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Aramis

Uma corajosa denúncia da crise cultural no Brasil

Ao falar perante os participantes do Colóquio do teatro Brasileiro Alemão, em Berlim, na Casa das Culturas do Mundo, na manhã do dia 12 último, o curitibano Marcelo Marchioro fez uma sincera e corajosa análise visceral da crise pela qual passa a cultura no Brasil. Falando em português, mas também respondendo a questões específicas em inglês, alemão e francês (poliglota, Marcelo agora pretende estudar japonês e grego), começou dando uma visão de que o Brasil, com seus 150 milhões de habitantes e cerca de 50% de analfabetos, "é um país economicamente e financeiramente falido, com inflação real em torno de 100% ao mês, e que após 21 anos de ditatorial regime militarista, vem engatinhando há alguns anos em busca de um Sistema Democrático, e há 6 meses, após 30 anos, pela primeira vez, votou para escolher um Presidente da República, o qual teve entre seus primeiros atos, logo após a sua posse há dois meses, a extinção do Ministério da Cultura e do único órgão a nível nacional nesta área, que era realmente operante e eficaz, a Fundação Nacional de Artes Cênicas". Em seguida, disse o diretor da "Tosca": "Embora existam oito redes de TV a nível nacional, os índices de audiência são dominados e a população brasileira é absolutamente subjugada a uma delas, a Rede Globo de Televisão, que prende diariamente a nação com seus programas de nível técnico admirável, mas de qualidade cultural praticamente inexistente e com seus capítulos diários de telenovelas que impõem não só um estilo e uma única forma de comportamento a todo o país, mas também condicionam a população a um padrão estético e dramatúrgico superficial e vazio. Num sistema cultural totalmente oposto ao da Alemanha, no Brasil predominam as companhias particulares de teatro e são raríssimas as produções oficiais realizadas pelo Estado. Até mesmo os patrocínios e incentivos financeiros estatais são irrisórios, e a única lei que favorecia e estimulava o investimento de empresas privadas nas companhias e produções teatrais, acaba de ser suspensa. Apesar de todas estas condições absolutamente desfavoráveis, ainda um grupo de visionários e de obcecados pela sobrevivência do movimento teatral, vem tentando, em todos os Estados da Federação, descobrir alternativas para que se continue produzindo Teatro, vivendo Teatro, se comunicando através do Teatro. Tolhida pelos anos de repressão e pela censura, a dramaturgia brasileira tornou-se frágil e reduzida; em função da situação financeira, proliferam textos teatrais nacionais com dois ou três personagens: os clássicos da dramaturgia mundial foram aos poucos sendo cada vez menos encenados. O palco brasileiro hoje foi invadido pela comédia leve e despretensiosa, em geral maliciosa ou até às vezes pornográfica, bem de acordo com os padrões alienantes e superficiais ditados pela televisão. Poucos são os atores brasileiros não vinculados a ela, que levam o público ao Teatro. O que o espectador quer na realidade ver no palco, é um prolongamento "ao vivo" dos ídolos, dos temas, do moral e da estética aos quais ele está habituado e condicionado diariamente, em sua casa através da TV colocada em sua doméstica sala de jantar. Alguns poucos produtores, em geral associados em regime cooperativado de diretores e elencos, buscam sustentar um trabalho coerente e comprometido com posturas filosóficas e linguagens cênicas contemporâneas que, senão inovadoras, buscam pelo menos estar sempre em evolução. Uma das fontes mais estimuladoras e ricas procuradas por estes grupos é a dramaturgia alemã". Marcelo analisou as dificuldades de "transmudar" os textos de autores alemães - muitas vezes com outras realidades - ao Brasil, mas mostrou um pouco do que vem sendo feito, inclusive com depoimentos das pecas de Brecht e Dors que, com sucesso, aqui dirigiu nos últimos anos - dois dos 20 espetáculos que o consolidaram em apenas seis anos de atividades profissionais com o nome maior da direção teatral do Paraná.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
24/05/1990

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