Cinema & realidade (II): os anos de chumbo de Tenório
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 11 de março de 1987
Caricaturado há 33 anos por Paulo Wanderley no filme "Carnaval em Caxias", no qual o personagem Honório Boamorte (José Lewgoy) era claramente inspirado em sua figura carismática - sempre em elegantes ternos, capa preta escondendo sua metralhadora, a fiel "Lurdinha" -Tenório ressurge agora, numa interpretação perfeita de José Wilker, que ao lado de Marieta Severo (como sua esposa, Valquíria Lomba Cavalcanti), também mereceu premiação de melhor atriz em Gramado pela sua magnífica atuação.
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O filme exclui alguns fatos importantes - como a participação de Tenório, como advogado de defesa do tenente-aviador Jorge Franco Bandeira, acusado de matar Afrânio Arsênio de Lemos, no famoso "Crime do Sacopã" em 6 de abril de 1952. Também a última campanha eleitoral de Tenório - quando disputou o governo do Estado do Rio, em outubro de 1962, na coligação do Partido Social Trabalhista/Partido Trabalhista Nacional, perdendo para Badger da Silveira, por apenas 40 mil votos. Anteriormente, em 1960, insistindo em concorrer ao governo da Guanabara, obtendo 200 mil votos, proporcionou a vitória de Carlos Lacerda, que venceu ao candidato socialista Sérgio Magalhães por apenas 20 mil votos.
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Entretanto, a falta de maiores precisões históricas não reduzem o valor de "O Homem Da Capa Preta", um filme belíssimo, como fotografia marcante de César Charlone, a trilha sonora perfeita de David Tygel (destacando especialmente a participação de Chiquinho do Acordeon), cuidadosa direção de arte de Rita Murtinho.
Um filme emocionante e necessário sobre a realidade brasileira. Um destaque especial: o ator paranaense Telmo Faria, como um corrupto senador udenista, tem uma interpretação marcante. Tão boa que previsto apenas para uma seqüência, acabou ganhando suas outras ajustadas intervenções. Depois deste filme, é de se esperar que Sérgio Rezende realize o prometido filme sobre outra personalidade polêmica: Gregório Fortunato, o anjo-negro do presidente Getúlio Vargas.
Faltam filmes sobre a política brasileira. O documentário "Jango" de Silvio Tendler foi emocionante - assim como já havia acontecido com "Os Anos JK", do mesmo cineasta e, mais recentemente, com "Céu Aberto", de João Batista de Andrade. Entretanto, há muito para ser mostrado sobre os homens & fatos que transformaram o Brasil político nestas últimas décadas.
Vindo de bem sucedidas experiências no documentário ("Até A Última Gota", onde denunciou o vampirismo nos bancos de sangue do Rio de Janeiro), Sérgio Rezende conseguiu fazer uma cinebiografia vibrante, inteligente e marcante sobre um dos mais controvertidos políticos brasileiros, Natalício Tenório Cavalcanti de Albuquerque (Palmeira dos Índios, Alagoas, 27/09/1907).
"O Homem Da Capa Preta" (em reprise até hoje no Cine Ritz; à disposição em vídeo nas locadoras) é um exemplo de cinema feito com competência e qualidade. Não foi sem razão que recebeu 11 prêmios no Festival do Cinema Brasileiro de Gramado, há um ano e, desde a sua estréia nos circuitos comerciais - em setembro último - vem tendo excelentes bilheterias.
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Sem esconder uma justificável simpatia pelo personagem, Rezende desenvolveu um roteiro preciso. Em colaboração com Tairone Feitosa e José Louzeiro, baseado em dois depoimentos familiares escritos por filhas de Tenório, Maria do Carmo ("Tenório, o homem e o mito") e Sandra Cavalcanti Lima ("Meu Pai, Tenório") e mais uma tese acadêmica ("Capa Preta e Lurdinha - Tenório Cavalcanti e o Povo da Baixada", de Israel Beloch), o roteiro é objetivo, enxugado ao máximo e apresenta um grande painel do clima político, da violência e dos interesses que emolduram a carreira de Tenório, desde que viu seu pai ser assassinado, no Interior de Alagoas, até 1964.
Populista, contraditório, anticomunista, udenista, mas ao mesmo tempo com idéias sociais, voltado a uma política proletária, Tenório marcou, pelo menos por 30 anos, a política de uma das mais violentas regiões do Planeta, a baixada fluminense.
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