A música do Carnaval (I) - Nem os sambas-de-enredo se encontram na cidade
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 09 de fevereiro de 1988
Surpresa não é! Afinal há mais de 20 anos que já se fala na morte da música carnavalesca. Portanto seria chover no molhado repetir choramingas em torno do desaparecimento das marchas e sambas que, por mais de 60 anos marcavam clássicos da época de Momo - traduzindo fatos & gente famosa do cotidiano, deixando clássicos que até hoje são cantados e lembrados.
Entretanto, neste ano o Carnaval chegou mesmo, definitivamente, ao seu ponto zero em termos musicais: afora os sambas de enredo das escolas do 1º e 2º grupo do Rio de Janeiro, que ganharam dois álbuns lançados pela RCA - e as escolas de samba de São Paulo (1º grupo), com as músicas gravadas em elepê Continental, praticamente nada mais foi lançado - ao menos que tenha chegado em Curitiba.
Até as inconseqüentes e oportunistas marchinhas registradas por animadores de programas de televisão - como Silvio Santos, Gugu Liberato e Chacrinha, capazes ainda de terem ressonância em suas brincadeiras carnavalescas, sequer foram distribuídas às emissoras - que aliás, nem fazem questão, pois seus programadores não têm a menor preocupação de divulgar as músicas de Carnaval. Dos sambas de enredo das escolas de samba de Curitiba, nem pensar! Nunca, qualquer um deles, conseguiu ser registrado em disco e este ano, mesmo em fita cassete, para divulgação nas emissoras ou nos carros-de-som da prefeitura, foram feitas gravações. Embora Júlio César Souza, 39 anos, 35 carnavais ("quando tinha 4 anos já saía para desfilar", diz, com orgulho), executivo da comissão organizadora do Carnaval Curitibano - 88, garante que todas as onze escolas vão apresentar sambas-de-enredo próprios, na verdade em muitas delas, nem sequer os seus integrantes ainda aprenderam as letras dos mesmos.
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O Carnaval industrializou-se, os sambas-de-enredo das grandes escolas cariocas ganharam outra dimensão comercial (ao ponto de até mortes de autores ocorrerem nos concursos para as escolhas dos mesmos) e os editores de música encaminham as representações estaduais do ECAD, poucos exemplares dos "álbuns" com as músicas - pouco procuradas também pelos responsáveis das orquestras e grupos musicais que estarão animando os bailes já a partir de amanhã em alguns clubes mais apressados em faturar a festa. Também, os músicos mais organizados nem precisam de recorrer a novas edições dos álbuns: 99% das músicas são conhecidíssimas e o restante é de sucesso dos últimos meses. Música, propriamente, para o Carnaval, inexiste em termos de interesse, apesar das marchinhas em torno da camisinha que Chacrinha gravou ou do "Fio Dental" (Monique) de Gugu Liberato.
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O interesse pelos discos de sambas-de-enredo também é mínimo. Se no Rio de Janeiro, a presença de milhares de turistas garante, em si, que o álbum duplo com as gravações dos sambas das Escolas do primeiro grupo (álbum duplo), o segundo grupo (disco simples) vendam milhares de cópias, em Curitiba o interesse é mínimo. Virgílio Savarim, 30 anos, 15 de fonografia, dono de duas lojas na cidade, se recusa sequer a ter estas gravações em suas lojas.
- "Não interessa a meu público. Vendo apenas músicas estrangeiras para jovens, jazz e clássicos" - diz, orgulhoso da prosperidade de suas lojas.
Apaixonado por MPB, tendo criado inclusive um selo para reeditar o melhor dos anos de ouro ("Revivendo", cinco discos recém lançados), Leon Barg, 57 anos, dono da Loja Sartori, aceitou apenas vender o álbum duplo das escolas do primeiro grupo. Para o vendedor da Continental, que foi oferecer o elepê com os sambas-de-enredo das escolas paulistas, o argumento de Barg foi definitivo:
- "Não adianta insistir. O público não quer. Nem em São Paulo este disco vende".
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