Login do usuário

Aramis

E a tribo, fica só no boldo, salve, salve!

Na quarta-feira, 30, a última encenação de << Ó Curitiba. Nossa Tribo, Salve Salve >>, com texto de Paulo Vítola, música de Marinho Galera, teve , ao contrário de muitas outras noites, um bom público . Apesar de inexistir uma única placa que indique que a construção de estranhas formas, na Praça Rui Barbosa, seja um teatro - e o único cartaz indicativo do espetáculo tenha sido feita por um garoto, filho de Maurício Távora - Jane Martins, nos últimos dias o público do espetáculo foi aumentando. Os cartazes da peça, que deveria estar em pontos estratégicos, ninguém viu. O apoio publicitário da peça, feita especialmente por << encomenda >> do prefeito Jaime Lerner, inexistiu, apesar de por ironia, a Fundação Cultural ter em sua diretoria, um dos quais, tão competente readator que, há algumas semanas, foi tentado a deixar o cargo para trabalhar numa agência, com um salário ao redor de Cr$ 80 mil. O que seria muito bom para valorizar a propaganda e para a nossa cultura. *** Pois bem. Dia 30, quarta-feira, encerrou-se a temporada de << Ó Curitiba, Nossa Tribo, Salve Salve >>, em Maurício Távora dirigiu com grandes dificuldades, já que o Teatro de Bolso foi construído de forma microscópica, com apenas 100 lugares, dois banheiros e - característica única, possivelmente no continente - possui um único camarim, o que abriga as atrizes a trocarem de roupa na sala reservada à administração. A falta de qualquer promoção em torno da peça fez que nos primeiros 10 dias, 3 espetáculos fossem suspensos por falta de público. Três pessoas, pelo menos, procuraram teatro, imaginando, por sua forma, que seria um mitório público. E usaram aliás seu WC saindo do mesmo sem entender que ali era um teatro. o fato aconteceu e a própria administradora do teatro, Tina Camargo, está aí para confirmar. *** ao decidir dar a cidade mais um espaço cultural, na Praça Rui Barbosa, o prefeito Jaime Lerner, como sempre, teve a melhor das intenções. Pena que no atropelamento das decisões não tenha ouvido as sugestões feitas no sentido de que não teria sentido reconstruir um novo teatro com os mesmos defeitos do antigo que ali existia - e que funcionou, bem ou mal, de 1958 a 1975, num prédio originalmente destinado à Legião Brasileira de Assistência. Aquele teatro, improvisado e que tinha a garra de um grupo de gente idealista e que fazia espetáculos com amor e entusiasmo, trabalhou duro para que a população aplaudisse comédias do paranaense Cícero Camargo de Oliveira, << Nêga de Maloca >> e << Ela Só é Society>, uns ficaram quase um ano em cartaz, houve a encenação do hoje proibido << Massacre >> de Eduardo Robles e, verdadeiramente, Ari Fontoura, nome consagrado também no cinema (vide sua atuação em << Os 7 Gatinhos >>, de Neville d`Almeida, no cine São João), iniciou a profissionalização do teatro do Paraná, antes de Ney Braga assumir o governo (em 1961) e criar o TCP. Tudo isto faz com que o antigo Teatro de Bolso seja lembrado com respeito por quem se interesse, de qualquer forma, pela nossa vida cultural. A idéia de reinaugurá-lo, portanto, com um espetáculo sobre Curitiba, na mesma linha de << Cidade Sem Portas >>, e reunindo, no máximo possível, o pessoal que, no final dos anos 50 e na década, no final dos anos 50 e na década de 60, formava a Sociedade Paranaense de Teatro, não poderia ser mais feliz. Maurício Távora, 46 anos, 23 de teatro, que com sua esposa, Jane Martins, inaugurou a Sociedade Paranaense de Teatro, aceitou dirigir e interpretar a peça. Por isso, deixou o importante papel que fazia em << Rasga Coração >>, de Oduvaldo Viana Filho (1936-1974), em cartaz no Teatro Villa Lobos, RJ. Voltou a Curitiba convocou alguns antigos intérpretes - Danilo Avelleda, Rogério Dellê, Edson d`Avila, ao lado de jovens atores e atrizes, enquanto Marinho Gallera, com bons instrumentistas, ensaiava a parte musical do espetáculo. O teatro estava em obra e os ensaios foram em locais improvisados. Quando chegaram no local, para os ensaios finais, viram que o espaço do palco não permitia sequer a montagem, tal suas dimensões. Mas, com boa vontade, adaptaram-se a realidade e estrearam a 30 de março, como rezava o contrato assinado com a Fundação. *** Um espetáculo que fala de Curitiba, criado especialmente para inaugurar uma nova casa, deve obviamente, ser visto pelo máximo possível de pessoas. Nas suas 23 apresentações, se tivesse tido 9o que não aconteceu) lotação máxima todas as noites, teria atingido 2.300 espectadores - o que é menos do que uma lotação no grande auditório do Guaíra. Seria justo e natural que o espetáculo pronto, agora bem ajustado, fosse visto em outros espaços da cidade. Afinal, << Cidade Sem Portas >>, que estreou também num mês de março, mas há 7 anos passado, além de ter duas longas