Login do usuário

Aramis

Um pacote dos amados caipiras made in USA

Não é de hoje que o country tenta entrar no Brasil. Afinal, para um público sempre receptivo à música americana, as canções dos chamados caipiras americanos, fortemente embasados numa indústria que tem sua matriz em Nashville, é natural que o mercado seja tentador. Entretanto, apesar de tentativas multinacionais, a resposta em vendas vinha sendo pequena, apesar de sinais esparsos de otimismo. No ano passado, a Rede Manchete criou um programa especializado, comandado pelo ator Odilon Wagner, apaixonadíssimo pelo gênero e com uma produção tão sofisticada que semanalmente trazia imagens e clips feitos em Nashville e outros centros da música country. O programa estava emplacando, havia projetos de fazer até uma etiqueta para lançar discos, quando foi cancelado. O jornalista João Marcos Coelho, da MTK Assessoria & Marketing, especialista em promoções na área de divulgação musical, projeta trazer ao Brasil o nome mais conhecido do gênero, o romântico Willie Nelson, que já dividiu seus discos com mais de 30 artistas famosos - de Leon Russel a Julio Iglesias, num hibridismo bem sucedido. O problema está no custo por show de Nelson: US$ 150 mil por show. Ou seja, haja patrocínio para bancá-lo. A CBS - com um acervo imenso de country, acredita em suas possibilidades. Entre outubro de 1988 e janeiro de 1989, colocou no Brasil quatro discos do gênero - "What Wonderful World", de Willie Nelson; "Rainbow", de Dolly Parton (que está se tornando conhecida por suas atuações em comédias leves como "Como Matar seu Chefe" e "Cuidado com as Gêmeas") e as coletâneas "Hot Country" e "Greatest Country Hits of the 80". A vendagem razoável (mais de 60 mil cópias, o que é satisfatório para o tipo de produto), animou o lançamento de uma coleção de dez discos com o título "I Love Country", bastante desigual - trazendo gravações importantes ao lado de outras absolutamente descartáveis. Afinal, as opções são múltiplas. Num enfoque sociológico, o jornalista Apoenam Rodrigues ("Jornal do Brasil", 12/07/89) observou que enquanto o mundo do rock é machista, "dá para imaginar aqueles cowboys em suas posições com relação às mulheres, guardando-as tão somente para o papel da musa em suas canções que falam de amores frouxos, vistos numa visão menos superficial". Outro jornalista, Fernando Neporano ("O Estado de São Paulo", 09/07/89) lembrou que enquanto a WEA tem apresentado alguns exemplos do chamado novo country ou novos tradicionalistas (Dwight Yokhan, Rendy Travis, Hank Williams Jr.), a CBS preferiu no pacote "I Love Country" reunir nomes clássicos como Johnny Cash, Willie Nelson, Kris Kristofferson (além de Ray Price, John Paychek, etc.), e alguns inéditos no Brasil, como Nanci Griffith, The O'Kanes, Steve Earle. Historicamente, o country tem suas raízes em 1922, quando o rabeconista Erck Robertson fez uma primeira gravação, mas seria o produtor e guitarrista Chet Atkins, com o "Nashville Sound", que o popularizaria a partir dos anos 50. Negócio de milhões de dólares, com um mercado imenso - apesar de enfrentar um preconceito semelhante ao que os autores e intérpretes da música rural sofrem no Brasil (embora com outros prismas), o country tem sua própria faixa de consumo - que vai a teatros, circuitos e mesmo cinema (muitos nomes famosos, fazem filmes que, na maioria das vezes, nem chegam ao Brasil). Johnny Cash, por exemplo, dividiu com Kirk Douglas um filme ("Duelo de Bravos") que já foi reprisado 23 vezes pela Rede Manchete e no pacote que agora chega ao Brasil, está presente, entre outros álbuns, com o excelente "The Storyteller", canções quase faladas em sua habilidade como contador de histórias, em sua voz de barítono, aliás, não é sem razão que Cash, Nelson e Kristofferson estão entre os intérpretes mais presentes na coleção. Cash e Nelson estão em "Country Storytellers" (que tem a participação também dos grupos Ear Scruggs Revue e Larry Gatlin & The Gatlin Brothers Band); "The Highway Ride Again", traz estes três nomes famosos, enquanto que "Country Duets" divide-se em duas partes: para a dupla Tammy Wynette / George Jones. Já "Nelson And His Friends" é uma coletânea de 15 duetos, de nomes díspares como Emmylou Harris, George Jones, Leon Russel e Carlos Santana, entre outros. Marty Robbins ficou conhecido no Brasil, há três décadas, ao interpretar a balada tema "The Hanging Tree", do filme "A Árvore dos Enforcados", de Delmer Daves (1904-1977), cineasta, aliás, que em seus Westerns, sabia utilizar com precisão as baladas country, como fez em "3:10 to Yuma" (Galante e Sanguinário, 1957). Outro baladista, estilo country, que teve grande projeção graças aos Westerns foi Frakie Laine (quem não se lembra dele cantando "Gunfight at the Ok Curral" no filme "Sem Lei e sem Alma" (1957)? Só que Laine ficou fora desta coleção, embora como contratado da CBS tenha dezenas de elepês em catálogo nos EUA. Marty Robbins em "Classic Songs" está com "Tumbling Tumbleweeds" e "I'm Just Here to Get My Baby out of Jail", duas composições históricas. Aliás, em termos documentais, este é um dos álbuns mais interessantes da coleção, indo desde o histórico Gene Autry, o cowboy dos velhos filmes da república, autor de "That Silver Haired Dady of Mine" (1931) na voz de Johnny Cash, ao lado de músicas que ultrapassaram as fronteiras do country, e se tornaram sucessos, como "Jambalaya" (Moe Bandy, 1953) que, no final da década de 50, catapultou a carreira da então menina Brenda Lee. Três discos são dedicados a "Lady Countries": Tammy Wynette, uma espécie de rainha do gênero no final dos anos 60, ganhou todo um álbum, com 16 faixas. Há Charly McClain, além de um disco solo, com nada menos que 16 faixas, ainda está presente em "Radio Heart", no álbum "Country Ladies", dividido com Tammy Wynette, Janie Fricke, Crystal Gayle, Lyn Anderson, entre outras vozes femininas. O gênero country, obviamente, não se esgota neste pacote, mas a CBS, mais uma vez, não deixou de ser corajosa, investindo num elenco de intérpretes (alguns também compositores) de um gênero que, mesmo com todo marketing, ainda tem um longo caminho a percorrer entre nós.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
24
23/07/1989

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br