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Aramis

A loucura de Barbra que merecia o Oscar

Claudia Faith Draper é uma personagem incômoda. Branca, bonita, de família classe média superior, após anos de casamento transforma-se em prostituta e assassina um cliente. Seus pais, Rose (Maureen Sataplleton) e Arthur Kirk (Karl Malden) preferem vê-la internada num sanatório de doentes mentais do que num julgamento. Rebelde, sem papas na língua, desprotegida, por acaso tem um advogado honesto e humano, designado pela Justiça para defendê-la. Aaron Livinsky (Richard Dreyfuss) não aceita a versão de loucura e, mesmo sem a colaboração necessária da ré, consegue levar a questão para um julgamento - em que o juiz Stanley Murdoch (James Whitmore) deve decidir se é realmente louca - e assim incapaz de enfrentar um julgamento, devendo ser recolhida a um internamento psiquiátrico - ou se deve ter um julgamento normal. Partindo deste "plot", Tom Topor construiu, há 4 anos, uma peça de sucesso nos Estados Unidos, com o título de "Nuts". Um texto basicamente dramático para uma sala de tribunal, no qual os diálogos têm a força maior - e que, numa transposição ao cinema corre sempre o risco de perder o impacto original. Barbra Streisand, 46 anos, Oscar de melhor atriz já em seu início de carreira ("Fanny Girl", 68, de William Wyller), viu em "Nuts" uma peça desafio para ser levada ao cinema. Autônoma em seus trabalhos há muito tempo, bem sucedida inclusive na direção ("Yentil", 1983, Oscar de melhor trilha sonora original para Michel Legrand/Marilyn e Alan Bergman), Barbra comprou os direitos da peça, convidou o autor para trabalhar com Daryl Ponicsan e Alvin Sargent no roteiro e, sabendo que um filme como este exigiria uma direção segura, procurou um dos homens mais competentes vindos da televisão dos anos 50: Martin Ritt. Aos 68 anos, filmografia das mais respeitáveis que se inicia com um dos clássicos do humanismo cinematográfico ("Um Homem Tem 3 Metros de Altura", 56 - quando será que alguma rede de televisão vai se lembrar de apresentá-lo ou uma distribuidora lançá-lo em vídeo?), Ritt tem se mostrado sempre um competente mestre na adaptação de textos literários (Faulkner: "O Mercador de Almas", "A Fúria do Destino"); Hemingway: "As Aventuras de Um Jovem"; Larry Mc Murtry: "Hud, O Indomado", para só citar alguns exemplos), de forma que a segurança em dar o timing, o equilíbrio exato das longas seqüências de diálogos cortantes, brutais muitas vezes, numa sala de tribunal, não cairiam no vazio. O resultado é excelente: "Querem Me Enlouquecer" - título que a Warner deu a "Nuts" no Brasil resulta mais do que um filme-jurídico - gênero com tantas centenas de obras que vão da maior chatice e grande importância - mas consegue ter uma leitura nova e fascinante. E o filme é, independente do excelente elenco de apoio, com veteranos da maior competência, uma obra não para simplesmente o estrelismo de Barbra (pois há muito tem luz própria e dispensa jogadas promocionais), mas, sim, confirmando-a como uma das mais importantes atrizes contemporâneas. Entre as muitas injustiças do Oscar-88, esteve mais esta: a exclusão de Barbra como candidata a levar mais um troféu dourado para a sua mansão, pois se estivesse no páreo, por certo a vitória de Cher (por "Feitiço da Lua") não teria sido fácil. Desbocada, dizendo as frases mais "fortes" - quando no tribunal descreve seus preços como prostituta de luxo - Barbra é um furacão, um vibração em cena, conduzindo em si, este filme digno, correto e emocionante. De quebra, além de tê-lo produzido, Barbra criou a trilha sonora, exclusivamente instrumental - com temas emotivos e que nos faz aguardar, ansiosamente, que a CBS (ou a SBK) a coloquem nas lojas, como está prometido. Vale a pena enfrentar o frio e assistir "Querem me Enlouquecer"!
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
08/06/1988

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