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Aramis

A tesão de Roberto

Houve época em que certas palavras eram totalmente proibidas não só na imprensa, mas também em conversas junto a círculos mais "educados". Pouco a pouco, o comportamento modificou e aquilo que era considerado palavrão se integra ao vocabulário do dia-a-dia, sem que ninguém mais se choque. Pensando nesta mudança de comportamento, um grupo de professores da Universidade Federal do Paraná, entusiasmados com a clareza e objetividade do novo livro do escritor e psiquiatra Roberto Freire ("Sem tesão não há solução", Editora Guanabara, 193 páginas) está interessado em convidá-lo a vir a Curitiba, para participar de um debate. xxx Aos 60 anos, respeitado por uma obra das mais pessoais e profundas, Roberto Freire partiu de uma palavra marginalizada por tantos anos para desenvolver toda uma filosofia de comportamento. Por exemplo, logo na página 18 ele diz que "a palavra tesão, hoje, no Brasil, tem um significado muito diferente do que consta nos dicionários da língua portuguesa e de como era pronunciada e entendida até a metade da década de 60. Tesão, agora, é muito mais do que tesão, porque substantivo passou a ser adjetivo e está a pique de virar verbo quase completamente transitivo e pronominal: eu teso, tu tesas, ele tesa, nos tesamos, vós tesais, jamais, eles tesam. Assim, se estudarmos o universo vocabular da juventude brasileira, encontraremos a palavra tesão como a expressão verbal-chave do seu conteúdo lingüístico atual. Torna-se imperioso, pois, para atender as mutações culturais contemporâneas, que se conheçam, tanto em profundidade quanto em extensão, as mudanças operadas em forma e na qualidade de vida das últimas gerações que as transformações semânticas ocorridas recentemente na palavra tesão estão a indicar. E vice e versa, sobretudo". xxx Retirando o título deste seu novo livro de um grafite - "Sem tesão não há solução", Roberto Freire lembra que em 1975, Aurélio Buarque de Holanda em seu "Novo dicionário da língua portuguesa" dizia que o vocábulo tesão vem do latim tensione, que pode ser traduzido por tesão. Mas significa força, intensidade ou manifestação de força, violência. Popularmente refere-se ao estado ereto do Pênis, a potência sexual do desejo carnal, a excitação no sentido de tesudo, ao indivíduo que inspira desejos carnais. Assim, Roberto Freire raciocina que em 1975, nas ruas e nas conversas de todos nós, tesão já não era mais apenas o que o Aurélio registrou. Mas "não se pode esquecer que o dicionário e enciclopédia são o acúmulo de reserva cultural e histórica de um povo, ou seja, o oposto da dinâmica permanente de sua espontaneidade criativa cotidiana". xxx "Sem tesão não há solução" tem sua maior originalidade na mistura de três tipos de materiais da reflexão do autor nos campos da Política e da Psicologia: ensaios, entrevistas e um manifesto sobre o que considera o ingrediente indispensável e mais importante para a saúde corporal e social do homem contemporâneo - a tesão. No primeiro ensaio do livro, Roberto Freire estuda a transformação semântica por que passou essa palavra a partir do início da década de 60, espelhando assim as mutações humanas da juventude brasileira, apesar de todas a repressão e violência de que foi vítima nos últimos 20 anos. Estudar a palavra tesão, hoje, para Freire é avaliar os saldos de nossa atual liberdade e de nossa possível esperança. Na segunda parte da obra, o autor utiliza vários depoimentos seus a jornalistas, sobretudo da imprensa alternativa e nanica. Com eles, procura demonstrar a viabilidade das idéias libertárias aplicadas ao cotidiano de sua vida. Fala de amor, de ciúmes, de drogas, de aids e de tudo o que faz parte das novas realidades da vida, de relacionamento, de transformação individual e social da juventude brasileira. A última parte do livro é um manifesto sobre tesão, em forma de proposta para a ação política, visando uma sociedade realmente libertária e ecológica. xxx Pela mesma editora Guanabara, há alguns meses, saiu um novo romance de Roberto Freire: "Coiote" (419 páginas). Um romance que tem como ponto de partida o encontro entre um ex-psicanalista já maduro, Rudolf Flugel, que vive isolado em um sítio em Visconde de Mauá, e um jovem, que tem o apelido de Coiote. A presença de Coiote dá início a uma série de situações que levam Rudolf Flugel a relatar as conturbações emocionais de sua vida, que por sua vez acaba sendo invadida pela estranha personalidade de Coiote. Assim surgem temas como os tratamentos psiquiátricos, novas formas de terapia corporal, a hipocrisia das relações sociais, a utopia de novas formas de vida comunitária anarquistas e a violência dos mecanismos de repressão social aos mutantes culturais, dos quais Coiote é um exemplo pioneiro e revelador. xxx Autor de teatro ("Quarto de Empregada" e "Gente como a Gente"), televisão (episódios de "Malu Mulher" e "A grande família"), jornalista atuante - especialmente na antiga revista "Realidade", Roberto Freire sempre caracterizou seus livros com uma grande preocupação com os jovens. "Cleo e Daniel" foi levado ao cinema, com sua direção e outros livros de sua autoria - como "A mulher que devorou Roberto Carlos". "Viva eu, viva tu, viva o rabo do tatu!" e "Utopia e paixão" são marcantes - tanto na ficção como ensaios.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
17
30/06/1987

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