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Aramis

Uma reflexão em torno dos 60 e adjacências

Ao pretender uma reflexão sobre os anos 60 com uma visão de dramaturgia da década de 90, o paulista Maurício Abud, 32 anos, não deixou por menos: "60 e Over" (estréia nacional no auditório Salvador de Ferrante na semana passada; em temporada pelo Interior do Paraná; hoje em Ponta Grossa e quinta-feira em Cascavel), revela uma intranqüilidade intelectual-rebelde que o faz dedicar especial atenção a Jean Genet (1910-1986), de quem já adaptou e dirigiu duas peças ("Nossa Senhora das Flores" e "Os Negros"). De uma idéia inicialmente desenvolvida com a atriz Maria Gladys - uma peça para dois intérpretes, analisando as relações de uma atriz cinqüentona, desejando voltar ao palco e um jovem músico-ator - num único cenário (um apart-studio) - o texto foi trabalhado em forma de dois outros companheiros de geração - a capixaba Elisa Lucinda, 31, poeta e atriz, e o gaúcho Walney Costa, 30 - resultou numa mistura de textos de Antoine Artaud, Paulo Pontes, Chico Buarque, Nelson Rodrigues e, efetivamente, o curitibano Paulo Leminski (fragmentos de "Catatau"). Uma peça que, a princípio, poderia se afigurar apenas como mais uma medíocre produção oportunista, caça-níquel, catipultada [catapultada] por um nome conhecido via global - o ator Felipe Camargo, 31 anos completados dia 1º de agosto - "60 e Over" se propõe a vôos maiores. Ao público que não esteja familiarizado intelectualmente com os autores utilizados algumas referências parecerão difícil de serem absorvidas. As referências publicitárias a toques autobiográficos na peça - remetendo ao incidente que ganhou páginas policiais há alguns meses, envolvendo Felipe Camargo e Vera Fischer - não passam de aproximações de marketing. Na verdade, assim como o casal está em nova lua-de-mel (tanto que Vera Fischer, belamente suave, passou quatro dias em Curitiba, ao seu lado), a peça não se fixa em conflitos entre o jovem ator em suas relações com a atriz mais velha (Vera Barreto Leite). Trabalhando em forma de cooperativa, com mínimos recursos; Maurício Abud buscou uma encenação portátil - considerando que seria no caminho alternativo de apresentações fora do eixo Rio-São Paulo que a peça poderia se desenvolver. (*). Assim a cenografia de Tadeu Burgos (também responsável pelo figurino) minimizou os cenários, com uma colagem em que, curiosamente, se destaca o poster do primeiro longa metragem de Eduardo Coutinho ("ABC do Amor", 1996) - embora as referências cinematográficas sejam em relação a outro filme - "Deus e o Diabo na Terra do Sol", que Glauber Rocha (1939-1981) realizou três anos antes. Apesar de ter se afastado - em separação não pacífica - da produção, muitas das idéias originais de Maria Gladys foram mantidas, como admite o diretor Abud. Vera Barreto Leite, que vinha trabalhando como assistente de direção, acabou assumindo o papel. Sua concepção da mulher que conheceu anos de glória, mito sexual e amoroso dos anos 50/60, lhe permite criar uma personagem afetiva e interessante. A multiplicidade de informação do texto - e a ausência de uma revista-programa que informe ao público da origem da grande parte das citações dificulta o melhor entendimento da ampla proposta pretendida pelos autores. A direção de Maurício Abud, que em seu currículo inclui trabalhos como "E quem governa o rei?" (parceria com Paulo Afonso Grisoli), "Edipoden" (parceria com Renato Garthiro) e adaptações livres de "Armagedon", "O Anarquista Coroado", de Artaud, e "A Vênus de Peles", de Sacher Masoch, é inquieta, dinâmica e mescla na trilha musical de Janecy Feres e Ivo Bonsiglioli desde o romantismo de "Laura" (Davci Raksin, 1944), até temas de Caetano Veloso e Eduardo Dusek. Amparando-se numa citação de Antônio Artaud (1896-1948), em seu "Teatro da Crueldade" (**), Maurício Abud justifica sua posição de criador/encenador, como a de "perseguir uma linguagem cênica ao redor de temas", o que inclui obras/peças já escritas e trabalhando sobre fragmentos dramatúrgicos. Ou seja, dando uma junção do real - citações, referências a nomes conhecidos (o teatro de Nelson Rodrigues, ícones artísticos dos anos 60 etc) com uma linguagem onírica estabelece uma "linguagem que rodeie fatos comuns e, no nosso caso específico, fatos históricos". Uma proposta intelectualmente válida, mas cuja aceitação pelo público é uma incógnita: estreando agora, os próprios artistas-produtores-encenadores da peça sabem dos riscos assumidos. Notas (*) Ainda sem teatro confirmado em São Paulo/Rio de Janeiro, "60 e Over" estará sendo apresentado em espaços alternativos. Além de Ponta Grossa e Maringá, a intenção do grupo é fazer minitemporada em Maringá, se conseguir a cessão do Teatro Barracão local. (**) Antonin Artaud: "Proponho agora vir abaixo a velha dualidade entre autor e diretor, substituídos por uma espécie de CRIADOR único a quem caberá a dupla responsabilidade pelo espetáculo e pela ação".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
20
20/08/1991

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