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Aramis

Mbá, trinta anos na guarda dos arquivos

Talvez não entre no Guinness Book of Records mas é, sem dúvida, um item que raríssimos servidores públicos poderiam incluir em seu curriculum: 30 anos ininterruptos de chefia de um Departamento público. Pois é! Sem festas ou comemorações, Mbá de Ferrante, 59 anos, já passou desta efeméride: no dia 24 de abril último fez três décadas que o governador Guataçara Borba Carneiro - que substituiu a Moyses Lupion, na época candidato ao Senado - assinou o decreto nº 2.048, designando-o para a direção do Departamento do Arquivo Público, então subordinado a Secretaria do Interior e Justiça, ocupada pelo médico e político Alô Guimarães. Trinta anos depois, Guataçara e Alô já falecidos, Mbá de Ferrante, vendendo saúde e otimismo, continua no cargo. Sem que ninguém, neste longo período, o tivesse contestado em suas funções. xxx De Mbá, pode se dizer que viveu toda sua vida funcional dentro da memória burocrática do Estado. Nas vésperas do Natal de 1938 - exatamente no dia 12 de dezembro daquele ano tenso, que antecipava o início da II Guerra Mundial, Mbá era aprovado, em concurso público, como 3º oficial de arquivo. Quem dirigia o Arquivo Público era Martinho Diogo Teixeira, que, aliás, 18 anos depois, passaria o cargo para Mbá. Uma das primeiras repartições criadas pelo baiano Zacarias de Goes e Vasconcelos ao assumir o Governo do Paraná, o Arquivo Público nasceu pelo decreto-lei 33, de 7 de abril de 1855, com várias funções, entre as quais a de guardar e preservar toda a documentação do Estado. E o Arquivo tem feito isto. Ao longo de 131 anos andou por diferentes sedes até ganhar, em 28 de outubro de 1978 - justamente quando o hoje governador João Elísio ocupava a Secretaria da Administração, a sua sede de 1.400 metros quadrados no Juvevê. São milhões de documentos - mais de 180 milhões calcula Mbá - que se amontoaram ao longo de 126 anos - já que, os documentos dos últimos cinco anos não foram ainda para a sua guarda, conforme reza a lei. Deste total, apenas 18 milhões foram microfilmados, num critério de seleção que deu prioridade aos documentos históricos e, especialmente aos que dizem respeito as terras, no período de 1869/1900. Mas apesar de microfilmados, a maioria dos documentos foram também preservados no original, e assim não foi ganho o espaço necessário - tanto é que entre as metas que Mbá havia traçado para 1986 estava a de construir um anexo de mil metros quadrados para ampliar a capacidade do Arquivo, bem como promover concurso e cursos para formação de arquivistas. Por incrível que pareça, os únicos dois arquivistas do Estado, de acordo com a lei, são ele e o sr. Gersino Pinheiro, 61 anos, aposentado há 5 mas que continua trabalhando. No total, o departamento tem apenas 12 funcionários e 15 estagiários. Não dispõe de condução e seu orçamento é um dos menores do Estado - dentro da Secretaria da Administração, a qual está subordinado desde a última reforma administrativa do Estado. xxx Apesar de sua modéstia, Mbá reconhece que nestes 30 anos de direção pode "fazer alguma coisa". De um imenso depósito de milhares de toneladas de processos e documentos que se empilhavam ao correr dos anos, conseguiu dar uma razoável classificação que torna possível a localização de processos administrativos e funcionais e quem já teve alguma ligação com o Estado. Com exceção dos funcionários ativos - que constam do arquivo da Diretoria de Recursos Humanos, também subordinada a Secretaria da Administração - a vida funcional dos que trabalharam para o Estado deve estar nas amarelecidas folhas preservadas do DAME. Entretanto, há falhas. Durante anos e anos, nem as Secretarias enviavam os documentos ao Arquivo, nem este - por falta de condições - exigia a entrega do material. Aliás, em muitas administrações, documentação que poderia comprometer os eventuais donos do Poder foi escamoteada de preservação - e isto seria assunto para muitas investigações que um Sherlock das traças mergulharia com suas lupas & luvas por muitas décadas. Enfim, deixa pra lá... xxx Filho de um pioneiro do teatro paranaense, o dramaturgo, ator e diretor Salvador de Ferrante (22/12/1892 - 24/8/1935), Mbá foi jornalista por trinta anos da "Gazeta do Povo" (1940/1970) e, entre 1946/56 também trabalhou na rádio Marumby, fundada por Tobias de Macedo Júnior e Arno Feliciano de Castilho. Ali, fez locução esportiva, produção, foi discotecário - enfim passou por todos os setores, enquanto sua irmã, a professora e poeta Ceres de Ferrante, integrava a equipe de redatores. Advogado da primeira turma da Faculdade de Direito de Curitiba (1956), presidente do Clube Curitibano entre 1958/62, Mbá é um apaixonado por documentos históricos e há dez anos seleciona e publica o material mais interessante, fazendo do "Boletim do Arquivo Público" uma revista que, em seus 19 números, ganhou notoriedade e integra bibliotecas especializadas em vários países. Ainda agora, prepara a próxima