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Aramis

Uma geral do múltiplo talento de Miles Davis

Miles Davis seria a estrela maior do Free Jazz 88. Na última hora, cancelou sua vinda, oficialmente por razões de saúde. Aos 62 anos, completados no dia 25 de maio último, há muito tempo enfrenta problemas físicos seríssimos. Também pudera: já consumiu tudo que tinha direito. Acrescente-se a uma saúde debilitada, um constante mau humor (Airto Moreira, que com ele trabalhou algum tempo, que o diga!) e temos o retrato de um artista realmente difícil de se programar. Numa das vezes em que tocou em São Paulo, Davis ficou o tempo todo de costas para a platéia - sem dar a mínima para o público que havia pago uma bela soma para aplaudi-lo. Mas não houve reclamações: seu toque é tão perfeito que pode se dar a estas manias de gênio. Ainda bem que há dezenas de gravações de Miles Davis, documentando várias fases de sua carreira (em vídeo, ainda há pouco, raros ao alcance dos brasileiros). Tendo permanecido por mais de 30 anos na CBS, ali documentou as várias fases em que, sempre um passo adiante, mostrou sua genialidade. Há 3 anos passou para a Warner, pela qual saíram no Brasil os elepês "Tatu" e "Siesta" (esta, uma trilha sonora de um filme inédito no Brasil, visto apenas no FestRio 87). Durante anos, eram raros os discos de Davis no Brasil. Felizmente, graças a visão de Maurício Quadrio, a CBS começou a editar as preciosidades que ele gravou e, pouco a pouco, a sua discografia foi ampliando-se. Agora, para alegria dos milesianos, o presente maior: marcando sua entrada, no filão do cassete cromo, a CBS lança, de uma só vez, 12 fitas contendo gravações do período 1955/1972. Quadrio, mais uma vez, soube escolher bem os títulos do rico catálogo da Columbia norte-americana para esta básica "Miles Davis Chrome Collection", que tem uma capa única, uniformizando a coleção, com design de Cristina Portella. Além de três obras primas da discografia do trompetista ("At Carnegie Hall", "Miles Davis" e "Nefertiti"), a coleção permite se conhecer um de seus períodos mais criativos (mas o mais polêmico, que provocou o afastamento do seu público tradicional), na segunda metade dos anos 60. Foi o período em que Miles reestruturou sua banda com os então jovens Wayne Shorterm, Herbie Hancock, Ron Carterm, Tony Willians - e admitindo o então recém chegado dos Estados Unidos, Airto Moreira, que o acompanhou por alguns meses (participando inclusive da gravação de momentos históricos, como "Ar Filmore" - agora incluído nesta coleção. Os conservadores recusam aceitar as fases de Davis pós-60, quando eletrificou o seu som. Nesta coleção, é possível identificar, pelos menos, seis períodos diferentes: "hard pop" (como o saxofonista John Coltrane, 1955); "col jazz" (o estilo predileto do público tradicional); "third stream" (uma aproximação com a música erudita devida principalmente aos arranjos de Gil Evans, falecido há poucos meses); "a onda do modismo" (lançada em outra de suas obras primas, "Kind of Blue", 1959); o "experimentalismo" dos anos 60 (o período mais difícil de ser aceito) e, finalmente, o "fusion" (na fusão com o rock dos anos 70). Inúmeros instrumentistas do mais alto nível participam dos diferentes registros desta coleção. Infelizmente, a CBS não inclui fichas técnicas das gravações. No volume "Basic Miles", por exemplo, estão registros feitos entre 1955/1962 - o que já mostra as diferentes formações dos grupos que o acompanhavam: "Miles and Monk at Newport", foi gravado ao vivo, com sessões dos festivais de 1958 e 1963 - no primeiro, com Bill Evans nos teclados; no segundo com o quarteto de Thelonious Monk. "Miles Davis at Carnigie Hall", outro registro ao vivo (19/05/61), o trouxe com o quinteto formado por Hank Mobley (sax tenor), Wynton Kelly (piano), Paul Chambers (baixo) e Jimmy Cobb (bateria) - mais a orquestra dirigida por Evans. "Quiet Nights" é um dos volumes mais interessantes: em 27/07/62, gravou "Corcovado" e "Aos Pés da Santa Cruz" (originalmente, assinando como de sua autoria) com a orquestra de Gil Evans. Aliás, Miles é useiro em se apropriar de temas alheios, tendo feito isto com "Igrejinha" de Hermeto Paschoal, só pagando direitos após ameaças judiciais e mil broncas de Airto. "In Europe" traz o registro de sua participação no Festival de Jazz de Antibes, em Juan Les Pins, França (26 a 29 de julho/63), com George Coleman (sax tenor), Herbie Hancock (piano), Carter (baixo) e Willians (bateria), em clássicos como "Milestone" e "Joshua". "Cooking at the Plugged Nickel" foi gravado ao vivo, no clube Plugged Nickel, em Chicago (23/12/65), basicamente com a mesma formação anterior. "Miles Smiles" reúne gravações dos dias 24 e 25 de outubro de 1966, como "Circles", "Orbits", "Dolores". Já "The Sorcerer", data de sessões de julho de 1967 - também com o quinteto básico (Shorter, Hancock, Carter e Willians), que volta em "Nefertiti" (julho/67). "Miles in the Sky" teve o reforço do quinteto de George Benson (guitarra) na faixa "Paraphernalia". "At Filmore", gravado ao vivo no Filmore East, Nova Iorque em 19/06/70, sai incompleto: originalmente eram dois elepês e aqui temos apenas as longas improvisações de "Friday Miles" e "Saturday Miles" (o concerto teve programas diferentes nas duas noites), com Steve Grossman (sax), Keith Jarret (órgão), Chick Corea (piano elétrico), Davis Holland (baixo), Jack de Johnette (bateria) e Airto Moreira na percussão. Finalmente, "On the Corner", registra gravações feitas nos dias 1º a 6 de junho de 1972, com onze músicos - incluindo John McLaughin (guitarra). Cada uma destas fitas - de absoluta qualidade técnica, sem distorções (Cz$ 4 mil cada), representa um momento importante na carreira de um gênio da música contemporânea. Vendidas avulsamente, oferecem a opção de se escolher aqueles momentos com que cada público mais se identifica. Realmente, a CBS entrou bonito no campo da fita em cromo - na qual a Polygram vinha dominando, inclusive com a recente série "Walkman Jazz" (15 volumes). LEGENDA FOTO - Miles Davis: em 12 cassetes de cromo, uma mostra de seu talento múltiplo.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
23
09/10/1988

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