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Aramis

O ESTRANHO MUNDO DE ZÉ DO CAI`XÃO (UM EXORCISTA À MODA TUPINIQUIM

Pioneiro em nosso cinema de um gênero de grande aceitação popular o terror - José Mojica Marins, 44 anos, um paulista filho do toureiro espanhol, é uma figura folclórica do cinema brasileiro. Seus filmes primitivos e mal acabados tem sido vistos com interesse por críticos como : Salvyan Cavalcanti de Payva e o espanhol Luís Gasca - e, em maio/74, no III Festival do Cinema Fantástico, em Paris, ganhou o troféu "Originalidade". Autodidata, lendo apenas revistas de histórias em quadrinhos, com mil estórias de terror na cabeça, o criador de Zé do Caixão fez agora o seu primeiro filme com amplos recursos de produção: "Exorcismo negro". Um terror tupiniquim, subdesenvolvido e marginal, em que a autenticidade equilibra-se com um comercialismo, justificado pelo próprio autor: afinal, quer fazer novas fitas e para isto é preciso dinheiro. Muito dinheiro. Sem a capa e a cartola, no calor do meio-dia, tomando uma batida de coco no bar do Passeio Público, só as longuíssimas unhas o fazem ser reconhecido por algumas pessoas. No mais, com sua barba preta bem cuidada, camisa florida e calça marrom, é uma pessoa comum fazendo seu aperitivo ao lado de dois amigos. Uma voz tranqüila, segura, em que substitui algumas vezes os "s" por "r" o cineasta, ator, e escritor José Mojica Marins, 44 anos, fala de sua criação, que tornou um nome nacional dentro do folclore do cinema nacional: - Em 1962 eu estava pronto a rodar um filme sobre jovens, drogas & rock que iria se chamar "Delírio da Carne". Era a época da juventude transviada e o assunto funcionaria. Uma tarde, estava cansado e acabei dormindo sobre a máquina de escrever. Tive então um pesadelo: um homem de capa e cartola, longas unhas, me arrastava para um túmulo onde estava cansado e acabei dormindo sobre a máquina de escrever. Tive então um pesadelo: um homem de capa e cartola, longas unhas, me arrastava para um túmulo onde estava o meu nome a data em que seria ali sepultado: não queria olhar e gritava, tentando correr. Quando acordei, decidi: não iria mais fazer um filme sobre jovens & rock, mas sim sobre o personagem que acabara de ver no pesadelo. Os produtores entretanto não concordaram com a idéia. Não acreditavam na possibilidade de fazer um filme de terror. Assim, José Molica Marins decidiu ele próprio arcar com os riscos da produção: vendeu sua casa e o automóvel que pertencia ao seu pai, procurou em vão um ator disposto a fazer o personagem que imaginara, mas às vésperas do inicio do filme ainda não havia conseguido. Decidiu então ele mesmo interpretar o terrível homem do mal: achou num velho baú uma ensebada cartola, apanhou uma capa que havia sido usada num baile de Carnaval e como estava de barba crescida, decidiu que apareceria assim mesmo. Nascia então o Zé do Caixão. xxx Foram dois anos de sacrifícios, dividas e brigas para concluir "À Meia Noite Levarei a Sua Alma", primeira aventura de Zé do Caixão. José Mojica Marins passou fome, enfrentou credores e só mesmo quando vendeu tudo, tudo mesmo que possuía, conseguiu terminar de rodar o filme. - E só consegui fazer a última seqüência, num cemitério, na base do revólver: a equipe não queria trabalhar, eu não tinha mais dinheiro e, desesperado, ameacei matar todo mundo. E a seqüência foi então rodada. Assim que terminou "À Meia Noite Levarei a Sua Alma", José Mojica veio pela primeira vez a Curitiba: Nelson Teixeira Mendes, double de industria e produtor aqui tentava realizar um bang-bang "O Diabo de Vila Velha", e após dois diretores desistirem da tarefa, apelou para ele. Mojica veio e conseguiu terminar o filme. Nesta ocasião sua esposa teve que ser internada, e, necessitando dinheiro, vendeu os direitos de exploração da "Meia Noite" a um distribuidor. Uma semana depois soube que a fita havia "estourado" na bilheteria: Zé do Caixão entusiasmava o público e começava o público e começava a fazer milhões de cruzeiros. Enquanto ele, o criador, continuava na mais extrema penúria. xxx Filho de um toureiro nascido em Barcelona - Antônio