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Aramis

Wanderley, sem lágrimas, o homem, o profissional e uma oração testamento de Adeus!

"A Morte é a grande pergunta e a final e grande resposta de todos os credos... "(José Wanderley Dias, em sua última crônica. "Quando eu morrer", coluna "A Vista do Meu Ponto", página 5, 1º caderno, edição de ontem, 10/07/92, da "Gazeta do Povo"). Ontem, perla manhã, ao ler meus textos em O Estado do Paraná, deparando-me com habituais erros de imprensa - frases cortadas, palavras modificadas, pequenos empastelamentos, lembrei-me de Wanderley Dias. "Ao menos ele, deve estar aumentando seus álbuns de enganos de imprensa..." Afinal, mesmo com toda a tecnologia e informatização, erros de publicação de textos jornalísticos, na agilidade com que a imprensa diária (e mesmo semanal) tem que ser feita, para obedecer os rígidos esquemas industriais-editoriais, de fechamento de páginas, são uma constante. Há três dias, a propósito, voltei a fazer um registro à respeito no pé da coluna da edição de quarta-feira, 8, na segunda parte do comentário sobre o (emocionante) filme "Frankie & Johnny", que apesar do cuidado, saiu com alguns erros. Mesmo as maiores publicações, não só no Brasil e Exterior, não escapam deste diabinho que se esconde entre os processadores de textos, minicomputadores e páginas de edição, driblando mesmo experientes revisores e fazendo com que os textos jornalísticos saiam com imperfeição, muitas vezes fotos legendadas trocadas etc. - deixando em situação incômoda especialmente os profissionais que assinam suas matérias. Wanderley Dias, um leitor atento e voraz, há mais de 30 anos se dava a um hobbie dos mais originais - e que o fazia uma espécie de ombusman espontâneo da imprensa: recortar, classificar e arquivar em cuidadosas pastas os erros mais graves ou mais comuns. Obviamente que pelas suas origens jornalísticas e radiofônicas, relacionadíssimo com a imprensa desde a juventude, sempre soube distinguir as gaffes denunciando ignorância mesmo dos jornalistas e erros gráficos, de origem técnica, sem culpados diretos - mas, sim, reflexos, repetimos, da agilidade com que o jornal tem que ser produzido diariamente. Assim, nunca utilizou esta original coleção para humilhar ou ironizar quem quer que fosse, apenas guardando-a particularmente, como um hobbie que, recentemente, eu, o Freitas Netto, Hélio de Freitas Puglielli, Luiz Geraldo Mazza e Aroldo Murá - integrantes do projeto Memória Histórica do Paraná, patrocinado pelo Bamerindus, descobrimos que tinha outro adepto: o relojoeiro Carl Roeder, 81 anos, uma das personalidades mais estimadas da cidade - também com uma apreciável coleção de álbuns reunindo erros de imprensa, incluindo até jornais e revistas européias, especialmente da Alemanha, terra de seus pais. xxx Este hobbie - entre outros de José Wanderley Dias, me fez recordá-lo neste momento de tristeza, como uma das pessoas mais admiráveis que, mesmo sem ter tido a felicidade de privar de sua intimidade, aprendi a admirar muito antes de conhecê-lo. No início dos anos 50, quando residia no Interior do município de São José dos Pinhais, e os programas radiofônicos da época de ouro do chamado sem fio me emocionava, Wanderley Dias era, ao lado de uma geração de jovens brasileiros, a maioria estudantes universitários ou já formados (e cujas citações estenderia por demais estas reminiscências) produtor de programas de alto nível, comparável aos que nomes nacionais faziam em prefixos de alcance em todo o país (Nacional, Tupi, Tamoio, etc) e que, aqui se dividiam numa saudável concorrência entre as duas maiores emissoras da cidade - a pioneira Rádio Clube Paranaense e a modernizante Guairacá A Voz Nativa da Terra dos Pinheirais, com estúdios, auditórios e escritórios ocupando prédios vizinhos na segunda quadra da Rua Barão do Rio Branco (ex-Liberdade), num imóvel que, posteriormente, seria adquirido pelo empresário Hermes Macedo, quando sua empresa começou a ampliar suas lojas. A história do rádio (e televisão no Paraná - projeto que se torna cada vez mais distante de concretização justamente pelo