Um negro provocando discussões
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 19 de maio de 1989
O mais recente exemplo do humor gravado é o "Planeta-Casseta: Preto com um Buraco no Meio" (WEA, abril/89) que começou provocando protestos do Instituto de Pesquisa da Cultura Negra. O fotógrafo Januário Garcia (autor de belíssimas fotos, inclusive utilizadas na capa do elepê "Urubu" (1976), de Antônio Carlos Jobim), em nome do IPCN, formalizou em 6 de abril uma representação judicial, contra o jornal "O Planeta Diário" e a revista "Casseta Popular", por considerar "reforço político e ideológico do estereótipo que a sociedade faz do negro", a capa do disco "Planeta-Casseta: Preto com um Buraco no Meio". A capa mostra um homem negro, com uma furadeira, perfurando o centro de um elepê.
Claude Manel, redator da "Casseta", negro, procurou justificar o título e a imagem:
- "O fato de na capa do disco haver um negro exercendo trabalho braçal - centro de argumentação do IPCN - não pode ser ponto de discussão. O que deveria ser discutido é o "porque" da grande maioria da população negra exercer trabalho braçal. Da forma como a coisa está sendo discutida, vou precisar de uma bula para saber como, quando, onde e de que forma vou usar as expressões negro ou amarelo. Se fizéssemos uma campanha para que os discos fossem amarelos e chamássemos o nosso de "Amarelo com um Buraco no Meio", os japoneses cairiam em cima da gente".
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De publicações alternativas (hoje já nem tanto), a televisão ("TV Pirata"), os irreverentes humoristas chegaram a shows músico-histriônicos, e a gravação de um disco repleto de ironias, no qual a natural limitação musical de seus autores (Mu Chebabi / Claude Manel / Hubert / Beto Silva / Bussunda) é amparada pela presença de bons instrumentistas (Leo Gandelman no sax; Marçal na percussão; Paulinho Soledad em arranjos, etc.), que, mais por afetividade e simpatia ao projeto, integraram-se nesta gravação no mínimo original.
A faixa de abertura ("Mãe é Mãe") poderia até ter um marketing promocional no último domingo, quando se comemorou o Dia das Mães. Na auto-apresentação dizem seus autores: "É a nossa primeira música de trabalho. Embora a gente saiba que esse negócio de música e trabalho é meio incompatível. O que dá trabalho mesmo é ser caixa do Bradesco, quebrar pedra e ser marido de Monique Evans".
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A irreverência, o humor e muitos palavrões (o que torna o disco praticamente interditado de tocar no rádio) faz com que, numa primeira audição, o riso flua em cascatas. Entretanto - e este é o grande problema das gravações humorísticas - na repetição o humor vai escasseando. João Máximo, um analista rigoroso, escreveu que o humor em disco é perecível: ouve-se a segunda vez com menos graça do que na primeira e pouco se ri na terceira. Mas, diz também Máximo, ri-se mais neste disco do que das piadas impressas ou televisivas da turma.
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