Dona Maria Nicolas, a alma de Curitiba
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 04 de junho de 1988
Curitiba perde a poeta,
a escritora, a pintora, a professora. Perde mais:
um pouco da sua História,
de seu passado. Não há
quem substitua dona Maria.
Com a morte da professora Maria Nicolas, na madrugada de quinta-feira, desaparece mais do que uma das mais queridas pessoas de nossa cidade. Mestra de várias gerações - a partir de 1916, quando recebeu seu diploma - dona Maria Nicolas foi, antes de tudo, a mais incansável pesquisadora das coisas de nossa cidade. Em cerca de 30 livros, entre poesias, peças de teatro e pequenos ensaios, deixou registrado, sobretudo, as biografias dos homens e mulheres que deram nomes às ruas praças e logradouros públicos de Curitiba ("Alma das Ruas", três volumes), os "Cem Anos de Vida Parlamentar" - cuja primeira edição saiu em 1954, quando era funcionária da Biblioteca da Assembléia Legislativa e cuja reedição só ocorreria, após muita insistência, há seis anos.
Aquela senhora de cabelos brancos, extraordinária energia, apanhando ônibus com sua bolsa repleta de anotações percorrendo não só a cidade mas também o Interior - e mesmo outros Estados - foi realmente uma Historiadora não acadêmica, a quem se deve milhares de biografias de pessoas que, embora perpetuadas em placas nas ruas da cidade, de nada se saberia se não fosse o seu esforço - raramente reconhecido.
Modestíssima, vivendo de seus magros salários de professora aposentada, dona Maria Nicolas procurava pequenos auxílios para fazer frente às despesas de suas pesquisas. Antes de tudo a imagem da ternura e de dedicação, dona Maria Nicolas não deixava que problemas de saúde - cada vez mais agravados com a idade - a imobilizassem. A surdez, reumatismo e tantos outros problemas eram, corajosamente, por ela enfrentados, sempre com projetos de novos livros.
Sua biografia merece muito mais linhas do que um rápido necrológico, redigido sobre a emoção de saber de sua morte (foi sepultada ontem, às 17 horas, no Cemitério Municipal), pois ela própria deixou algumas anotações interessantíssimas - a partir de sua infância. Curitibana da Rua Saldanha Marinho, nascida a 10 de setembro de 1899, era filha de Leão Nicolas - personagem ligada à nossa história teatral, durante muitos anos o responsável pela manutenção do antigo Teatro Guayra. Ali, no velho Guayra, assistindo recitais e peças, a menina Maria se entusiasmaria pela poesia, pelo teatro - tendo escrito muitos textos, alguns ingênuos, outros líricos, que montaria com seus alunos, ao longo de uma carreira que a levaria a muitas cidades do Interior do Paraná nos anos 20 a 40.
Antes de tudo uma garimpeira de informações, de dados, de biografias das pessoas ligadas à nossa história, com seus artigos espalhados por jornais paranaenses, e uma longa vida no magistério - onde, reconhecia, sofria injustiças ("Dizem que a inveja atrasa a vida do invejado. Eu acho que sim, pois apesar de me dedicar ao magistério primário com amor e dedicação, sempre sofri injustiças e má vontade dos colegas"), dona Maria conservou, na sabedoria de seus 88 anos, a simplicidade, a humildade e a ternura de uma vida exemplar.
Pessoas como ela, de uma velha Curitiba, de uma dedicação à cultura, à história, sem vaidades, desaparecem. E, infelizmente, não deixam substitutos. Fica apenas a saudade de quem a conheceu e soube amá-la em sua dimensão de uma das pessoas mais admiráveis e queridas de nossa cidade.
Trabalho é vida:
Viver:
Viver bem é uma
incógnita
que todos desejam
achar
Quem conhece a
infalível receita?
Quem?
(Maria Nicolas)
Passaram-se os anos
como a água que corre
no rio...
As águas não voltam à
nascente
nem as horas
passadas voltarão
jamais.
Aproveite o presente:
renove o amor que morre,
faça sorrir alguém
Lute olhando para o alto
Ânimo forte até o alento
final.
(Maria Nicolas)
Talvez alguém nos julgue retrógrados. Paciência. É verdade que os tempos são outros, porém não custaria nada experimentar o processo usado por uma professora que labutou dos treze aos cincoenta e dois anos, em aulas públicas e particulares.
(Maria Nicolas)
LEGENDA FOTO - Na mesa de trabalho, o santo, as fotos dos parentes, a oração.
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