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Welles, filme iugoslavo, Coppola estão nas telas

Poucas estréias mas a programação continua ótima, com boas reprises e filmes de sucesso. De princípio, temos mais uma estréia com amplas condições de figurar entre os melhores lançamentos do ano: "Quando Papai Saiu em Viagem de Negócios", produção iugoslava, merecidamente premiada com a Palma de Ouro em Cannes, no ano passado. Um filme encantador, humano e tão emocionante quanto "A Cor Púrpura", de Spielberg - que após quase 3 meses de exibição, tem hoje suas últimas projeções no Itália. No Palace-Itália estréia amanhã um medíocre e violento documentário, na linha "Mondo Cane": "Faces da Morte", de Conan La Cilaire. A terceira estréia é altamente significativa: "Nem Tudo é Verdade", na qual o cineasta catarinense (de Blumenau) Rogério Sganzerla reconstitui, num misto de fantasia e realidade, a passagem de Orson Welles pelo Brasil. Em exibição no cine Groff. Gente Como a Gente - O cinema iugoslavo é praticamente desconhecido no Brasil. Mas a partir deste "Quando Papai Saiu em Viagem de Negócios" (Otao Na Sluzbenoh Putu) passa a merecer toda atenção. Um filme da maior ternura, com o mérito de ter na simplicidade a sua empatia universal. Contando a história de uma família húngara, através dos olhos do pequeno Malik Malkoch (Moreno D'E Bartolli), 6 anos, o diretor Emir Kusturica realizou um filme inesquecível, que faz o espectador mais sensível terminar a sessão com lágrimas nos olhos. Não se trata, entretanto, de um dramalhão. Ao contrário, há um ritmo de comédia, na visão da vida de uma família iugoslava - o pai (Miki Manojlovic), funcionário público perseguido injustamente pelo stalinismo, devido a uma denúncia de seu cunhado, que deseja sua amante. A mãe (Mirjana Karanovic) é brava, idealista mas também tem seus momentos de desespero. "Quando Papai Saiu em Viagem de Negócios" tem aquela identificação que faz com que se veja na tela, independente das distâncias físicas e de língua, gente como a gente. Uma trilha sonora maravilhosa, calcada numa antiga valsa russa - que, na versão gravada por Carlos Galhardo (1913-1985) na década de 50 foi um dos grandes sucessos da época. Kusturica mostra neste seu (segundo) longa-metragem que o cinema é emoção, simplicidade e ternura. Esta é a linguagem universal. O resto é perfumaria e propaganda. Welles no Brasil - Uma das maiores atrações para o III FestRio (Rio, 20 a 29 de novembro) será a exibição do documentário "It's All True: Four Men on a Raft", de 22 minutos de duração que conta a história do filme nunca concluído que Orson Welles (1915-1985) rodou no Brasil em 1942. O documentário contém trechos restaurados desse filme que acreditava-se estarem perdidos mas foram encontrados em um depósito da Paramount Pictures. O filme, em nitrato, foi doado ao American Film Institute que o restaurou e, com a colaboração da Kodak integra hoje a Coleção AFI, nos Arquivos de Televisão e Cinema da Universidade da Califórnia, em Los Angeles. Em agosto último, o filme foi mostrado no Festival de Veneza e agora terá projeções no FestRio. Afinal, a curiosidade é grande em torno deste material sobre o qual há tantas lendas. E as lendas sobre os meses que Welles passou no Brasil são tantas que o cineasta Rogério Sganzerla passou vários anos pesquisando o assunto, reunindo material para fazer um longa-metragem - que acabou tendo um pouco de ficção, através da recriação do prórpio Welles na interpretação do londrinense Arrigo Barnabé. Com a participação de Grande Otelo (que ficou amigo de Welles durante as filmagens no Rio de Janeiro), Helena Ignez (ex-mulher de Glauber Rocha), Mariana de Moraes (neta de Vinicius), o escultor Mário Cravo, Mariana Abrão Farc, a sensual Nina de Pádua participaram deste filme que, exibido hors-concours no II FestRio, no ano passado, agradou bastante - sendo levado depois a outras mostras e premiado no 2º Festival de Cinema Brasileiro de Caxambu-MG. Para quem curte Orson Welles, o genial diretor de "Cidadão Kane" - passados 46 anos, o melhor filme da história do cinema americano - "Nem Tudo é Verdade" é obra de indispensável visão. A estréia do filme