desaparecimento e escalada de seus grandes pioneiros - terá que se deter, com muitas páginas em torno da contribuição que Wanderley Dias deu a elevação cultural do rádio no Paraná durante quase três décadas - especialmente nos inesquecíveis anos 50. Com um curriculum imenso, em que seu texto ágil, sólida formação cultural, atualização com os fatos do Brasil e do mundo, Wanderley produzia textos de rádio-teatros, programas especiais, textos didáticos e curiosos etc. Seria, entretanto, a série "Troncos dos Pinheirais", com audições ao vivo, no amplo auditório da ZYM-5, que Wanderley faria sua produção mais ambiciosa: radiofonizando a vida de grandes paranaenses, dos vários setores, reunia as famílias dos homenageados para uma apoteose final. Acetatos com a íntegra dos programas históricos dos focalizados, com o grande elenco de rádio-teatro da emissora - uma das paixões do diretor artístico Aloísio Finzetto (1914-1977), eram oferecidos à viúva ou primogênito(a) do focalizado. Quantas famílias guardaram estes acetatos, hoje preciosas fontes de pesquisa? xxx A capacidade de improvisação e rapidez de Wanderley Dias numa velha Remington, é lembrada por um dos homens que melhor privou de sua companhia profissional e amizade: Euclides Cardoso, 57 anos completados dia 3 de abril, que a partir de 1950 até o fechamento da Rádio Iguaçu (que sucedeu a Guairacá) em 1967, ocupou as mais diferentes funções naquela emissora. - "havia um programa, "Expresso das Quintas", que tinha um quadro de rádio-teatro. Dentro da improvisação com que se fazia o rádio, numa época em que eram raros os gravadores e os radioatores/radioatrizes interpretavam seus personagens, lendo os scripts recebidos poucos momentos antes, aconteciam confusões na distribuição das cópias, feitas em mimeógrafo. Perdiam-se páginas e mesmo, às vezes, os finais dos textos radiofonizados. Em sua sala, acompanhando os tragidramas dos radialistas - muitos deles que fariam carreiras profissionais em outros campos, Wanderley não se preocupava: em questão de minutos rescrevia, muitas vezes até modificando-os, para que o programa continuasse, sem que os ouvintes percebessem o que acontecia nos bastidores. E o rádio-teatro era uma das áreas com maior número de contratados e altamente lucrativo para a rádio. Como vários outros velhos amigos e colegas de José Wanderley Dias - chocados na manhã de ontem ao saber de sua trágica more, ao lado da esposa Neusa Maria Soares Dias, na localidade de Igarapé, 30 km de Belo Horizonte, quando seu automóvel chocou-se com um ônibus (ver detalhes em outro texto nesta mesma página), Euclides lembrava vários aspectos de sua personalidade. O "Kid" que da velha guarda do rádio paranaense é um dos raros que continua em atividade, há anos como diretor artístico da Rádio Independência, lembra: "Em minha retina, ficou a imagem de Wanderley Dias, já formado em Direito e funcionário da Caixa Econômica Federal do Paraná, onde trabalhou até sua aposentadoria, sempre com vários jornais debaixo do braço, especialmente O Estado de São Paulo, leitor atento, atualizadíssimo... O amor pela leitura, a paixão pela palavra escrita, faria com que mesmo deixando o rádio - quando o mesmo entrou em decadência artística, substituído por esquemas massificantes de gravações e a ditadura das FMs, e aposentado como funcionário público, jamais deixasse de escrever. O cronista que, ainda nos anos 50, quando a Colombo do Paraná foi inaugurada ali produziu um texto diário chamado "A Vista de Meu Ponto", passaria ao jornalismo, a convite de outro grande amigo, o advogado e editor Francisco da Cunha Pereira Filho, da "Gazeta do Povo". Desta produção regular e ininterrupta, resultou esplêndido material que, por insistência de amigos publicou em uma série de livros - cujos títulos, bem como detalhes mais precisos de sua vida, por certo estarão sendo divulgados nos jornais de hoje. xxx Embora de formação cristã, católica, Wanderley Dias era um homem aberto as várias crenças e, antes de tudo, humanitário Membro de clubes de serviços, participante de inúmeras atividades, em seus textos - prosas e poemas - sempre