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Aramis

Uma visão corajosa da Teologia da Libertação

Com a estréia de "Deus é um Fogo" (Cine Groff, 5 sessões) complementa-se uma espécie da painel cinematográfico que discute e mostra a ação social da Igreja na América Latina nos últimos anos. Depois de "A Igreja da Libertação", de Silvio DaRim - primeiro documentário a enfocar a chamada Teologia da Libertação - e o contundente documentário de Helena Salém e Jorge Bondakis - "A Igreja dos Oprimidos" (este ainda inédito em Curitiba, em lançamento normal), tivemos "Fé na Caminhada", do frei Conrado - que mesmo perdendo-se na sua linguagem semi-amadorística foi um belo registro do que a Igreja vem fazendo em favor das classes exploradas social, econômica e politicamente no Brasil. Geraldo Sarno é um cineasta que apesar de uma reduzida filmografia, tem sabido abordar temas importantes como a figura do empresário nacionalista Delmiro Gouveia (Ipu, Ceará, 1863 - Pedra, 1917), pioneiro da hidrelétrica de Paulo Afonso, assassinado por grupos multinacionais irritados com seus ideais patrióticos. Assim, Sarno decidiu ampliar o enfoque da Igreja não só no Brasil mas em toda a América Latina. Há mais de dois anos vinha filmando no México, Cuba, Peru, Nicarágua, Equador e, naturalmente no Brasil - países em que se desenvolveu a Teologia da Libertação. Nas imagens de seu filme, Sarno procurou mostrar que com a criação das comunidades de base a Igreja começa a se desprender da tradicional aliança com as classes dominantes e a se aproximar das forças que lutam pela transformação da sociedade através de documentos da violência que se seguiu ao assassinato do monsenhor Oscar Romero, em Salvador (já denunciado no ótimo "Salvador, o Martírio de um Povo", de Oliver Stone e tema de um longa-metragem, na fase de produção). "Deus é um Fogo" começa referindo-se ao papel da Igreja na conquista e destaca o sincretismo com as religiões indígenas e africanas como uma especificidade do catolicismo popular na América Latina - através de imagens colhidas no México, durante um ritual dos índios Tseltales, e em Cuba, durante a festa de São Lázaro/Babaluaiê. No Brasil, através da documentação de celebrações com camponeses e trabalhadores, observa-se de que modo se manifesta opção preferencial pelos pobres. Na Nicarágua, celebrações e depoimentos revelam os passos históricos que levaram à aliança entre sandinistas e católicos. Destaca-se material inédito filmado pelo jornalista soviético Novikov com o Comandante Guerrilheiro da Frente Sul, o padre Gaspar Garcia Laviana, morto em combate em dezembro de 1978. Finalmente, através de imagens filmadas no Equador entre os Puruhá, índios da província de Chimborazo, reafirma-se a religiosidade profunda do continente e a relação de suas populações com a natureza e a terra-mãe. Frei Leonardo Boff, principal teórico da Teologia da Libertação, quando Silvio DaRim realizou seu documentário, estava proibido de falar, por decisão do Vaticano. Assim, naquele filme ele apenas aparecia rapidamente. Agora, frei Boff oferece inclusive uma contribuição no folheto promocional do filme, no qual começa lembrando que nos últimos 20 anos setores importantes da Igreja Católica incorporaram-se às lutas dos oprimidos do continente latino-americano. Ombro a ombro com outros, eles querem uma nova sociedade dentro de uma nova Igreja. - "Geraldo Sarno, no seu filme "Deus é um Fogo", mostra a irrupção destes novos cristãos em vários países da América Latina" - diz o frei Boff. - "Escolheu as fronteiras mais perigosas e as situações mais conflitantes porque é aí que se mede a autenticidade ou não deste tipo de cristianismo libertário: a Nicarágua, Cuba, e o altiplano andino do Peru e do Equador e o interior do Brasil, bem como as periferias urbanas. Trata-se de um filme carregado de luta. É também rico de símbolos e de celebrações, muito bem colhidas em sua criatividade. Com isso, Sarno soube captar o nervo mais sensível desta nova Igreja, composta preferentemente pelos sobreviventes do sistema de dominação colonial e capitalista sob o qual todos sofremos". Assim, no entendimento de frei Boff, Geraldo Sarno mostrou-se fiel à verdade destes oprimidos que já estão alijando de si o fardo da opressão. Com inteligência, soube desocultar o que se esconde por detrás deste fenômeno social e religioso: a fé confrontada com a injustiça se transforma em motor de libertação e os sujeitos históricos desta libertação não são nem o Estado populista, nem os membros envergonhados e mobilizados das classes dominantes, nem as Igrejas institucionais, mas são os próprios pobres organizados; eles comprovam que a fraqueza organizada é força. xxx Produção difícil, viabilizada graças as apoio do ICAIC (de Cuba) e da Television Española, "Deus é um Fogo" teve fotografia de vários profissionais (Carlos Ebert, Lauro Escorel, Tadeu Ribeiro, Nonato Estrela, J. Carlos Horta e Pedro Farkas) que acompanharam Sarno em suas viagens. O som direto e a montagem é do competente Walter Goulart, e a música original de J. Lins foi acrescida de gravações com música indígena do Equador, Enrique Males, La Tumba del Guerrrillero, Carlos Mejia Godoy e Los de Balaquina. O narrador é Francisco Milani.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Cinema
8
20/01/1989

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