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Aramis

Alverecer Nativista (IX)

Consequência direta do revigoramento nativista dos últimos anos, duas revistas especializadas nas raízes da cultura gaúcha vêm circulando. A primeira é a Nativismo fundada por Jorge Lopes e Francisco Souza, com sede em Santa Maria, e que, mesmo sem a periodicidade desejada, já teve seis números lançados. A segunda é a "Tarca", editada por Atanagildo Brandot, Milton Berwian e Juliane Mentz, de Porto Alegre. Ambas têm a cultura regional como tema, enfocando, de forma criativa e comunicativa, os diversos aspectos da música, dança, teatro, literatura etc. Francisco Valdir de Souza, da revista "Nativismo", é apaixonado por quadrinhos e, assim, sua publicação inclui paginás de uma legítima produção gauchesca, lebrando a nacionalista fase dos "Aba Largas", que Leonel Brizola estimulou há mais de 20 anos, quando governava o Rio Grande do Sul. Propostas como a de quadranizar canções são colocadas em "Nativismo", cujos interessados poderão dirigir-se ao Chico Sosa (Rua Silva Jardim,808,CEP 97.100, S.Maria). Já a "Targa" pretende uma circulação mais regular, como diz um de seus editores - Milton Berwian, o "Alemão", natural de Santa Rosa, entusiasmado com a conscientização da juventude pelo nativismo. Diz Milton - repetindo palavras do editorial de sua revista: -"Um movimento como o Nativismo não acontece por acaso. Mesmo que não passe de modismo, deixará marcas na geração que o está vivenciando. Afinal, trata-se de um movimento de valorização da nossa cultura". Outro entusiasta do movimento é Antonio Augusto Fagundes, 49 anos, advogado, folclorista, produtor do programa "Galpão Criolo" (já com dois elepês gravados) e que em 1985 fará o doutorado em folclore na[Sorbonne]. Acusado de radical, e "patrulheiro" por sua integração ao tradicionalismo "Nico" Fagundes lembra o trabalho dos pioneiros Paixão Cortes, Glauco Saraiva (falecido no ano passado), Barbosa Lessa - até 1982, secretário de Cultura e Turismo do Estado. -"Foi o moço quem criou o tradicionalismo e não o velho. Paixão, Glauco, Barbosa Lessa eram guris quando inventaram isso aí. Não tiveram influência de nenhum velho, de nenhuma intelectual. Agiram contra a americanização da nossa juventude que, naquela época, logo depois da sugunda Guerra Mundial -1947/48 - já era muito grande". Dando exemplos da aceitação do nativismo pela juventude e observando que só Borghetinho, com seu elepê de sanfona já vendeu quase 100 mil cópias, o autor de "Causos do Galpão", acrescenta: -"O jovem de hoje, mais conscientizado, mais aberto, está se dando conta de que a alienação cultural não está com nada. O negócio é bater nas nossas origens, até por uma questão de identidade social. E, é por isto, que esta dando certo. O atual gigantismo do movimento, inclusive em alguns aspectos de modismo, vai passar porque é natural que assim aconteça, mas o núcleo vai resistir sempre". Luiz Coronel, poeta, publicitário e advogado, dezenas de músicas gravadas e parceiro de Renato Teixeira em "O Campeador e o Vento" - dedicado a Carlos Najar ([que] ele considera hoje o maior poeta brasileiro), música que chegou a finalíssima do Musicanto, vê a questão de modo diferente: -"Acredito que seja uma reação da cultura regional contra o processo de massificação cultural que se deu no Brasil, principalmente pelo superdesenvolvimento das engrenagens de produção eletrônica, da mídia eletrônica, da centralização cultural, via televisão. Parece que o gaúcho reagiu a tudo isso, fazendo um retorno às suas bases. O regionalismo é a estratégia da defesa da cultura brasileira, via cultura regional". Na verdade - como diz Milton Berwian, em edital no número três da revista "Tarca" - o fato é que a juventude gaúcha está ingressando no mundo