coincide com o lançamento do volume "O Pensamento Vivo de Orson Welles", no qual Sganzerla selecionou idéias e dados biográficos do diretor de "Soberba". Cineasta irreverente, com uma filmografia polêmica e pouco conhecida do grande público, Rogério fez em "Nem Tudo é Verdade" um documentário/ ficção bastante acessível e agradável, que ele descreve da seguinte forma: - "É um docudrama ou 'romance-invenção' (na verdade um filme invenção) sobre a (des)ventura brasileira de Welles entre nós, procedendo a um grande resgate de cultura mundial, de suma importância na questão da valorização da linguagem moderna do nosso cinema, valorizando a arte popular e o fato estético espontâneo, bárbaro e nosso, sempre no apreço daquilo que nos é próprio, coisas nossas como o Samba, a prontidão e outras bossas." As Boas Reprises - Três reprises de (re)visão indispensável e de conhecimento obrigatório para quem ainda não assistiu. No Cinema I, em substituição ao belíssimo "Mishima" de Paul Schraeder (que mereceria uma segunda semana) entrou "De Veneza com Amor" (Dimenticare Venezia), Itália, 82, de Franco Brusati. Escolhido um dos 10 melhores filmes apresentados em Curitiba no ano passado (foi lançado no Groff, sem qualquer promoção), esta crônica familiar do reencontro de um homossexual de meia idade em sua cidade natal, é belíssimo, humano e tocante. Erland Josephson, ator conhecido pelos filmes de Ingmar Bergman, tem uma atuação notável e, no elenco de suporte a bonita Mariângela Melato. "Dimenticare Venezia" a exemplo de "Quarteto Basileus" e "Quando Papai Saiu em Viagem de Negócios" é daquelas jóias simples mas de infinita beleza - um filme tocante para se ver e rever muitas vezes. As duas outras reprises são superproduções por coincidência do mesmo diretor - Francis Ford Coppola, 48 anos, o golden boy do cinema americano no anos 70. No Vitória, retorna o fantástico "Apocalypse Now", que inspirado em uma novela do escritor polono-ucraniano Joseph Conrad, teve produção das mais demoradas. Iniciado em 1966 levou a Zoetrop a uma de suas falências, teve mil dificuldades para ser concluído mas foi um grande êxito, especialmente após ter obtido a Palma de Ouro, em Cannes - 1969. Trouxe Marlon Brando em sua última grande atuação (posteriormente, só apareceu 4 minutos em "Superman I"), ao lado de Robert Duvall, Martin Sheen, Frederic Forrest, Larry Fishburne e Dennis Hopper. O roteiro é de John Milius e Coppola, a fotografia (esplêndida) de Vittorio Storaro e a trilha sonora assinada por Carmine Coppola teve uma grande colaboração de Airto Moreira e Flora Purim, especialmente nas últimas seqüências. Aliás, a música que Airto fez para o filme acabou sendo lançada num álbum independente, já que no disco "oficial" ela pouco aparece. Uma reprise com sabor de estréia para uma geração mais nova que ainda não viu este "Apocalypse" profundo, raivoso, extremamente pacifista entre tanta violência e sangue da guerra do Vietnã. Já no cine Luz, programado para duas semanas, temos "Cotton Club", outra difícil produção de Coppola, com um tema mais ameno: os anos 20 em Nova Iorque, num misto de musical jazzístico com intrigas de gangsters. A trilha sonora (edição no Brasil da CBS) é magnífica, aparecem muitos nomes famosos em cena (inclusive Cab Calloway, de quem finalmente saiu um LP no Brasil) e o filme tem o ritmo que FFC sabe dar às suas obras. Também de revisão obrigatória. Nas sessões especiais, a Cinemateca apresenta mais um ciclo Pier Paolo Pasolini com "Mamma Roma" (hoje e amanhã), "Teorema" (4 e 5) e "A Pocilga" (6 e 8). Na sessão da meia-noite de amanhã, o Lido I faz a pré-estréia de uma comédia de Ron Howard ("Cocoon" e "Splash") destinada a ser novo campeão de bilheteria: "Fábrica de Loucuras". P.S. - "Hanna e Suas Irmãs" de Woody Allen - tranqüilamente o melhor filme do ano (até agora) continua no Ritz. Por mais duas semanas. LEGENDA FOTO - Um filme emocionante e de temática universal em exibição no Itália a partir de amanhã: "Quando Papai Saiu em Viagem de Negócios", do iugoslavo Emir Kusturica.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Cinema
10
31/10/1986

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