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Aramis

Um prato de mestre com as perfeitas iguarias visuais

Um ladrão acompanhado de sua esposa, Georgina (Helen Mirren), janta todas as noites num sofisticado restaurante, Le Holandais, do qual é proprietário, administrado por um lacônico cozinheiro (Richard Borhringer). Uma noite - a primeira ao longo de uma semana, em que se passa a ação a esposa é atraída pela presença de um modesto cliente, um bibliotecário judeu Michael (Alan Howard), que também sente atração por ela. Tornam-se amantes, num clima surrealista: na impossibilidade de encontros clandestinos, fora do restaurante, transam no banheiro ou na própria cozinha - com a conivência do cozinheiro, que como a esposa, odeia a brutalidade do ladrão. O final é dramático, com uma das mais requintadas cenas de canibalismo já vistas na tela - mas tudo dentro de um clima de intenso requinte visual e musical, pois o compositor Michael Numan, 45 anos, colaborador habitual de Greenaway (e inúmeros trabalhos em outros filmes e montagens teatrais) desenvolveu uma trilha mesclando música própria e trechos líricos e clássicos - assim como Greenaway, em sua formação clássica de artista plástico, buscou inspiração explícita de mestres da pintura holandesa para uma recomposição de ambientes. Um filme sobre o qual muito se falará, "The cook, the thief, his wife and his lover" mereceria todos os prêmios do FestRio, inlcusive o tucano de Ouro que foi para "Territórios Ocupados" (Sador Ierukim), Israel, de Isaac Zepel Yeshurun - que, como sempre (pode) acontece(r) em festivais, acabou sendo a zebra do evento. Mesmo com um tema atual e polêmico - acusado, inclusive, em Israel de ser um filme simpático aos palestinos - "Territórios Ocupados" (ou "Green Fields", irônico título que a produção deu para o Exterior, já que a ação se passa toda no deserto) não estava em nenhuma bolsa de favoritos. E ao contrário de "The cook" - e mesmo de "Sons - Em Busca do Amor Perdido" do americano Alexander Rockwell (que valeu, merecidamente, ao veterano Samuel Fuller, 77 anos, famoso diretor, o prêmio de melhor ator),"Territórios Ocupados" talvez demore para chegar ao público no Brasil - já que são raros os filmes israelenses que aqui tiveram exibição comercial. Com exeção de "Que bom te ver viva" - em exibição no cine Ritz, e que terá, na terça-feira, a presença a partir das 18h, da realizadora Lucia Murat, para debates com o público, nenum outro dos filmes levados ao FestRio/Fortaleza terá exibição comercial ainda este ano. Mesmo "Minas-Texas" de Charles Stone (pseudonimo adotado pelo mineiro Carlos Alberto Prates, diretor de "Noites do Sertão" - em reprise no cine Groff) está ainda sem data de lançamento, ficando reservado para a primeira safra da Embrafilme no próximo ano. A expectativa do público será em torno dos filmes que obtiveram premiações do juri oficial em Fortaleza. "O Cozinheiro, o ladrão, sua mulher e seu amante", de Peter Greenaway (melhor diretor-prêmio Glauber Rocha), com um explêndido (embora desconhecido no Brasil) elenco - Richard Bohringer (como Richard, o cozinheiro), Michael Sandom (Alberto, o ladrão), Helen Mirren (vista em "Excalibur", Tucano de Prata melhor atriz), Alan Howard (Michael, o amante), Tim Roth e outros, perderá muito na redução para vídeo - forma que com certeza antecipará sua chegada ao circuito da tela ampla. Um dos pontos altos desta produção holandesa - mas totalmente realizada por ingleses - está justamente no requinte visual de Greenaway, 47 anos, artista plástico que há 5 anos fez uma das mais badaladas mostras no Lord's Gallery, 11 anos de trabalhos em montagem (e outras atividades) em cinema e televisão. Buscando um dos mais notáveis fotógrafos do cinema europeu, Sacha Vierney, 70 anos, 80 filmes (inclusive "O Ano Passado em Mariembad", de Alain Resnais), e com quem já havia trabalhado em "A Zed and two noughts" (1986), Greenaway construiu um clima de intenso rigor plástico - com a utilização das cores como elementos dramáticos (o vermelho intenso no salão principal do restaurante L'Hollander, no qual se passa todo o filme; o branco total no banheiro; o azul na cozinha, etc.), integrando-se ao clima fantástico da história. Uma história aparentemente simples mas que pela genialidade do roteiro/narrativa/direção faz com que este filme venha entusiasmando a crítica (e o público que o tem visto) desde sua primeira apresentação mundial, em mostra paralela, no último festival de Veneza (no qual não competiu oficialmente, podendo assim concorrer no Fest/Rio). LEGENDA FOTO - O ladrão Albert (Michael Gambon), ao centro, e seus asseclas: um delírio visual na mais requintada obra apresentada no FestRio/Fortaleza. O filme de Greenaway, já negociado para lançamento em vídeo e nas telas, mereceu os prêmios de direção e atriz (Helen Mirren).
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
10/12/1989

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