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Zé ajuda amigo Adami e vai para o Canadá

Há dez dias, José Maria dos Santos foi ao caixa do Hospital da Cruz Vermelha e deixou um cheque pessoal, no valor de Cz$ 40 mil, pré-datado, para que fosse liberada a saída de seu colega Irineu Adami que ali estava internado há duas semanas. - "Foi a única solução para cobrir a dívida. Dei o cheque, o Irineu foi para casa e agora estou levantando o dinheiro" - explica Zé Maria. Para levantar os recursos necessários não só ao pagamento do hospital, mas para que o caro tratamento de Irineu possa ter seqüência, José Maria volta hoje ao palco (auditório do CEFET, avenida 7 de Setembro, 3.165, ingressos a Cz$ 200,00) para fazer a 259ª encenação de "Zé Maria Procura Sarney Para Se Coçar" . "Só ... rindo para enfrentar as dificuldades" - comenta. xxx Algumas pessoas já ajudaram a José Maria a conseguir o dinheiro para pagar as despesas médicas com seu amigo Irineu Adami. O secretário René Dotti, da Cultura, autorizou a compra de cem ingressos e o superintendente da Fundação Teatro Guaíra, advogado Constantino Viaro, intercedeu junto a Clisama para levantar mais Cz$ 10 mil. - Mas ainda é pouco! Precisamos de mais ajuda - conclama o estimado Zé Maria, convocando o público a comparecer hoje a noite para aplaudir a encenação beneficente em favor de Irineu. xxx As dificuldades enfrentadas por Irineu Adami, 62 anos, gaúcho de Caxias do Sul, desde 1961 morando em Curitiba, refletem, mais uma vez, a desproteção da classe artística. Embora funcionário da Fundação Teatro Guaíra há 16 anos (salário de Cz$ 9 mil), Irineu não tinha condições de enfrentar um tratamento médico intensivo - incluindo duas delicadas operações. José Maria, colega de Adami há 25 anos, mais uma vez demonstrou seu bom caráter: foi ao hospital, exigiu sua transferência para um apartamento individual e, contando com a atenção do médico Carrilho, viu o velho ator ser bem atendido. Agora, já em sua casa, em Santa Felicidade, ao lado da esposa Célia e de três filhos - duas das quais, menores - Irineu recebe tratamento especial. Preocupa-se, naturalmente, com os custos do medicamento: só nos últimos dias gastou mais Cz$ 18 mil e, pela medicação exigida, precisará ainda de pelo menos o triplo desta importância para enfrentar as despesas neste final de ano. xxx José Maria Santos, 54 anos - que comemora hoje -, paranaense da Lapa, 35 anos de teatro (desde seus tempos de amador no SESI), mostra-se com razão, pessimista: - "O que Irineu sofre foi o mesmo que centenas de outros velhos profissionais dedicados as artes enfrentaram: falta de assistência, inexistência de um sistema previdenciário honesto!" Ator, cenotécnico, cenógrafo, autor de comédias - verdadeiro "fac totum", Irineu já teve dois pavilhões - uma espécie bem característica de espaço portátil cênico, que no Sul era comum até os anos 60, e dedicou toda sua vida ao teatro. Nos últimos anos, como funcionário do Guaíra, fez poucas peças como ator - embora tivesse sido elogiado na encenação de "Doce Primavera", de Manoel Carlos Karam - que Zé Maria levou ao Rio de Janeiro e, em abril de 1982, estava no elenco e equipe técnica da comédia "A Reputação dos Quatro Bicos", de Luís Groff, que inaugurou o Teatro da Classe. xxx Homem sem papas na língua e que sempre se destacou em nosso acovardado mundo artístico como líder nato, José Maria Santos não alimenta esperanças com a política oficial de cultura. Nos últimos anos sobreviveu com a montagem de monólogos humorísticos - a partir de março de 1971 com "Lá" de Sérgio Jockymann (1.480 apresentações) e, nestes últimos dois anos - desde a estréia em 19 de junho de 1986 - com a sátira "Zé Maria Procura Sarney Para se Coçar". Admite que os textos desta comédia, satirizando a Nova República, - de autoria de Valêncio Xavier e Aldo Schmidt precisam uma reciclagem, mas justifica: -Também, com Sarney e o governo que aí está, não há condições de fazer humor. Só tragédia. Bem chorosa. Como milhares (ou trilhões?) de outros brasileiros, Zé quer emigrar. - Não só quero, como vou! - garante. Para tanto já esteve duas vezes no Consulado Geral do Canadá, em São Paulo, tratando da documentação e buscando opções de sobrevivência naquele país. De princípio, vai tentar fazer um curso ou um estágio. - Mas se puder, vou ficar por lá. É um país grande e com maiores oportunidades. O fato de não falar inglês ou francês, não o intimida: - Afinal sou ator. E para que serve a mímica? De princípio vai sozinho. Aqui deixa a ex-mulher, cinco filhos, cinco netos "e muitas namoradas". O custo do dólar também não o faz desanimar. Parte de um raciocínio simples: - Entre passar necessidade e raiva com a mediocridade que aqui existe, prefiro passar só necessidade. Necessidade sem raiva dá menos fome...
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
12/12/1987

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