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Aramis

Uma obra de vanguarda com o som dos pássaros

Os 4 discos que reúnem a íntegra do "Catalogue D'Oiseaux" na interpretação da curitibana Jocy de Oliveira não constituem, em absoluto, uma obra de fácil consumo. Se assim não fosse não teriam se passados 16 anos para que uma gravadora se encorajasse em editá-los, pois, mesmo nos países culturalmente mais desenvolvidos, a música de Messiaen é, ainda, um privilégio para platéias muito especiais - e isto explica que os seus 80 anos de idade tenham transcorrido de forma quase anônima. Entretanto, como diz a própria Jocy "a obra de Messiaen é única pela ousadia e extrema originalidade de seu universo sonoro que toma uma dimensão cósmica. Para ele, a beleza da arte tem sua fonte na natureza". Nesta época em que, felizmente, há uma conscientização cada vez maior pela preservação da natureza, Messiaen deve ser lembrado, pois um dos principais fatores que influenciaram sua linguagem musical foi seu amor à Deus e pela natureza - os pássaros. O que o levou a declarar que "os pássaros são os maiores músicos deste planeta". Apesar de não gostar de ser chamado de místico, prefere ser considerado um teólogo e esta sua religiosidade deu à sua música um sentido de integração entre o ser humano e o universo. "Os movimentos da natureza por sua vez, o levaram a criar uma temporalidade cósmica ou atemporalidade, propondo uma nova noção de tempo como ele próprio diz" - define Jocy, que o conheceu na década de 60. - "Lembro-me bem de seu aspecto quase monástico, sua fala tranqüila, sua expressão quase tímida que contradiz o caráter ousado e revolucionário de sua obra. Porém, essa contradição é talvez a complementação da figura de um guia espiritual, do verdadeiro missionário que se faz presente através de seu discurso sonoro, que desperta no ouvinte o amor a Deus e a natureza". Messiaen chegou a confessar a Jocy seu desejo de compor um catálogo dos pássaros da Amazônia já que seu "Catalogue D'Oiseaux" é baseado no canto dos pássaros de várias regiões da França. "Infelizmente - diz Jocy - nunca pudemos trazê-lo ao Brasil para realizar este sonho e Oxalá, os pássaros da Amazônia continuem a cantar num meio ambiente que se preserve..." "O Catálogo dos Pássaros" foi dedicado por Messiaen à pianista Ivonne Loriod, com quem se casou em 1962. A obra foi iniciada em outubro de 1956 e terminada a primeiro de setembro de 58, porém os dados ornitológicos minuciosos foram colhidos durante vários anos anteriores à composição. Nascido em Avignon, durante a I Guerra ele viveu em Grenoble, perto das montanhas de Dauphiny, ali tendo um quadro da natureza que o influenciou em muitas obras. Estudou composição com Paul Dukas (1865-1935) no Conservatório de Paris, onde se tornou mais tarde catedrático. Sua posição como pedagogo foi de enorme importância para as gerações posteriores, tendo em sua classe alunos como Pierre Boulez e Stockhausen - hoje nomes da maior reputação no campo de música contemporânea. Seu instrumento principal sempre foi o órgão, aluno de Marcel Dupré e nomeado em 1931 organista de igreja "La Saint Trinité", em Paris. Em 1936, assumiu uma posição contrária à tendência da música francesa naquela época que sofria influência do manifesto "Le Coq e l'Harlequin" de Satie e Cocteau, afastando-se do impressionismo de Debussy. Messiaen, unindo-se a outros compositores (Jolivet, Damiel Lesur e Baudrier), formou o grupo "Le Jeune France", com a intenção de restaurar as qualidades espirituais e humanas na música e reagir contra a vida impessoal e mecânica da época. Messiaen serviu no exército durante a II Guerra e foi preso em 1940. Sua obra seria desenvolvida nos anos 40/50, com inúmeras composições mas, sem dúvida, o "Catalogue D'Oiseaux" é considerado o maior ciclo de piano. Sem ser descritiva a obra recria os sons da natureza, o canto dos pássaros e o seu habitat, nos sugerindo paisagens, cores, perfumes. Obra de dificílima execução, encontrou na curitibana Jocy de Oliveira uma intérprete perfeita, reconhecida pela crítica. A própria pianista diz que para desenvolver o ciclo de 13 peças agrupadas em 7 livros que compõem a obra, Messiaen catalogou o canto de 77 pássaros. - "Estas pequenas estruturas, com células viva, que compõem o "Catalogue", têm uma vida própria no sentido do tempo, caráter, expressividade e dinâmica. Elas soam como se fossem os próprios sons da natureza que nos envolvem de maneira antifonal".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
28/12/1988
E isso mesmo tem que se falr de música contemporanea, e de seus principais compositores, parabéns pela iniciativa.

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