André Marins (1910-1970), que foi obrigado a deixar as improvisadas arenas montadas no interior do Brasil, onde trabalhava, quando a Sociedade de Proteção aos Animais conseguiu a proibição de touradas com sacrifício dos animais - José Mojica pensava em seguir a carreira de seu pai pegando boi à unha. Mas teve que mudar de planos: seu pai foi ganhar a vida gerenciando o cine Santo Estevão, na Vila Anastácia, na Lapa de São Paulo e, ali assistindo na cabina do operador aos filmes proibidos, nascia o futuro cineasta. - Eu vibrava com filmes de terror. Jamais vou esquecer as expressões de horror de Boris Karloff em "A Torre de Londres". Aos 7 anos, seu pai lhe deu uma câmara de 8 mm - na época não havia super 8 - e ele começou a fazer as primeiras filmagens. Já então era um fã de filmes de terror - "o musical, os dramas de amor nunca me atraíram" - e pouco tempo depois, junto com amigos, fazia as primeiras experiência. Mais tarde, era congregado mariano na Igreja de Santo Estevão e começou a fazer as primeiras filmagens. Já então era um fã de filmes de terror - "o musical, os dramas de amor nunca me atraíram" - pouco tempo depois, junto com amigos, fazia as primeiras experiências. Mais tarde, era congregado mariano na Igreja de Santo Estevão e começou a montar algumas peças. A sua carreira de encenador terminou quando o vigário foi assistir ao espetáculo: quase desmaiou diante da violência e o horror que o garoto de 11 anos imaginava para o paroquial espetáculo. Conseguindo trocar a velha câmara de 8 mm por uma Paillard- 16mm, José Mojica fazia o seu primeiro filme de enredo: "As Almas Perdidas na Ilha de Satanás", iniciado em 1949 e só concluído em 1951. Para recuperar o dinheiro investido, bolou um original sistema de distribuição fita: alugava para cinemas em 16 mm, de bairros e, junto com os atores, ficava atrás da tela, lendo os diálogos. Era uma forma de fazer o seu mudo filme adquirir uma viva trilha sonora. Depois vieram "Feitiçaria", "Sombra Cadavérica" e mais 14 outros filmes em 16 mm, onde José Mojica Marins já dava vazão à sua criatividade de horror. xxx José Mojica Marins não acredita em fantasmas. Mas já acreditou. Mais do que isto. Durante seis anos era um covarde absoluto, temendo o outro mundo. Ele é quem conta: - Quando tinha 12 anos, numa noite estrelada, eu e um amigo passeávamos de motocicleta defronte ao cemitério da Goiabeira, na Lapa, quando o veículo pifou. Paramos para consertar, quando eu olhando para cima vi umas estranhas formas flutuando sobre o cemitério. Meu amigo também viu e não bastou um segundo para, empurrando a motocicleta, corrermos até nossas casas. A partir daquela noite não conseguia mais dormir de luz apagada, não saía sozinho à noite e estava chegando à beira da loucura. Ao completar 18 anos, disposto a casar e sem conseguir livrar-me da horrível visão, encorajei-me a um tratamento de choque: numa noite de sexta-feira, sozinho, pulei o muro do cemitério da Consolação e comecei a caminhar para a Cruz das Almas. Era verão e a noite estava estrelada. Quando olhei para o alto, tornei a ver as estranhas figuras. Apesar de todo o terror, continuei, cheguei próximo ao túmulo de onde saiam as figuras e por eles passei, sem que nada me acontecesse. No dia seguinte comecei a procurar uma explicação cientifica para o fato. Falei com religiosos, cientistas e amigos. Mas só num livro, na biblioteca municipal, que descobri algo sobre fogo-fátuo. E achei uma explicação que me satisfazia. A partir desta data José Mojica Marins passou a crer apenas no poder do pensamento. Isto sim, acredita demais. - Já vi um médium fazer um grão de feijão brotar na mesa. E muitas outras coisas. xxx Depois de suas experiências em 16 mm, José Mojica tentou o primeiro filme em 35 mm: "Sentença de Deus". Uma historia misteriosa, que nunca conseguiu terminar: atores e técnicos morreram durante as filmagens, o produtor faliu. Tentou levar para a televisão: o produtor do programa também morreu. Uma amiga, Aldenera de Sá Porto, romanceou a história, depois publicada em livro. Mais tarde, Zé conseguiu fazer seu primeiro filme completo em 35 mm: "Sina de