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Aramis

A hora de repensar o futuro dos festivais

Reunindo em seu júri com 13 profissionais representando setores da produção e animação artística, jornalismo cultural, indústria e edição musical e artistas - instrumentistas, compositores e intérpretes, a IX Feira Avarense de Música Popular (27 a 29 de julho) proporcionou algo raro em termos de eventos competitivos: um produtivo debate sobre a importância dos festivais de música e da necessidade de se viabilizar o quanto antes, um projeto da animadora cultural Ercília Lobo: um encontro nacional de quem se dedica a promover festivais no Brasil. Desde maio de 1983, quando organizamos em Curitiba o seminário "Linguagens e Rumos da Canção Brasileira" - paralelo ao evento Brasil de Todos os Cantos, temos defendido a necessidade de que os esforços que se fazem para a promoção de centenas de promoções em todo o país não fiquem apenas nos aspectos festivo-competitivos, mas possibilitem a definição de programas, projetos e mesmo uma política capaz de dar aos participantes condições de melhor estruturarem suas carreiras. Pela continuidade que o Fampop vem mantendo - e seriedade deste evento dirigido pelo compositor (e advogado) Juca Novaes, também executivo do Festival Carrefour de MPB (que se encerra no próximo dia 10, em São Paulo, com a participação de "Bastidores", dos curitibanos Gerson Bertinez/Gerson Fisbein) - Avaré presta-se para motivar reflexões mais profundas em torno dos festivais. Justamente coube a Juca Novaes, em colaboração com Ercília Lobo - a musa inspiradora do animador cultural Zuza Homem de Mello (diretor-geral do Festival Carrefour), idealizar um encontro de executivos de festivais, previsto originalmente para acontecer em São Paulo, no final da administração de Fernando de Moraes na Secretaria da Cultura mas que acabou sendo transferido para próxima ocasião. Que, se espera, venha a acontecer em breve. xxx Em Avaré, a participação no júri, pela primeira vez, de um diretor-geral de uma importante gravadora totalmente nacional, a RGE, o veterano, estimado e competente Wilson Rodrigues Poso, 55 anos, 40 de atividades fonográficas, mais a presença de um experiente editor - Manoel Nenzinho Pinto, diretor da Embi/PEER e presidente da Associação Nacional de Editores Musicais e do produtor Jairo Pires, 48 anos, 25 de atividades em quem já viabilizou mais de 200 elepês - e atualmente coordena o Festival de Música Sertaneja Rimoli, proporcionou que se tivesse uma visão do outro lado da moeda musical. Ou seja, se artistas - compositores, intérpretes, cantores - que buscam seus espaços enfrentam um mercado com inúmeras dificuldades para ser conquistado - alto custo das gravações, pouca divulgação na mídia nacional, marginalização de talentos regionais etc - é importante que se busque fórmulas capazes de fazer com que a valiosa matéria-prima que se reúne em festivais - como o de Avaré e Cascavel (realizado, aliás, também na última semana), não se perca pela falta de uma continuidade no trabalho. Mesmo quando as finalidades chegam a um elepê, geralmente produção independente ou a chamada "matéria paga" (financiada junto as gravadoras), a divulgação das músicas vencedoras não ultrapassa o âmbito municipal. Se na época de ouro dos festivais (1965/69), a cobertura nacional garantida pelas redes de televisão e, reconheça-se, o talento de uma geração que então despontava (Chico, Caetano, Gil, Edu Lobo, Milton Nascimento, Ivan Lins, Gonzaguinha etc) fazia com que o Brasil todo acompanhasse os eventos, infelizmente, na seqüência, mesmo com a multiplicidade de festivais competitivos - mais de mil realizados em praticamente todos os estados brasileiros - raros foram os que catipultuaram [catapultaram] sucessos semelhantes, a maioria ficando restrita a trabalhos amadorísticos, esquecidos em suas próprias cidades. Com exceção do Rio Grande do Sul - onde cerca de 70 festivais nativistas floresceram nos últimos 21 anos a partir de Califórnia (Uruguaiana, 1971/91), poucos tiveram continuidade e registros das músicas premiadas. "O mais grave é que mesmo assim, nestes casos, não se encontrou ainda uma fórmula de abrir um canal real para compensar tanto esforço de seus participantes", analisava o pianista Amylson Godoy, 45 anos, 40 de piano, ex-grupo Medusa, e que estará nos próximos dias 6 e 7 apresentando-se no Teatro do Paiol. Como assessor da Secretaria da Cultura de São Paulo, Amylson preocupa-se em encontrar entre os próprios organizadores e participantes dos festivais, os elementos que tragam luzes em torno de uma estratégia capaz de fazer com que a música popular possa deixar o verdadeiro gueto em que se encontra. De um lado, a massificação do som mais supérfluo (leia-se rock/pop), imposto por multinacionais e com pastiches nacionais que são consumidos por uma juventude que, por ignorância, despreza os valores verde-amarelos. Por outro lado, talentos sinceros - mas sem possibilidades de desenvolverem suas carreiras e que, desanimando-se, muitas vezes, após anos de competições em festivais e outras (pequenas) janelas sonoras (e exemplos não faltariam) acabam abandonando a carreira musical. Um campo amplo para análises, reflexões é necessário de ser levantado por quem se interessa pela nossa cultura musical popular - e que em reuniões e positivas trocas de idéias ocorridas em Avaré, valorizaram ainda mais o sentido cultural deste evento patrocinado pelo prefeito Hélio Cruz Pimentel, que viabilizou a continuidade da Fampop, iniciada há 9 anos passados.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
24
02/08/1991

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