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Aramis

Triângulos de Truffaut

É lamentável que o egoísmo do distribuidor de "Uma Mulher Para Dois" impeça que este filme realizado por François Truffaut em 1961 seja reprisado em Curitiba, embora exista uma cópia censurada, já relançada várias vezes em cinemas do Rio e São Paulo. Pois a (re)visão de "Jules et Jim" faria com que "Duas Inglesas e o Amor" (Cinema I, até amanhã em cartaz) fosse melhor compreendido. Exemplo do filme aparentemente difícil, um tanto hermético e sobretudo de uma visão muito pessoal do diretor, "Les Devy Anglaises Et Le Continent" é, paradoxalmente também uma obra de rara beleza, candidato a, como "Jules et Jim" foi em 1964 (ano de sua exibição em Curitiba, no extinto cine de arte Ribalta) a entrar nas relações dos melhores do ano. Pois, além de serem baseados em romances do mesmo autor - Henri Pierre Rochéo (1878-1959) e obras do mesmo diretor, tanto "Jules et Jim" como "Les Des Anglaises et le Continent" são sensíveis filmes com dois grandes temas: a amizade e o triângulo amoroso. Em "Uma Mulher Para Dois", em 1912, o austríaco Jules (Oskar Werner) e o francês Jim (Henri Serre), conhecem uma mulher - Catherine (Jeanne Moreau), da qual ambos se enamoram. Catherine apesar de rápido interesse por Jim, acaba casando-se com Jules e Catherine vai mal e ela torna-se amante de Jim. Isso não abala a amizade dos dois homens - que só seriam separados com a morte de Jim e Catherine. Sensível e belíssimo, "Uma Mulher Para Dois" permanece como um momento maior na carreira de François Truffaut, 45 anos, ex-crítico do "Cahiers du Cinema", talvez o mais importante da (pirotécnica( geração de cineastas da chamada Nouvalle Vague. Truffaut, como Felline tem se voltado muito a um cinema biográfico, fazendo do personagem Antoine Doinel (Jean Pierre-Leaud) muito de si, a partir de seu primeiro longa- metragem ("Os Incompreendidos/Les 400 coups, 1959), prosseguindo o mesmo personagem no episódio "Antoine et Colette", no filme de sketches "O Amor aos 20 Anos" (1962), "Beijos Roubados" (Baisers Volés, 68) e "Domicilio Conjugal" (Domicile Conjugal, 70). De uma profunda coerência, (Truffaut( tem entremeado sua obra, do policial, levando a tela por exemplo dois dos melhores romances do norte-americano William Irish ("A Noiva Estava de Preto", 67; "A Sirena do Mississipi", 69), um documentário semiantropológico ("O Menino Selvagem", 69), a ficção científica de Ray Bradburry ("Fahrenenheit 51", 66), um documento (semiantropológico( ("O Menino Selvagem", 69) ou mesmo a própria curtição do cinema ("A Noite Americana", 73). Conhecer a filmografia de Truffaut ajuda a entender a sua obra - mesmo quando numa linguagem tão pessoal como a de "Duas Inglesas e o Amor", produção de 1971, onde já antecipava algumas fórmulas que aproveitaria no denso "A História de Adele H" (75). O triângulo amoroso formado pelo indeciso e conflituado Claude (Jean Pierre Leaud) e as irmãs Anne (Kirk Markhan) e Muriel (Stacey Tendeter), - e com referências inclusive ao romance "Jules et Jim" (escrito por Roché em 53, 3 anos antes de publicar "Duas Inglesas e O Continente") - caminham ao longo dos 120 minutos do filme, ora de forma poética, lírica, ora extremamente (dramática(. Truffaut não é aqui o cineasta leve, bem humorado de "A Noite Americana", capaz de oferecer ao público ensejar de sorrir. Ao contrário, apesar da beleza da fotografia e suavidade da trilha sonora (de Georges Delerue, por sinal aparecendo numa ponta), o filme exige muita atenção do espectador. Mas, em compensação, é daquelas obras para permanecer na memória e no coração - de quem chegar a compreender tudo que Truffaut pretendeu - e que por certo o romancista Henri-Pierre Roché também devia dizer.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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Tablóide
4
09/08/1977

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