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Aramis

Um filme de citações

Ao lado da emoção que traz em suas imagens, a empatia para quem sente o cinema em sua dimensão maior, "Cinema Paradiso" - a exemplo de "Splendor" - é também um jogo interessante para os cinéfilos: quem consegue identificar o maior número de filmes que merecem citação explícita em suas projeções na tela do pequeno cinema da aldeia de Giancaldo? Se em "Splendor", ao final, há uma relação completa de todos os filmes que tiveram fragmentos utilizados, Tornatore não fez este detalhamento no encerramento - embora, por certo, tenha pago os direitos aos produtores de todos os filmes mencionados. Cada fragmento - ou mesmo seqüência mais longa, como as que mostram Silvana Mangano no esplendor de sua beleza em 1951, cantando o baião em "Anna" (de Alberto Lattuada, com Vittorio Gasmann) ou "Ulisses", 1954, de Mário Camerini, com o atlético Kirk Douglas, na superprodução histórica de Carlo Ponti - tem uma razão de ser utilizada. Seja para caracterizar um momento do cinema. Uma motivação da história, a construção das citações em "Splendor" e "Cine Paradiso" se integram perfeitamente ao roteiro. Obviamente, que é a oportunidade para seus realizadores prestarem homenagens a cineastas ou intérpretes que ajudara a fazer suas cabeças (e ninguém me convence de que Tornatore não foi extremamente autobiográfico ao escrever o roteiro). Por exemplo, uma das primeiras seqüências que se vê na tela do cine Paradiso é de "Bas Fonds", de Jean Renoir (1894-1979), como o seu ator favorito, Jean Gabin (1904-1976). "Catene", 1949, um dos cinco dramalhões familiares que Raffaelo Matarazzo realizou com o casal Amadeo Nazzari/Yvone Sanson, ocupa outro lugar de destaque: é o filme cuja projeção está sendo constantemente interrompida porque a mesma cópia tinha que ser apresentada em cinemas de duas aldeias próximas - um problema que deixou de cabelos brancos milhares de exibidores em todo o mundo e que ainda volta e meia, se repete numa mesma cidade, quando o lançamento simultâneo é feito com menos cópias do que as salas em exibição. Além de dar ao seu jovem personagem o afetuoso apelido de Totó, a admiração de Tornatore pelo comediante Totó (Antônio de Curtis Galiardi Grifo Focas, Napoles-1897/Roma, 1975) vai ao ponto de mantê-lo em destaque numa longa seqüência de "Outros Tempos" (Altri Tempi, 52), sucesso tão grande que, dois anos depois, tinha uma continuação ("Nossos Tempos/Tempi Nostri", no qual aparecia também um jovem chamado Marcello Mastroianni). Embora concentrado basicamente em filmes italianos, clássicos, estrangeiros não são esquecidos - inclusive com a divertida seqüência em que a explosão de nudez da adolescente Brigite Bardot em "E Deus Criou a Mulher" (1956, de Roger Vadim) faz a platéia masculina homenageá-la, coletivamente, com uma "religiosa" masturbação conjunta. E se os cinéfilos de melhor memória visual conseguirem identificar as seqüências projetadas ao longo da existência do cine Paradiso, ao final o xeque-mate: sozinho numa cabine, Salvatore Di Vito, assiste todas as seqüências dos beijos proibidos pelo vigário de Giancaldo, carinhosamente preservados pelo Alfred que o deixou como herança para seu discípulo do amor pelas imagens. Localizar de que filme pertenciam cada beijo censurado é desafio que nem Moniz Viana ou seu discípulo curitibano Francisco Bettega Netto, conseguirá fazer. Mas podem tentar, Chico Bettega!
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
02/03/1990

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