Aventureiro", um bang-bang rodado no Interior de São Paulo, que até hoje é exibido com sucesso. A Igreja condenou o filme e, impressionado com as cotações que a Central Católica de Cinema fazia para os filmes, na época, decidiu produzir um filme espiritualista, de fundo religioso: "Meu Destino em Tuas Mãos". Estrelado por um menino-cantor, Franquito - uma espécie de Pablito Calvo brasileiro, com músicas do curitibano Inamir Custódio Pinto (hoje professor de folclore no Colégio Estadual do Paraná), o filme foi um fragoroso fracasso. - Vi que não adiantava tentar outro gênero. E assim voltei ao terror. xxx Independente de trabalhos de ator e mesmo diretor para outros produtores, José Mojica Marins classifica como sua obra básica os filmes de Zé do Caixão: "A Meia Noite Levarei a Sua Alma" ( 1962/64), "Esta Noite Encarnarei em Teu Cadáver"(66/67), o episódio "Pesadelo Macabro" de "Trilogia do Terror" (1969), "O Estranho Mundo de Zé do Caixão" (1969) o inédito "Ritual dos Sádicos" (1969-70), há quatro anos presos na Censura. Em 1971, criou um novo personagem: "Finis Hominis", um misto de indiano-bruxo, que voltaria em "Quando os Deuses Adormecem", fita que renega, por ter sido cortada em mais de 40 minutos, e lançada por Nelson Teixeira Mendes, sem a sua autorização: - Ninguém poderia entender este filme. De forma alguma, estavam faltando as cenas principais. xxx No auge da sua fama - os filmes de Zé do Caixão rendendo bastante um programa de televisão de bom Ibope e editando uma revista de historias em quadrinhos na linha do "Terror Negro", José Mojica Marins teve sérios problemas com a Censura: proibição total. Assim, voltou-se à direção de outros gêneros, fazendo para Nelson Mendes filmes de aventura ("Sangue e E Sexo na Ilha do Tesouro") 72; "Djangão", bang-bang com algumas seqüências rodadas no Paraná na fazenda do ex-exibidor Homero Oliva, (73); e "A Virgem e o Machão" (74), que assinou como J. Avellar, "para evitar problemas maiores". No ano passado, finalmente, José Mojica Marins decidiu vencer o terror que tem por viagens aéreas e aceitar o convite para participar do III Festival do Cinema Fantástico, em Paris. Foi, visto e venceu. - Isto é, os franceses entenderam o meu recado: concorrendo com 32 filmes bem produzidos, meus modestos "À Meia Noite Levarei a Tua Alma" e "Esta Noite Encarnarei em Teu Cadáver" acabaram obtendo os Troféus de Originalidade e de "Terceiro Mundo", além de terem despertado a atenção de críticos como o espanhol Luís Gasca, de San Sebastian, e outros editores da revista "midi-Minuit/Fantastique", promotora do encontro. Não sabe se pelo prêmio obtido na França - onde ficou 30 dias, "procurando saber das coisas" - ou pela onda em torno de "O Exorcista", José Mojica Marins acabou tendo, finalmente, chance de fazer um filme com amplos recursos de produção: "Exorcismo Negro" (Cine Avenida, 5 sessões diárias). - Nunca antes tinha tido tais condições de trabalho: a Cinedistri, através do produtor Anibal Massaini Neto, permitiu-me reunir um bom elenco, equipamento moderno e apesar de um relativo cerceamento de minhas idéias, o resultado foi bom. Lançado em São Paulo, há 4 semanas, "Exorcismo Negro" já rendeu mais de Cr$ 400 mil. Em Curitiba, em pré-estreia num sábado, Cine Ópera, provocou desmaios e histeria em alguns espectadores. José Mojica não gosta de falar de "O Exorcista", mas reconhece que, industrialmente, é um filme bem acabado. E agora, o que vai fazer? - Vou continuar "Exorcismo Negro": Zé do Caixão não morre. Se incorpora no corpo de Betinha (a menina Merisol, uma excelente revelação) e ressurgirá na próxima história: "A Morte - O que há depois?". José Mojica espera começar a rodar em breve esta historia. - Afinal, o público quer o terror e não sou eu que irei lhe negar. LEGENDA FOTO 1 - Zé do Caixão. LEGENDA FOTO 2 - Atores expressivos, como Jofre Soares, aparecem em "Exorcismo Negro". LEGENDA FOTO 3 - Wanda Kosmos, notável atriz de teatro, é Malvina.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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10/01/1975

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