Até bandeira faltou no Carnaval do Leão
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 12 de fevereiro de 1986
Na noite de domingo, quando a Escola de Samba Leão e Ouro, da Vila Hauer, desfilava na Avenida Marechal Deodoro, o advogado Cupertino Amaral, 55 anos, carnavalesco desde os anos 40, que julgava o item Mestre Sala e Porta Bandeira, surpreendeu-se: ao invés da bandeira da Escola, a Leão de Ouro desfilava com as cores da Acadêmicos da Sapolândia.
A bandeira de uma escola é considerada sagrada pelos sambistas. Assim, Cupertino - com toda razão - se recusou a prestar a tradicional homenagem carnavalesca, qual seja a de beijar a bandeira. Fez mais: deixou de dar nota neste quesito e justificou, por escrito, sua decisão.
Julinho da Adelaide (Júlio Cesar do Amaral de Souza), 41 anos, um dos fundadores da Acadêmicos da Sapolândia - hoje afastado da Escola, já que é o principal executivo na organização do Carnaval curitibano - teve um choque ao ver a bandeira da Escola que criou há 16 anos passados sendo usada, indevidamente, por outra agremiação. Nervoso, arrancou o estandarte das mãos da Porta Bandeira.
Este episódio - como tantos outros que passam despercebidos do público que assiste ao Carnaval de rua - é ilustrativo para mostrar que ainda falta muito para as nossas escolas de samba alcançarem o nível desejável. Com exceção de três ou quatro das maiores agremiações, a maioria das 14 escolas que desfilaram este ano apresentaram-se fracamente, com enredos mal desenvolvidos, fantasias pobres e mesmo entoando fracamente seus sambas-de-enredo (muitos desconhecidos pelos próprios integrantes das escolas).
Ex-dirigente das Escolas de Samba (Não Agite, Embaixadores) apaixonado pela festa e hoje principal responsável por sua organização, Glauco Souza Lobo, que deixa agora a direção executiva da Fundação Cultural para se tornar o primeiro secretário municipal de Turismo, admite, com sinceridade, que só mesmo com a fusão das escolas pequenas é que se poderá fortalecer o Carnaval. De nada adianta um cansativo e monótono espetáculo, que, por duas longas noites, se estende das 20 às 3h50 min da madrugada. Assim - raciocina Glauco e outros executivos da área - será preferível ter 7 ou 8 grandes agremiações, capazes de oferecer bonitos espetáculos do que 14 ou 16 escolas que, na verdade, não passam de blocos carnavalescos, improvisados e com mínima estrutura.
Os primeiros passos foram dados para estimular as fusões. Este ano, a Dom Pedro II que acabou sendo a campeã - teve o fortalecimento das escolas de samba do Boqueirão, enquanto que a Treze de Maio, também resultou de duas outras escolas. Com isto tiveram duplicada ajuda financeira e o direito de mais uma verba-estímulo de Cr$ 5 milhões, que Glauco pretende atualizar para 1987, com a esperança de ver novas fusões.
Neil Hamilton, de 49 anos, ex-presidente da Escola de Samba Colorado - a mais antiga da cidade e que este ano, devido à desorganização administrativa, não teve condições de desfilar - lamentava, quase aos prantos, a ausência daquela que tinha, sob o comando de Maê da Cuica (Ismael Cordeiro, 52 anos, ferroviário aposentado) a melhor bateria da cidade. E na avenida, procurando apoio em várias áreas, Neil, um apaixonado carnavalesco, prometia que retornando agora definitivamente a Curitiba vai tentar, de todas as formas, promover uma fusão da Colorado com a Acadêmicos da Sapolândia - já que ambas sendo do mesmo bairro (Capanema), podem se transformar numa das três grandes escolas - ao lado da Dom Pedro e Mocidade Azul, que, nos últimos dez anos, praticamente têm se alternado com os melhores espetáculos na avenida.
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