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Aramis

Um banquete maravilhoso para todos os paladares

[Em abril último], durante um encontro informal com os jornalistas que cobriam o XII Festival de Cinema Brasileiro de gramado, o presidente da Embrafilmes, Roberto Parreiras, comentando o crescimento daquele evento, acrescentava: "O Brasil precisa, agora, é de um festival internacional. Temos que ter, também, um acontecimento que atraia as atenções de cineastas de todo o mundo". O crítico Leon Kakof, que há 9 anos organiza a Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, aproveitou para conversar, posteriormente, com Parreiras, sobre o crescimento dessa promoção. De um modesto evento, que acontecia nas dependências do MASP, a mostra cresceu em importância e, este ano, se desligaria definitivamente do Museu de Arte de São Paulo. Em momento algum, se falou em Gramado no Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro. Por uma simples razão: ninguém, até então, acreditava em sua realização. Assim, é natural que Nei Sroulevitch, diretor-geral do FestRio, seja hoje um homem muito cumprimentado: com um mínimo tempo e poucos recursos, conseguiu realizar um festival internacional que, apesar dos pesares, atingiu os objetivos. Pobreza sofisticada - Embora realizado num dos locais mais sofisticados (e caros) do Rio de Janeiro, o I FestRio "foi um festival pobre", como não se cansava de repetir a jornalista Heris, simpática coordenadora de imprensa. Da prometida ajuda federal - Cr$ 1,4 bilhão - nem sombra. A receita do festival andou ao redor de Cr$ 1 bilhão e o gasto total de Cr$ 7,5 bilhões. Se não fossem os patrocinadores, 1que resgataram o déficit, o festival não teria sido realizado. Mas foi e provou que se pode fazer um grande evento sem depender exclusivamente do poder público. O governo Leonel Brizola, através da Flumitur, entrou com menos de Cr$ 300 milhões, mais parte da infra-estrutura. Com esses dados, a comissão organizadora tem condições, agora, de melhor planificar o segundo evento, já previsto para novembro de 1985. Diplomaticamente, Nei Srovlevitch evitou, todo o tempo, falar em duas coisas: críticas à Censura (que interditou dois curtas nacionais e retardou a exibição dos filmes cubanos) e o boicote das grandes produtoras norte-americanas. Neste caso, para evitar problemas em 1985, já que conseguiu ser considerado um festival de categoria "A" (como Cannes, Veneza, Berlim, Moscou e Montreal), o FestRio poderá, obviamente, despertar interesse dos grandes produtores, nas próximas edições do certame. Há, hoje centenas de festivais de cinema, em todo o mundo. As produções mais atraentes, seja pelos recursos de produção ou nomes famosos do elenco, são, naturalmente, reservadas aos festivais capazes de obter maior repercussão internacional. A cada ano, novos países buscam criar festivais. O Japão vai promover o seu primeiro, em termos internacionais, no primeiro trimestre de 1985. O de Moscou é dos mais ambiciosos, com duração de três semanas. Cannes continua a ser o mais importante, em termos comerciais. O de Veneza tem prestígio intelectual. Nos Estados Unidos há dois festivais importantes: Nova Iorque e Los Angeles. E dezenas de outros acontecem a cada m6es, como se pode saber folheando-se as páginas do "Variety". No Brasil, onde dois festivais conseguiram consolidar-se, graças à periodicidade (Gramado e Brasília), poucas tentativas de firmar novos eventos se fizeram. Normalmente, são promovidos uma ou duas vezes e não conseguem continuidade - geralmente devido à falta de visão dos administradores que se sucedem. No Paraná, nos anos 50, aconteceram dois festivais, que tiveram edições únicas: o de Curitiba, que se realizou no saudoso Cine Ópera, em 1946, com Rita Hayworth no auge da pioneira Marinta. Do último foi grande incentivador o jornalista Ivens Alagoano Pacheco, editor do "Jornal de Maringá". Hoje, dificilmente seria consolidado u novo festival de cinema brasileiro. Em Caxambu, em promoção dos exibidores, inicia-se no próximo dia 5, um festival que praticamente só apresentará filmes já levados em outros eventos. Entretanto, como o secretário de Cultura de Minas Gerais é homem competente, bem relacionado e respeitado nos meios intelectuais, esse Festival de Caxambu poderá ter repercussão. Inclusive o secretário José Aparecido (tido como futuro ministro da Cultura do governo de Tancredo Neves) foi ao FestRio o