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Aramis

Vai em frente, Serjão!

Alto, meio desengonçado, Sérgio Bianchi, lá pela metade dos anos 60, era conhecido como "Serjão Três Emendas". Apaixonado por cinema e teatro, integrava os ativos movimentos artísticos locais e já se caracterizava pelo misto de criatividade e agressividade - que o faz, até hoje, ser um profissional sem papas na língua. Capaz de momentos da maior ternura mas também de explosões de violência, como há alguns anos, quando, tenso e nervoso por não conseguir o financiamento pretendido da Secretaria da Cultura, teve uma cena digna do filme "Depois Que Tudo Acabou": com um porrete na mão, invadiu o gabinete do então secretário Luís Roberto Soares e quebrou móveis e pôs funcionários a correr. Radicado há mais de 10 anos em São Paulo, foi buscar em contos fantásticos de Julio Cortazar as idéias para seus dois primeiros curtas-metragens: "No Ônibus" e "A Segunda Besta". Mas das estórias do escritor uruguaio ficaram pouca coisa: em seu imaginário, Serjão não se limitaria à palavra (já) escrita e partiria para suas próprias concepções. Assim fez em "Maldita Coincidência", produção das mais tumultuadas, tendo como cenário único um velho casarão num bairro aristocrático de São Paulo e que os proprietários desejavam demolir. Numa legítima ocupação do imóvel, equipe técnica e elenco (entre os quais alguns nomes conhecidos, identificados pela amizade com Sérgio) ali viviam momentos de "O Anjo Exterminador", revezando-se em plantões pois caso contrário perderiam os cenários. As filmagens foram interrompidas várias vezes pela polícia, acusações das mais diversas - de bacanais ao uso de tóxico - misturavam-se ao clima de ficção e a produção arrastou-se por meses. Escolhido para inaugurar o cine Groff, há 3 anos, o filme de Serjão ganhou reconhecimento crítico em veículos nacionais e tem defensores fanáticos - ao mesmo tempo que choca o público convencional. Depois de "Maldita Coincidência", dois médias-metragens, ambos de vísceras sociais: "Mato Eles!", premiado em festivais de Brasília e Gramado e "Divina Providência", também já com premiações - nos quais, em imagens dilacerantes, com um humor que vai do bunuelesco ao escatológico, Serjão denuncia a questão do problema dos índios no Paraná e a insensibilidade do Inamps, respectivamente. Agora, enquanto lutava na cruzada burocrática para liberação dos recursos para seu "Romance" - finalmente em fase de filmagem - Sérgio Bianchi fez um outro documentário, oficialmente mostrando o projeto do tombamento da Serra do Mar e o litoral sul. Entretanto, ao sentir que tudo não passa de "mais uma grande enganação", Bianchi fez um filme amargo, rebelde - a partir do próprio título ("Entojo") que, diz ele, permanecerá inédito - já que os patrocinadores - no caso a Secretaria da Cultura e Esportes do Paraná (sic) não terá interesse em mostrar o lado real de mais uma demagogia política dos peemedebistas no poder - no Paraná e em São Paulo. De Sérgio Bianchi, pode-se esperar tudo! Menos uma coisa: o acomodamento. Sensível até a raiz dos cabelos, capaz de chorar com facilidade - ao mesmo tempo que não teme esbravejar com os poderosos do dia - não tem o jogo de cintura que faz com que muitos de seus colegas do cinema obtenham, com facilidade, recursos e benesses oficiais para discutíveis projetos. Ao contrário, com sinceridade, dizendo os palavrões que achar conveniente - vai direto ao âmago das coisas, não faz piruetas e volteios - e isto se traduz em seus filmes. Amados ou desprezados. Elogiados como obras geniais ou atacados cruelmente. "Romance" - ou "O Lado Bom da Bomba", com ele e sua assistente, a modelo Bronie - chamam a produção ora em realização - é, por enquanto, um projeto em criação. Mas, sinceramente, se Sérgio conseguir finalizá-lo como deseja, tenho certeza de que num dos próximos festivais de cinema - Brasília, FestRio, Araxá ou, principalmente, Gramado - poderá dar a este cineasta paranaense mais algumas premiações. Energia e voltagem criativa, para sacudir as imagens cinematográficas, não lhe faltam.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
4
18/05/1986

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