nativista. Para este pessoal, Rolling Stones, Milton Nascimento, Steve Wonder, Elis Regina e Chico Buarque deixaram de ser a única opção. Surgiram nomes como João Chagas Leite - vencedor de vários festivais e que agora está tendo o seu primeiro lp ("Pampa & Querência", Continental, Agosto/84) nas lojas João, gaúcho de Uruguaiana,39 anos nunca saiu do Rio Grande do Sul, e agora [quer] vir a Curitiba - onde reside um de seus irmãos. Elton Saldanha, outro nome forte da música nativa, e que concorreu no Musicanto com duas músicas ("Aria Operária" e "Desabrigo") logo poderia ser um nome nacional: foi escolhido por Paulo José para interpretar o personagem-título do episódio "Um Certo Capitão Rodrigo", na supermilionária adaptação para a televisão de "O Tempo e o Vento" de Érico Veríssimo, em rodagem há duas semanas em várias locações no Rio Grande do Sul. No entusiasmo com que vê o movimento, "Alemão" diz: - A pizza e a Coca-Cola tiveram de dar espaço para o carreteiro e o chimarrão. Isolda Bueno D'Ambrosio, carioca,40 anos, que anualmente gasta suas férias para acompanhar os festivais nativistas, acrescenta: -E o gosto do chimarrão é bem melhor... XXX Em termos editoriais, o bom nativista esta presente nas dezenas de títulos que as várias editoras gaúchas estão lançando nos últimos anos.Poesia, romances, história, crônicas, ensaios, biografias, etc. fazem com que existam hoje, no Rio Grande do Sul, uma forte industria editorial, ao ponto da Feira do Livro de Porto Alegre, promovida a 30 anos, se constituir num evento consagrado. Desde o dia 26, na Praça da Alfândega, 75 barracas exibem milhares de livros com algumas dezenas de lançamentos. Só a Tchê - fundada há 3 anos como "a editora bombacha", reservou 18 novos títulos novos. Entre a literatura regionalista, também uma nova coleção - "Estes Gaúchos", que pretende biografar mais de 50 personalidades da política, economia, artes, etc. nascidos no Rio Grande do Sul. Os três primeiros volumes (cr$ 5 mil cada) são dedicados a Getúlio Vargas ([1883]-1954), Lupiscínio Rodrigues (1914-1974) e o Barão de Itararé (Aparício Torelli, 1895-1971). Entre os volumes programados, estão desde biografias de nomes como Elis Regina até o trovador e compositor Gildo de Freitas (Leovegildo José de freitas, 1919-1982), cuja vida está sendo pesquisada pelo jornalista Juarez Fonseca. Martins Livreiro, dono de um dos maiores "sebos" do Brasil, começou a editar literatura regionalista há 6 anos e hoje é um dos empresários mais bem-sucedidos no setor. A própria Tchê, que há 34 meses publica um irreverente jornal-tablóide, tem no regionalismo uma de suas sustentações. Os dois volumes de "Rapa de Tacho", de Silva Rillo, foram os livros que mais venderam - e o terceiro volume, agora sendo publicad, com novos e divertidos "causos", deve sair com a primeira edição esgotada em 3 semanas. Silva Rillo, poeta, letrista, diretor do grupo Os Anhangueras, em São Borja, não quer continuar, entretanto, neste filão: -"Apesar de ter milhares de causos para contar, não vou ficar fazendo apenas este tipo de literatura. Prefiro a poesia, o conto e, agora, um romance de maior profundidade". A tchê lança na 30a Feira Estadual do Livro 18 novos títulos.Até 1985, seu catálogo terá aproximadamente 80 títulos. Associado a Mário Goulart - jornalista e autor do livro sobre Lupiscínio Rodrigues - Airton Ortiz, 29 anos, gaúcho do Rio Pardo, não ficou apenas na editora: já há a livraria Tchê, uma linha de confecções (a T-Shirt é das mais disputadas), promove um festival anual, reunindo no Gigantinho, em Porto Alegre, os vencedores de todos os festivais regionalistas e, em breve, sairá também o selo fonográfico Tchê.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
27/10/1984

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