edição - a circular em janeiro de 1987, além de um número extra, com o curioso inventário de Baltazar Carrasco dos Reis. xxx Curitibano que aprendeu a mineirice da convivência política, Mbá tem sido reconduzido a direção do Departamento do Arquivo Público por todos os (muitos) ocupantes das Secretarias do Interior e Justiça e Administração, as quais o órgão subordinou-se, respectivamente. Talvez pelo fato de ser um dos cinco órgãos do terceiro escalão administrativo com a mais reduzida gratificação - AS-5 (que oferece apenas Cz$ 4,760,00) - a exemplo da Biblioteca Pública, Departamento de Estatística, Departamento de Transporte Oficial e Colégio Estadual do Paraná - nunca houve maior disputa pela função, que além de tudo requer dedicação e amor ao passado. Quando José Richa assumiu o governo, na ânsia de ocupação de todos os cargos possíveis, apareceu até um possível peemedebista que se apresentou a Mbá como seu substituto. Elegantemente, como é de seu feitio, Mbá já lhe passava o cargo e limpava as gavetas de sua escrivaninha, quando o cidadão indagou o valor da gratificação. Pálido, o moço pediu licença e horas depois, o secretário Olímpio Paula Xavier - hoje na chefia da Casa Civil, na época na Administração - telefonava, em nome do governador Richa, pedindo para que Mbá continuasse no cargo. O candidato ao cargo, indicado pelo PMDB, desistiu ao saber que a remuneração era quase simbólica. LEGENDA FOTO - Mbá: 30 anos de arquivo.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
13
02/12/1986
MBA DE FERRANTES E O ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ 13/11/2008 publicado também em: http://cesartechio.blogspot.com Cesar Techio Economista – Advogado cesartechio@yahoo.com Foi no início da década de 80, em Curitiba, que conheci Mba de Ferrantes, então diretor do Departamento Estadual de Arquivo e Microfilmagem do Paraná, o Arquivo Público do Paraná, o qual, certa feita, presenteou-me com um exemplar do Boletim do Arquivo do Paraná, ano VIII, n° 11, de 1982, em cujas páginas consignou um artigo de sua autoria, intitulado “Data Vênia”. No mesmo tecia considerações a respeito de um requerimento do então deputado Fidelcino Tolentino (depois Prefeito de Cascavel), à Mesa da Assembléia Legislativa, “... solicitando as segundas vias de documentos da receita dos anos de 1949 a 1960, que se encontram na DRR de Cascavel, para que sejam tombadas pelo patrimônio histórico e entregues aos cuidados do Município de Cascavel...” Meu culto Diretor chamou a atenção para a “relevante” proposição e interesse por documentos que, “públicos ou privados, são efetivamente a fonte informativa primária sobre o desenvolvimento econômico e social e constituem, por essa razão mesma, uma parte incomensurável do patrimônio cultural de um povo”. Lembrou, ainda, que “os documentos públicos são propriedades do povo e por delegação do povo são administrados pelo Governo” nos Arquivos que são “as instituições especificamente previstas para sua guarda, conservação, organização e serviço eficaz e econômico.” Em defesa dessa guarda, o inesquecível Diretor, por quase três décadas a frente daquela instituição, lembrou que os documentos “não podem, jamais, ser retirados da custódia dos Arquivos que cumprem em conseqüência, missão indispensável em toda a sociedade, e nenhuma instituição pode substituí-los nessa missão”. Concordando com o pleito do Deputado, entendeu indispensável diligência para saber se, a par do Museu de Cascavel existia também um “Arquivo de Cascavel”, instituições as quais, “com a Biblioteca de Cascavel, deverão formar a trilogia em que se assentará, indispensavelmente com a Universidade, a estrutura primordial do movimento cultural da próspera e vigorosa comuna interiorana” Relendo o documento, em cujo único exemplar o magnífico Dr. Mba de Ferrantes lançou sob a impressão de sua assinatura, nova assinatura original com belíssima caneta presenteada por algum amigo ou parente, assaltou-me grande saudade daquele ilustre paranaense, e a consciência de que aqui, nesta comuna de Concórdia, muito precariamente possuímos, um tímido museu que se esfacela esquecido em algum canto da cidade, e uma biblioteca que estudantes sequer sabem onde fica. Se me fora permitido colaborar nesse segmento com as autoridades do meu município, é certo que lhes aconselharia, com a urgência que o caso requer, a construção de um prédio adequado para a instalação do Arquivo de Concórdia. E, em anexo o Museu de Concórdia e a Biblioteca Pública Municipal. Três atividades distintas, sendo que o Arquivo, digo pela experiência privilegiada sob a tutela daquele diretor e do saudoso Chefe da Divisão de Guarda de Documentos, Gersino Pinheiro, haveria de contar com especialistas a par de apropriada sistemática para resgatar e guardar documentos públicos, fonte primária de nossa memória e, no dizer de Mba de Ferrantes, “parte incomensurável do patrimônio cultural de nosso povo”. Era 28 de dezembro de 1981...

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