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Aramis

Um "Dia de Visita" que também foi emocionante

Umberto Martins, 41 anos, tinha todas as razões para sentir-se a pessoa mais feliz no encerramento do Festival. Presente desde a abertura - quando o seu curta, "Dia de Visita", antecipou ao primeiro longa em competição ("Uma Avenida Chamada Brasil" de Octávio Bezerra), viveu, com intensidade as emoções de seu primeiro festival. Embora seja um profissional com duas décadas de trabalhos em vários campos (especialmente na montagem), sócio de Ricardo Van Steen (filho da escritora Edla Van Steen e do pintor Loio Persio) na Best, uma das produtoras de maior evidência atualmente (responsável, entre outros trabalhos marcantes, pelo comercial de 180 segundos, da Jeans Generation, que está sendo apresentado em cinemas e televisão), só no ano passado foi que Umberto realizou o seu primeiro filme como diretor. Associado a Reinaldo Pinheiro (autor de "Mais Luz", sobre o fechamento dos antigos cinemas de São Paulo), Umberto, com emoção e sensibilidade levou a câmera de Rafael Issa a uma instituição mantida pela Febem, presídios masculino e feminino e na Casa dos Artistas, no Rio de Janeiro, para captar a emoção que representa o dia em que as pessoas, marginalizadas da sociedade, nas três idades, recebem o calor, afeto e presentes trazidos pelos que as visitam. Admirador da Ettore Scolla - fazendo-lhe, inclusive uma homenagem ao final do filme - e lembrando as palavras de Elia Kazan ("Feliz os realizadores do Brasil por existirem tantos temas a serem mostrados"), Umberto colocou muito de si neste seu curta-metragem, com uma trilha sonora que transpõe sonoramente muito nas canções de Gonzaguinha ("De Volta ao Começo") Nelson Cavaquinho ("Degraus da Vida"), Chico Buarque ("Dia de Visita") e até o samba-de-enredo do Bloco da Febem paulista. Apaixonado pela MPB, Umberto nos explicava após a exibição de seu filme: - "Entre outras razões que me levaram a gastar US$ 13 mil para produzir e dirigir este documentário foi que antes das imagens eu já tinha escolhido o roteiro musical". Incompreendido por alguns críticos - especialmente dos jornais de Brasília, que não entenderam a profunda sensibilidade de Umberto e Reinaldo Pinheiro na colocação em 12 minutos (de um material original com 4 horas de filmagens) toda a emoção universal que representa o encontro e a solidariedade humana. Felizmente, o competente júri do Festival soube reconhecer os méritos, concedendo-lhe os prêmios de montagem e melhor filme. Também o público entendeu a importância deste documentário, o que valeu o, Candango de melhor filme do júri popular. Emocionado e tenso - especialmente devido a um incidente provocado momentos antes da premiação pela agressão sofrida por parte do documentarista Francisco César Filho (marido de Mirella Martinelli, diretora de "Pós-Modernidade", o mais medíocre curta levado ao Festival) - Umberto Martins ao receber os seus prêmios, dividiu com Reinaldo Pinheiros, a leitura de um micro-manifesto de amor e entusiasmo ao cinema brasileiro. xxx Mesmo com poucas estrelas presentes (Othon Bastos, José Dumont, Françoise Fourton e Irene Ravache), o festival não deixou de ter sua exótica musa. Uma musa-revelação, pois só agora começa a ser notada pela mídia: Laura de Visom (Norberto David, 50 anos), um professor fluminense que à noite assume seu lado de travesti - com seus seios imensos e que faz shows em boites gay na Lapa carioca começando a ganhar status de artista - já tendo aparecido em três filmes, inclusive no "Se Tu Vas ao Rio", produção francesa ainda inédita no Brasil. A quem está mais bem informado, Laura de Visom lembra a imensa Divine (Harry Glenn Mistero, 1946-1988), ator e cantor transformista, cujos filmes começam a chegar ao Brasil, inclusive em vídeo "Poliester", "Pink Flamingo", "Hairspray"). Ricardo Favilla, 28 anos, formado pelo curso de cinema da Universidade Federal Fluminense, autor dos curtas "Na terra de mintchura" (82) e "Impresso a Bala" (1987) premiados em Gramado, e que, quando ainda estudante, já havia feito um 16mm sobre o bas-fond carioca no qual Laura de Visom aparecia rapidamente, escreveu o roteiro do ficção "Mamãe Parabólica" especialmente pensando em Laura como atriz. Ela (ele, o professor Norberto David) aceitou o desafio de fazer três diferentes personagens numa comédia com toques de non-sense, e não se arrependeu: foi aplaudidíssimo ao subir ao palco do cine Brasília e receber o prêmio de melhor ator. Favilla ganhou o Candango de melhor roteiro de curta-metragem (por seu trabalho em parceria com Pedro Limaverde), o que o compensou da frustração de não ter ficado com o troféu principal, ao menos do júri popular, que deu gostosas gargalhadas na projeção do curta "Mamãe Parabólica". Enquanto o criativo e inteligente "Músika", livre adaptação que o mineiro Rafael Conde, 26 anos (realizador de "Uakti", grande premiado em Gramado-1987) realizou da peça "Lulu, a Caixa de Pandora" escrita em 1906 pelo alemão Frank Wedekind (1864-1918), foi entendido por poucos, "Canal Chic", sexto filme de Sandra Werneck, na linha da comédia besterol, encantou o público. Afinal, mesmo tendo no elenco a atriz Beth Coelho (agora famosa, após ter feito peças com Gerald Thomas) e Antônio Abujamra (o bruxo Avengar, de "Que Rei Sou Eu"), Conde fez um filme de difícil leitura embora com belíssimas imagens, com Beth lembrando Louise Brooks (1900/1985), que criou até um estilo de penteado ao interpretar "Lulu" no cinema, em 1929, sob as ordens de G. W. Pabsts (1885-1967).
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
11/11/1989

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