Cesar Costa Filho, o samba que diz muito
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 05 de outubro de 1975
"Em silêncio não significa calado. "De Silêncio em Silêncio" pode significar uma porção de coisas. Até mesmo isso: de silêncio em silêncio. Mas, talvez o silêncio seja o solo da canção..." (Jésus Rocha)
Em "Só Isto" (faixa 6/lado A) do lp De Silêncio em Silêncio" RCA Victor, 103.0146, setembro/76) cada estrofe é separada por alguns segundos de silêncio, o que confere maior dramaticidade a letra de [Jésus] Rocha, que a certa altura, numa espécie de autobiografia diz:
Meu nome lembra Jesus Cristo
O passaporte, o sonho aflito
Cruzei a solidão e o braços
De todas as 12 excelentes faixas do [elepê], "Só Isto" é talvez a com menos possibilidades de ser promovida através das rádios e conquistar o público. Mas pelo emprego do [silêncio], é uma e p3 i3 de completendo a música que dá título ao segundo [elepê] do violonista, cantor e compositor [César] Costa Filho. Mas maduro do que o extraordinário "...E Os Sambas Viverão" (RCA, Janeiro/74), que no ano passado não tivemos duvidas em incluir em 2º lugar na lista dos 10 melhores discos do ano, este segundo lp de [César] Costa Filho vem confirmar ser ele um dos mais importantes compositores brasileiros, da geração surgida nos festivais universitários. Injusto seria esquecer que os méritos de Costa Filho não são independentes: dono de excelentes harmonias, tem sabido sempre encontrar letristas perfeitos, que o compreendem e lhe oferecem palavras exatas para suas musicas: de Aldir Blanc, a Jésus Rocha, todos tem permitido resultados excelentes, para alegria de quem curte a nossa melhor emepebe.
Carioca da Vila Isabel, 31 anos, crescendo num ambiente musical (seu pai era um dos maiores admiradores de Noel Rosa, Pixinguinha, Ismael Silva, Lamartine Babo, e outros bambas dos anos de ouro da MPB), César Costa Filho ganhou seu primeiro violão quando tinha 17 anos de idade. Procurou um professor, embora não pretendesse nada além de simplesmente executar músicas de sucesso. Aprendeu um pouco de teoria e as posições básicas e, durante uma das aulas, descobriu que era compositor. É que [César] jamais conseguia repetir as melodias que o professor determinava. Apesar de tentar, sempre surgia outra música, criada no momento. Começou então a fazer músicas com Ronaldo Monteiro de Souza. Em 1968, quando já fazia o curso de Letras na Faculdade Gama Filho, resolveu inscrever-se "por curiosidade", no I Festival Universitário de Música Popular. Conquistou o 3º lugar com "Meu Tamborim", defendida por Beth Carvalho, tendo recebido votos de louvor de Sérgio Cabral, Ziraldo e Braguinha.
Logo depois [César] fazia parte do MAU - Movimento Artístico Universitário e quando surgiu o programa Som Livre Exportação passou a ter um contato mais amplo com o público, ao mesmo tempo que continuava a destacar-se nos festivais: "Mirante", defendida por Maria Creuza, classificou-se em 3º lugar, no II Festival Universitário, enquanto outra composição sua, obtinha o 5º lugar: "De Esquina em Esquina", defendida por Clara Nunes. "Garoa de Subúrbio", "Visão Geral", "Diva" e "Medo", também foram finalistas de outros festivais.
Apesar de todo seu inquestionável valor [César] Costa Filho tem sido marginalizado, por questões [políticas], nestes últimos anos. Assim, o seu trabalho não obtém o merecido reconhecimento e promoção, o que é lamentável, considerando-se que é autor de músicas já [incluídas] na história da MPB, como "Dose Pra Leão", "Ela", "Anastácio", "A Velhice da Porta Bandeira", "Samba do Estácio" e "Tambores e Clarins".
Em relação à "... e os sambas viverão", o segundo [elepê] de [César] Costa Filho é um disco que exige maior atenção para compreensão de sua importância. Neste disco, apesar de parcerias com Paulo [César] Pinheiro e Sérgio Bittencourt, [César] se fixou num trabalho maior com Jésus Rocha, letrista que há 4 ou 5 anos começou a aparecer o que tem tudo para ser, em breve, integrante do primeiro time de nossos autores. "Como Formiga" (em cuja parceria aparece também o pianista Laércio de Freitas) e é um samba alegre, irônico, enquanto "Só Isto", como nos referimos antes é uma canção densa, quase dramática na sinceridade [autobiográfica] de sua letra. Jésus Rocha, em parceria com seu mano, Fernando, é autor de "Massa Falida", [belíssimo] samba já conhecido de outra gravação, mas aqui interpretado, com muito balanço por [César], que como Paulinho da Viola é um excelente cantor. "Olha, Rachel", é apenas de Jésus, enquanto "Nosso Cordão" tem a parceria de [César] e [Hélio] Matheus. "Não Espere Mais de Mim" e "Até o fim", são outros exemplos da perfeita colaboração [César]-Jésus. Se "Eu, Hein", de César e Paulo [César] Pinheiro, é um samba descompromissado, "O Velho", com letra de Sérgio Bittencourt, é um samba dramático, extraordinariamente sociológico em suas imagens, candidato a lista dos melhores do ano:
O velho/olha a vida que viveu
Os momentos que morreu
E chora/O velho
Traz nos passos mil caminhos
No olhar, nas mãos, espinhos
"Tesoura Cega", em parceria com Walter Queiroz - e que no ano passado foi lançado por Beth Carvalho, em seu segundo lp, é agora regravada por [César] Costa Filho, contribuindo para aumentar ainda mais o nível deste [elepê] excelente.
Quem trocou a alma pela palma
E vendeu a sua calma
Nos mercados da paixão
Quem rasgou a seda da Ternura
Nas barracas da amargura
E do fel se embriagou
Quem derramou toda a tinta do tinteiro
E, não fez um verso inteiro
Que falasse de perdão do amor humano
É como tesoura cega
Não tem mais direito ao pano
Dividindo os arranjos entre Laércio de Freitas, Luiz Eça e Tamba Trio e Guto Graça Mello, cada uma das 12 faixas deste "De Silêncio em Silêncio" exige uma atenção maior, não só pela beleza das músicas e ajustadas interpretações, mas pelas presenças de instrumentistas como Helcio Milito e Chico Batera no ritmo Luizinho Eça e [Laércio] de Freitas no piano (o segundo também no órgão), Luizão no baixo, Hélio Delmiro na guitarra, Bebeto e João Teodoro na flauta, Francisco de Andrade no cavaco, além de seis cellos. No coral, onze vozes afinadissimas, incluindo Roberto Quartin, o moço que produziu entre 1962/65, alguns dos melhores [elepês] de MPB, pela Forma (incluindo "Tempo Feliz", com Baden Powell e Mauricio Einhorn).
"De Silêncio em Silêncio" é um disco de muito som. Do melhor som verde-amarelo, um lp magnifico e que confirma a importância de [César] Costa Filho dentro de nossa emepebe.
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