temporadas no Paiol, sempre com casas lotadas e ampla divulgação, foi levado, posteriormente a 14 bairros de Curitiba, e aplaudido por quase 100 mil espectadores. Das belas músicas que Paulinho, em sua extraordinária sensibilidade, criou, os quatros principais temas ficaram num compacto duplo, hoje esgotado, mas que ainda é ouvido, com emoção, por quem o soube guardar. *** Feitas as 23 apresentações - em 4 segundas-feiras houve a justa folga da companhia suspenso - era de se esperar que << Ó Curitiba, Nossa Tribo, Salve Salve >> iniciasse agora um roteiro pelos bairros. A exemplo de << Cidade Sem Portas >>, o seu texto é leve e simpático, falando das coisas, homens & fatos de nossa cidade. Em termos de espaço cênico, não haveria problemas: afinal, frente as limitações do Teatro de Bolso (o que é incrível de entender, considerando a enorme área da praça), os palcos das sociedades de bairro - Ahu, Boqueirão, Portão, Bacacheri, etc. - oferecem excelentes condições. Entretanto - e aí chegou o momento de enormes tristezas de todos os artístas e autores da peça - na semana passada, após muita insistência, Maurício Távora e Jane Martins tiveram a resposta final do diretor executico da FCC: exauriu-se a verba da fundação para atividades teatrais e os recursos mínimos para cobrir apresentações - Cr$ 230 por um mês, em fins de semana - << não eram possíveis >>. Assim, desde sexta-feira, os atores, atrizes e músicos que aguardavam a continuidade do espetáculo, e por isso mesmo deixaram de assumir outros compromissos profissionais, passaram a procurar novas opções de trabalho. *** A frustação não é apenas de ordem econômica-profissional. Mas, como bem diz Maurício Távora, em sua independência e honestidade, o mais triste << é ver um espetáculo pronto, com uma grande carga de comunicação e falando da cidade, ter sua carreira cortada no meio, restrita apenas a temporada inicial. É natural que a Fundação Cultural tenha outros (caros) programas - a Feira Nacional do Humor (a propósito, quantos milhões vai custar?), as atividades do Centro de criatividade, coquetéias e badalações na Casa Romário Martins, financiamento de filmes etc. São programas que, naturalmente, merecem apoio e estímulo oficial, mas é de se perguntar senão seria muito mais razoável, que uma peça, encomendada especialmente para << mostrar >> aos curitibanos um pouco mais de sua cidade, não tivesse tão melancólico fim. Não se está a exigir a edição de suas músicas num compacto ou elepê (embora, pela beleza das mesmas, merecesse) ou que a encenação vá a outros estados ou cidades. Mas levantar o recursos mínimos para pagar os profissionais - interpretes e músicos - que, com cachês bastante razoáveis, aceitaram o trabalho, é o mínimo que se esperava. O prefeito Lerner, neste momento em Dacar, num seminário internacional sobre transportes urbanos, não teve, obviamente, tempo para cuidar destes detalhes. Os problemas que enfrentou nas ultimas semanas - como a carga cerrada do Sindicato da Indústria da Construção Civil, em relação ao infeliz decreto n.º 247, de 25/03/80 (que teve que alterar, um mês após, pelo decreto 399-80, de 25/04/80) - não lhe deixou tempo para encontrar uma solução extra, para evitar que a peça deixe de ser levada aos bairros. Mas agora, quando retornar, é claroque vai procurar saber as razões de fato e, com seu tradicional otimismo, tentar encontrar uma solução. *** As contradições são muitas. Primeiro, um teatro é destruído há 5 anos sem maiores explicações. É reconstruído - e não se disse ainda quanto se gastou na nova arquitetura - em dimensões liliputeanas, apesar das observações e sugestões sobre a inconveniência de tal redução. investe-se mais de Cr$ 500 mil na produção de um espetáculo falando de Curitiba, com gente de talento da terra e que, findo um mês, não chegou nem a 2 mil espectadores. Use-se uma calculadora e veja-se quanto custou, para cada espectador, tal montagem. E quando a peça poderia ser levada aos bairros, a produção é suspensa, << porque não há mais recursos >>. Ninguém reclama do Teatro de Bolso não ser confortável e até se pode entender os problemas iniciais da falta de maior divulgação e indicações (até ontem, não havia ainda qualquer placa na praça Rui barbosa que mostrasse aquela sala como teatro). Mas com todo o respeito que se tem pelas boas intenções culturais, os fatos estão aí - que o diga Maurício, Jane, Paulinho, marinho e outros que não escondem sua frustação >>. E depois não venham alegar que seja má vontade. Má vontade é a incompetência no trato de assuntos sérios. E, no fim das contas, o orçamento público é a soma do pagamento dos impostos de cada um dos habitantes desta Curitiba, nossa tribo, salve, salve.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
1
04/05/1980

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br