transmitiu palavras de amor e esperança, mesmo quando a fatalidade levou dois de seus filhos - Renato e Beatriz. Aparência jovial, apesar de seus bens vividos 67 anos, Wanderley mantinha sempre uma elegância não só física, mas principalmente de sentimentos. Profissional-exemplo de uma época idealista e saudosa da comunicação, dos anos em que Curitiba era realmente uma cidade fraterna e amiga - com uma população de menos de 100 mil habitantes, que se conhecia em seus vários segmentos, as suas palavras, durante anos transmitidas na Guairacá, nos últimos anos publicadas na coluna "A Vista de Meu Ponto", da "Gazeta do Povo", representava um oásis diário para um leitura reflexiva e, sobretudo, de alto nível. Por isto, não deixou de parecer premonição o fato de ele, que conseguiu superar com tanta força e coragem a dor de perda de dois filhos queridos e, nos últimos anos, como todos nós, ver, pouco a pouco desaparecerem os homens e mulheres de sua geração, especialmente os antigos companheiros de juventude dos tempos das rádios Guairacá, Marumby, PRB-2 e outros prefixos, tenham na coluna que havia deixado pronta, "antes de viajar em férias para Minas Gerais, e coincidentemente publicada ontem, abordar, com um certo pessimismo e temor - embora extraordinária lucidez - aquela "aventura horrível e suja", na definição do francês Albert Camus, e a qual deu o título de Quando eu morrer. Em duas colunas, num texto preciso, José Wanderley Dias iniciou dizendo que "não é normal, pelo menos não é costumeiro esperar-se a Morte com absoluta calma e tranqüilidade, sem qualquer reação contrária àquilo que marcará o fim de nossos dias terrenos e de que nenhum, de nós poderá livrar-se, inerente que é a nossa condição humana". 13 linhas adiante, lembrou que "falar em morte é abordar, sem dúvida, um assunto desagradável e mal visto, do qual todos querem guardar prudente distância, inclusive nós mesmos". Mais adiante, mostrava seu lado espiritualista: - "Existindo vida sobrenatural, depende dela e se interliga à vida terrena, aparentemente passageira, mas verdadeiramente continuadas uma e outra numa só existência, de que a morte não representa interrupção, mas capítulo indispensável intermediário". Dentro, sempre de um pensamento coerente, após falar em aborto e eutanásia, encerrava com um texto quase em foram de oração, que não pode deixar de ser transcrito: O que vale, a cada um de nós, é encararmos o nosso fim como não sendo realmente o fim: é etapa a ser cumprida, meta a que atingiremos, e que nos cumpre atingir bem... Nossos esforços deveriam ser conduzidos, ou pelo menos tentados para que, quando morrêssemos; merecêssemos uma lágrima em memória dos sorrisos que houvéssemos possivelmente propiciado; deixássemos alguma saudade, em face das esperanças que tivéssemos possibilitado; não desse a nossa morte alívio, porque em nossa vida o alívio de outrem tivesse sido preocupação; legássemos um vazio pequeno, pequeno embora, porque nossa presença houvesse sido útil; inspirasse mais "um até à vista" de que um "adeus"; sentíssemos a mão piedosa que nos fechasse os olhos, porque havíamos ajudado a que se visse; as velas que acendessem rememorassem as luzes que tivéssemos posto a iluminar; ganhássemos uma palavra pelos instantes em que tivéssemos ouvido e um instante de reflexão e silêncio pelas palavras que houvéssemos dito um dia; que não morrêssemos de todo ou para sempre, pela vida que tivéssemos conseguido transmitir, preservar ou ajudar... Talvez, assim não a temêssemos tanto... xxx Kardecista convicto, Euclides Cardoso, emocionado, nos disse uma frase perfeita, com a qual concordamos: - Não acredito na morte definitiva. É apenas um ritual de passagem e acho que, o próprio texto de adeus de Wanderley é o significado de que ele está, novamente, entre nós. xxx A oração de Adeus de José Wanderley Dias é o seu testamento. Ninguém melhor do que ele, merece as palavras que escreveu. LEGENDA FOTO - José Wanderley Dias e sua mulher Neusa Maria Soares.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Nenhum
7
11/07/1992

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