores modernos souberam aproveitar, com tantas eficiências e material histórico e biográfico o Papa, quando o dramaturgo alemão Bertolt Brecht escreve um, entre 1937-39, << Galileu Galilei >>. As descobertas cientificas novas do famoso sábio provocaram polêmica e protesto no seu tempo, sobretudo entre os elementos da Inquisição. Principalmente no quadro XII da peça, o Papa Urbano VIII é um dos personagens principais, Já em << O Vigário >>, outro autor alemão criticou a omissão de Pio XII em relação ao massacre de mais de 300 italianos, em Roma, numa represália dos nazistas pela Morte de 30 soldados alemães. A peça foi um escândalo internacional e acabou sendo proibida em muitos países , inclusive no Brasil. Mas foi editada em livro, com muito sucesso. *** Considerado um dos mais importantes escritores deste século, André Gide em << Os Subterrâneos do Vaticano >> coloca como tema a idéia de matar o Papa. Diversos elementos saem de paris a fim de ir a Roma para essa missão. Vários são os Papas que aparecem no Inferno, na << Divina Comédia >> de Dante. Mas por que aí está Celestino V, justamente um Papa canonizado? O professor e crítico Vicente Athayde entendeu que Celestino V, fundador da Ordem dos Eremitas e de São Damiano, que governou apenas de julho a dezembro de 1294 e foi o único Papa a renunciar, teria merecido esta colocação de Dante, justamente por sua renúncia. A renúncia , aliás, foi obtida por manifestações políticas de Bonifácio VIII. Estes fatos históricos revelam certa complexidade e a corrupção reinante no período. Mas o monge era uma figura singular, forte pelo seu ascetismo e pela coragem de dizer verdades aos cadeais, aos príncipais e ao próprio povo. *** Um dos casos mais interessantes que Athayde observou em sua pesquisa foi a do positivista-materialista alemão Ludwig Pastor. Preconceituosamente pretende escrever um livro que fulminasse, para sempre, a Igreja, a cúria, o Papa, o clero. Foi para Roma, com certeza, esperando encontrar ali mil e uma dificuldades para mergulhar nos documentos secretos do Vaticano, na vida íntima dos Papas, nos escândalos inomináveis que haviam por ser revelados. Qual não foi sua surpresa quando viu que tudo lhe foi franqueado, obteve autorização para pesquisar, anotar e escrever tudo. Seu livro, forte e maiúsculo, << História do Papado >>, espanhou-se por vários volumes. E Ludwig Pastor se converteu ao catolicismo, deixando uma frase das mais espirituais: << Há tanta lama humana nisso tudo aí, que a Igreja só pode ser divina; ela não resistiria se fosse apenas humana >>.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
1
01/07/1980

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