convidou, pessoalmente, o cineasta Eduardo Coutinho, para levar o premiado "Cabra marcado para morrer" a Caxambu. Grande banquete - Um festival internacional de cinema não é apenas uma mostra competitiva. E um grande evento que vai desde acontecimentos culturalmente importantes até a parte social e digestiva. O I Festival Internacional de Cinema, televisão e Vídeo, no Rio de Janeiro, entre 18 e 27 de novembro último, ofereceu estas características. Foram 17 longas-metragens em competição, mais centenas de filmes, em exibições paralelas e, num toque de ineditismo, uma competição dos melhores vídeos produzidos em vários países. Muitos nomes famosos do cinema internacional presentes e até um toque d escândalo com a atriz argentina Liberdad Leblanc, que, em feijoada servida à beira da piscina do Hotel Nacional, no sábado, resolveu mostrar os seios que a tornaram a "herdeira" de Isabel Sarli no cinema erótico argentino. E apesar de quarentona, a loira argentina provou que está em forma. Em 13 cinemas do Rio e Janeiro (no centro, Zona Sul, e Barra da Tijuca), programações variadas eram realizadas simultaneamente, trazendo basicamente filmes inéditos, mas proporcionando, também, que alguns clássicos do cinema norte-americano fossem representados. Se "Gilda" que Harles Victor (1900-1959) realizou em 1946, com Rita Haymorth no auge da beleza, incluído numa das mostras, será agora [relançado] pela Columbia, dois magníficos filmes também mostrados no FestRio, não terão outras exibições: "Um rosto na multidão" (A face in the crowd, 1957), de Elia Kazan, e "O mensageiro do diabo" (The night of the hunter, 1955), de Charles Laughton. E são dois momentos memoráveis do cinema, que, revistos hoje, quase 30 anos depois, conservam todo o vigor. Comparados às maioria dos que disputaram os Tucanos de Ouro e Prata, pode-se repetir aquilo que há anos escrevia o cineasta Peter Bogdanovich: "Todos os bons filmes já foram realizados". Houve, obviamente, bons filmes no FestRio, entre os 17 longas de competição, mas nenhum com a carga dramática, a força das imagens e a inteligência com que Kazan e Laughton (admirável ator, que em sua vida só dirigiu "The night of the hunter") colocaram em "Um rosto na multidão" e "O mensageiro do diabo". Elia Kazan, 75 anos, 40 de cinema, e sem filmar há quase nove anos (seu último trabalho foi "O último magnata", baseado na inacabada novela de Scott Fitzgerald), foi a presença de maior importância cultural no evento. Circulou pouco no Hotel nacional (ao lado de sua jovem esposa, preferiu passear pelo Rio), mas, quando conversou com um pequeno grupo de jornalistas, foi objetivo. Falou de seus filmes e dos atores que lançou, e prometeu que voltará a dirigir. Quando lhe perguntaram como era trabalhar com James Dean - o mitológico ator que lançou em 1954, em "Vidas amargas", mostrou seu humor: - Era o mesmo que dirigir Lassie. O cinema francês - Como o cinema norte-americano esteve representado por apenas duas produções independentes ("Ordeal by innocente" e "Mixed blood"), o que foi tomado como boicote dos grandes estúdios ao festival, o cinema francês, em compensação deitou e rolou. De princípio, o nervoso Jean Gabriel Albicoco, cineasta da nouvelle-vague, há quase 20 anos no Brasil e aqui dirigindo a Gaumont, cuidou da montagem das cabinas de projeção, buscando a qualidade de som e imagens que é uma verdadeira obsessão para ele (apesar disso, algumas sessões apresentaram problemas técnicos). A Gaumont aproveitou para fazer o pré lançamento de seus novos filmes e acertou a compra de outros, enquanto a Unifrance montou um dos poucos estandes nos quais os jornalistas encontravam farto material informativo, "Les Ripoux", a deliciosa comédia de Claude Zidi, que valeu a Philipe Noiret o Tucano de Prata de melhor ator, será lançado pela Gaumont, que adquiriu também os direitos de "Koyaansgatasi", de Godfrei Reggio, um dos mais belos filmes já produzidos no cinema, a grande sensação na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, e que mesmo visto apenas em duas sessões paralelas ao FestRio, era um dos filmes mais comentados. Apesar das pré-estréias dos últimos filmes de François Truffaut (o hitchcokiano "De repente, num domingo"), Alain Resnais ("O amor à morte"), Erich Rohmer ("Pauline na praia"),,Jean Becker ("Verão assassino") e as duas diferentes versões de "Carmen"- a delirante "Prenom: "Carmen", de Jean Luc Godard, e a transposição operística