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Aramis

Um necessário intercâmbio musical (a espera de um mecenas oficial)

Uma antiga idéia, pela qual sempre batalhamos e objeto, inclusive, de projetos que, infelizmente, não encontraram o apoio prático de quem de direito, é levado, na base da cara e coragem, graças ao entusiasmo e organização de uma das pessoas mais queridas e simpáticas da comunidade musical desta cidade: Gerson Bientinez, 41 anos, violonista, compositor, cantor e, sobretudo um apaixonado pelas coisas da música. Administrador do Teatro do Paiol - cuja reabertura no dia em que faria sua maioridade (foi em 27 de dezembro de 1971, que Vinícius de Moraes, Toquinho, Marília Medalha e o Trio Mocotó o inauguraram) dificilmente acontecerá - Gersinho bolou e está fazendo das tripas coração para levar a Salvador um pouco da nossa música - "Coisas do Coração", espetáculo dividido com o pistonista Saul e a cantora Giseli, mais o apoio de cinco bons instrumentistas (Anselmo, Henrique, Toni, Tikinho e Fernando), terá duas apresentações (22 e 23 de dezembro, 21 horas), no Espaço Xis, na capital baiana. É a primeira vez que um show de artistas locais, com boa produção, será levado a uma outra capital. A data, obviamente, não é a ideal - véspera de Natal, com o esvaziamento natural da programação artística - "mas foi a que deu para conseguir", nos explicou Gersinho, fazendo figa para que tudo dê certo. xxx A idéia de montar shows musicais, capazes de revelar a outras cidades os nossos talentos, há muito que espera ocasião de ser concretizada. Afinal, o Paraná continua uma ilha musical, sem chances de seus compositores, intérpretes e instrumentistas chegarem a outros mercados (as exceções, raras, só servem para confirmar a regra). Em compensação, há também dezenas de ótimos artistas que, em Porto Alegre, Florianópolis, Belo Horizonte ou Campo Grande - citando apenas alguns exemplos, fazem seus shows, chegam às vezes até a gravar discos independentes, mas que continuam ilustres desconhecidos fora das fronteiras municipais. Por exemplo, quem conhece por aqui a cantora Flora Almeida, uma tremenda jazzista gaúcha que gravou há dois anos um elepê com a faixa-título homenageando o poeta Paulo Leminski ("Acordei bemol/tudo estava sustenido"), conforme aqui registramos há alguns meses? Flora é apenas uma entre tantos artistas de uma safra fértil de talentos gaúchos que, vivendo naquele Estado (no qual existem cinco atuantes etiquetas fonográficas e agora a primeira fábrica de prensagem de discos fora do eixo Rio-São Paulo), poderiam, naturalmente, fazer um intercâmbio com o Paraná - o mesmo ocorrendo com os catarinenses, que em Florianópolis gravam discos, fazem shows e que apesar da proximidade geográfica continuam inéditos entre nós. Exemplos não faltam. Em Belo Horizonte, a Bemol agrupa mais de 30 compositores-intérpretes, grande parte já com discos gravados, que nunca estiveram no Sul, restringindo-se ao eixo Minas-Espírito Santo, eventualmente Rio-São Paulo. O Centro-Oeste é outra região que também tem talentos - não só os que já venceram as barreiras (Almir Sater, Tetê Espíndola, etc.), mas novos compositores e instrumentistas, grupos vocais como o excelente Acaba (dois elepês independentes gravados) que trariam, num intercâmbio cultural, uma rica dose de informação. xxx Dorival Viana, o felizardo diretor de marketing do Banestado - e que andou ganhando prêmios nacionais pela política cultural que o banco começa, enfim, a desenvolver - bem que poderia apoiar um projeto bem estruturado, com uma coordenação profissional e que estimulasse um intercâmbio de duas mãos: ao mesmo tempo em que nossos artistas de maior valor tivessem condições de se apresentar em um roteiro básico, aqui seriam recebidos, em espaços como o Teatro Paiol, Sesc da Esquina etc. - artistas de outros estados. Romário Borelli, do estúdio Alamo, está investindo recursos próprios para que meia dúzia de artistas da terra gravem seus discos (Alecir de Antonina, Cabelo, João Lopes entre outros). Mas de que adiantará fazer seus discos para ficar em fronteiras estaduais - não sendo nem siquer divulgados (como merecem) nas FM/AMs curitibanas, as quais, em sua grande maioria, colonizadas culturalmente, raramente abrem espaços para nossos artistas quando fazem seus discos. xxx Um projeto de integração musical, desenvolvido em etapas, com patrocínio que possibilite aos artistas selecionados (entre os mais competentes profissionais, preferencialmente os que têm condições de darem uma boa imagem cultural de nosso Estado) viajarem tranqüilamente, com despesas básicas cobertas (transporte, produção dos espetáculos, diária para hospedagem etc.) pode ser desenvolvido. Mas isto deve ser encarado em termos profissionais, para que haja dignidade artística - e não acontecendo à custa de verdadeira mendicância cultural, com os próprios artistas tendo que, humilhando-se, catar patocínios. Para tanto, nada melhor do que um patrocínio único, de uma instituição que tenha interesse em levar nacionalmente o nome e o talento dos bichos do Paraná. Aqui fica a sugestão, a quem de direito (a que controla as grandes verbas) de instituições como o Banestado, em sua generosidade, tem gasto cifras apreciáveis patrocinando espetáculos de tango ("Maria de Buenos Aires") ou subscrevendo o restolho da XII Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em Curitiba, nada mais justo do que encarar um projeto capaz de levar os nossos artistas musicais a vários estados - ao mesmo tempo que dê condições a talentos das cidades visitantes, aqui se apresentem - numa reciprocidade que terá dividendos positivos para todos.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
13/12/1989

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