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Aramis

Viaro, a gata napolitana, os roqueiros e São Genaro

O bom humor, a simpatia e, sobretudo, o conhecimento familiar do italiano fez com que o advogado Constantino Viaro evitasse que a estréia de "La Gatta Cenerentola" (sábado, 20, auditório Bento Munhoz da Rocha Neto) acabasse no primeiro ato. Mas para tanto, Viaro, como superintendente da Fundação Teatro Guaíra, teve que controlar seu temperamento - normalmente explosivo - e ouvir, pacientemente, sonoros palavrões no dialeto napolitano de um esbravejante maestro, Renato Piermentese. Furioso, o regente peninsular estava disposto a suspender o espetáculo porque o som do mini-auditório Glauco Flores de Souza Lobo vazou e o barulho estridente, irritante e desafinado de um grupo de roqueiros amadores que ali se apresentava, passou a interferir na música fina, delicada e competente que os 33 instrumentistas da orquestra de "La Gatta Cenerentola" interpretavam. Se o som dos roqueiros não chegava à platéia do auditório Bento Munhoz da Rocha Neto era, entretanto, suficientemente audível no fosso da orquestra - o que, naturalmente, atrapalhava a interpretação dos temas da fábula musical de Roberto di Simone - primeiro dos três eventos programados para Curitiba no projeto "Itália Viva!" xxx Embora reconhecendo que a ira do maestro Renato Piermontese procedia, Viaro não podia simplesmente suspender a apresentação dos músicos que estavam no mini-auditório. É que os garotos Nélio Waldy Jr. (guitarra e vocal), Arnaldo Stemberg (baixo), Maurício Stemberg (guitarra) e Christina Machado (bateria), faziam, ao vivo, uma barulhenta trilha sonora (sic) do espetáculo amadorístico "Nefasto", texto e direção de Guilherme Schwartz. O grupo MD-Lux, responsável pelo espetáculo "Nefasto", havia solicitado as datas há meses - quando nem se pensava ainda na inclusão de Curitiba no roteiro do projeto "Itália Viva!". Assim, independente da barulheira (e qualidade?) do espetáculo "Nefasto", o Guaíra teve que admitir a presença do mesmo. Só que o maestro Piermontese, acostumado a se apresentar em teatros com boa vedação acústica (o que não acontece no Guaíra), ao longo dos últimos anos, em que "La Gatta Cenerentola" vem sendo levado pelo mundo (mais de 400 apresentações, desde sua estréia há 6 anos no "Festival dos Dois Mundos", em Spoletto) queria respeito e silêncio para que o público pudesse ouvir a música do espetáculo italiano, por sinal o seu ponto alto - e maior de comunicação, já que os diálogos, em dialeto napolitano, foram entendidos por uma minoria. Até a simpática consulesa da Itália admitiu que era difícil entendê-los. É bem verdade que ela é australiana. xxx Falando em italiano - afinal, seus pais (Guido e Iolanda Viaro) eram italianos, e com a ajuda do músico Beppi (Giuseppe Bertollo) - que foi uma espécie de anfitrião-voluntário de "La Gatta Cenerentola" em Curitiba, Viaro conseguiu acalmar o maestro Piermontese e convencê-lo a voltar ao trabalho. Seria uma frustração para o (reduzido) público presente no Guaíra, ver o espetáculo suspenso no seu primeiro ato - por sinal o mais longo e cansativo dos três, com excesso de diálogos. Na segunda parte, quase que totalmente musical, o espetáculo teve maior comunicabilidade e atingindo seus melhores momentos no encerramento. Assim, mesmo que o público, em 97% não tenha entendido absolutamente nada dos diálogos em torno da história da Cinderela - mas transformada no roteiro de Roberto di Simone de uma personagem de contos dos irmãos Grimm em interpretações psicanalíticas e freudianas, com cargas de sexo e violência - ao final, houve generosos aplausos dos espectadores que resistiram (muitos, deixaram o teatro no primeiro intervalo). xxx Além de ter que mostrar seu lado de diplomata nas negociações com o furioso maestro Piermontese, horas antes, Viaro já havia vencido, pelo humor, outro incidente que também ameaçava fazer com que "La Gatta Cenerentola" não chegasse a rosnar à noite. É que na hora em que foi descarregado o imenso cenário (tão grande que, ocupou todo o palco do Guaíra), e o material de cena, houve o extravio de um simples vaso de barro. Um dos administradores da produção, ao notar a falta do vaso procurou Viaro e queria satisfação pelo desaparecimento da peça. Apesar de toda a procura o vaso acabou não sendo localizado e a ameaça já veio: "Sem o vaso não há espetáculo". Viaro, ao invés de explodir com um brasileiro palavrão, preferiu o humor: - "O desaparecimento do vaso foi a vingança de São Genaro"- disse. - "Mas perche?" - "É que há 20 anos, quando estive em Nápoles, ao desembarcar, minha mala desapareceu na estação. Fiz então uma promessa a São Genaro de que um dia, no Brasil, alguma coisa italiana também desapareceria". O administrador da companhia não resistiu. Ao invés de manter o seu rosto fechado, substituiu por um largo sorriso. Abraçou Viaro e disse: - "Tutto bene. Meno malle!" E o espetáculo aconteceu mesmo sem o vaso em cena. LEGENDA FOTO - Viaro: diplomacia à italiana para enfrentar os humores da gata napolitana.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
23/05/1989

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