que Rosi fez da ópera de Bizet - a grande sensação entre os filmes apresentados pela França foi uma modesta realização de um cineasta da Martinica: Euzham Palcy. Em "Rue Casés Negres", rodado na ilha da Martinica e que há meses faz sucesso em Paris, Euzhan Palcy, uma belíssima mulata, conta um estória humana e sensível sobre os esforços de um garoto pobre para conseguir estudar. Um filme emocionante, com uma linguagem extraordinária, mas, lamentavelmente, até agora ainda não tem assegurada sua exibição comercial no brasil. Outras interessantes produções francesas, também mostradas durante o FestRio: "A mulher pública", de Patrice Chereau; "Le Tartuffe", de Gerard Depardieu; "Um amor de Swann", de Volker Schlondorff (exte será exibido no Cine Astor, possivelmente no primeiro trimestre de 1985), e "Aos nossos amores", de Maurice Pilat, cineasta da nova geração, elogiadíssimo pela crítica internacional. "A mulher pública", do polonês Zulawski (radicado na França), motivou a vinda da atriz Valerie Kaprisky, o novo rosto da cinematografia européia, também lançada, agora, na produção norte-americana "A força de um amor" (Breathlness), que o diretor Jim McBride rodou, no ano passado, em homenagem a Godard. Afinal, é a mesma estória do clássico "Acossado" (A bout de Soufle), que, realizado em 1959, com Jean Paul Belmondo e Jean Seberg, detonou toda a revolução estética da nouvelle-vague. Aproveitando a promoção que a presença de Valerie ensejou, assim como também a passagem enrustida do ator Richard Gere (que não quis falar aos jornalistas, preferindo curtir a praia em [Búzios], em companhia de sua amante brasileira, Silvia), o distribuidor paulista adquiriu os direitos desse filme fazendo seu lançamento nacional (em Curitiba, desde ontem, em 5 sessões, no Cine Palace Itália). O cinema desconhecido - Um festival de cinema deve trazer opções dos filmes de países que normalmente não são distribuídos comercialmente. Esta foi a preocupação de Cosme Alves, conservador da Cinemateca do Museu de Arte Moderna, que se licenciou seis meses daquela função, para coordenar o aspecto cultural do FestRio. Assim, trouxe filmes árabes, latino-americanos e mesmo alguns norte-americanos, que embora extremamente curtidos pelos jovens, não tem distribuição regular (o caso dos atraentes "Likid Sky", "Polyester" e "Rock horror show", que lotaram as sessões do Bruni-Ipanema, onde foram projetados para platéias punk. Lamentável, apenas, que a maioria dos filmes dessas cinematografias inéditas, para o público brasileiro, tenham vindo exclusivamente para o festival. Exibidas em horários simultâneos ficaram restritos a pequeno público, quando o ideal seria que pudessem percorrer o País, revelando, assim, novos talentos. A premiação especial ao emocionante "Los Chicos de Guerra", de Bebe Kamin, deverá garantir ao filme argentino sua distribuição no Brasil. E não custa lembrar que, em 1969, na segunda (e última) edição do festival Internacional do filme, "Martin Fierro", de Leopoldo Torre-Nielsom, embora levando o principal prêmio "Gaivota de Ouro") não conseguiu nunca ser visto nos cinemas brasileiros. Pela quantidade dos filmes apresentados e pela abertura econômica e política que o I FestRio representou, muito se falará, ainda, desse festival. E se o cinema é uma usina de sonhos e ilusões, não fica de fora o lado comercial. Na entrevista do último 28, fazendo um balanço do festival, Sroulevitch dizia que o evento levou mais de 300 mil pessoas aos espaços onde foram exibidos os filmes de competição e das mostras paralelas. - Um saldo extremamente positivo, pois uma geração voltou a discutir cinema no Brasil. LEGENDA FOTO1 - "Prenon Carmen", de Godard, visão delirante sobre um romance que em 1983 mereceu cinco diferentes versões. LEGENDA FOTO2 - "A Força de um Amor", versão norte-americana de "Acossado", exibido em mostra paralela do FestRio, já chegou a Curitiba (Cine Itália-Palace). Valerie Kaprisky e Richard Gere interpretam, gora, os personagens que Belmondo e a falecida Jean Seberg viveram, em 1959, em "A Bout of Souffle". LEGENDA FOTO3 - A bela Euzhan Palcy, diretora de "Rue Cases Negres". LEGENDA FOTO4 - Uma produção modesta, mas de grande beleza: "Rue Cases Negres", da cineasta Eushan Palcy, da Martinica. Foi um dos filmes mais aplaudidos no FestRio.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Cinema
8
02/12/1984

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