O velho e o novo
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 08 de março de 1988
O advogado Carlos Frederico Marés de Souza Filho, secretário municipal de cultura - função que acumula com a de presidente da Fundação Cultural de Curitiba (uma vez que esta instituição continua a existir), nos enviou uma carta de três laudas a propósito dos comentários e informações aqui publicados na edição de 3 de março, em relação ao esvaziamento do Museu Guido Viaro.
Uma carta redigida em termos pessoais, no qual a elegância e a educação vem também com toques de ironia e queixas, procurando mais do que justificar as iniciativas que estão fazendo com que o MGV se esvzie, enaltecer a filosofia que adotou desde 1983, quando por indicação do então deputado Roberto Requião, assumiu a presidência da Fundação Cultural de Curitiba, nomeado pelo então prefeito Maurício Fruet.
Ao mesmo tempo que o secretário Marés de Souza nos enviava sua carta, recebíamos também dezenas de telefonemas, cartas e manifestações pessoais de artistas, alunos do atelier livre do Museu Guido Viaro e mesmo de funcionários da FCC - (que, obviamente, não poderiam serem identificados sob pena de sofrerem perseguições) - cumprimentando-nos pela publicação dos fatos e, inclusive fornecendo novos elementos que mostram como a política cultural desenvolvida por Marés de Souza e seus dois colegas de diretoria - o ex-frei dominicano Paulo Cesar Botas e a arquiteta Jussara Valentim, vem encontrando oposição em segmentos expressivos da vida curitibana.
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Em sua carta, Marés de Souza queixa-se de incompreensão e fala de sua tristeza de ver "que a crítica ainda se faz ao trabalho de cultura desenvolvido pela Fundação Cultural de Curitiba nas administrações Maurício Fruet e Roberto Requião não consegue ir à essência, não discute idéias, não se contrapõe propostas, neste sentido continua provinciana, medíocre e conservadora - e conservadora, aqui, na pior acepção que a palavra tem, a de não admitir qualquer passo à frente. E isso é ruim para Curitiba".
O Secretário da Cultura do município, ex-líder estudantil, ex-presidente do Diretório Central dos Estudantes e que viveu anos no exílio é uma pessoa de posições políticas firmes, embora em sua visão radical não possa pretender ser dono da verdade. Se temos, no direito de discordar, levantando aqui fatos graves em relação a administração da FCC, em outras ocasiões também fizemos colocações sobre a sua coerência pessoal e mesmo em algumas iniciativas - como, ainda recentemente, em torno da implantação das rádios populares (nestas ocasiões, jamais houve qualquer palavra de agradecimento de sua parte e nem esperávamos isto). Colocamo-nos, assim, sem ódio ou qualquer indisposição pessoal em relação ao seu trabalho - mas achamos que é necessário ser lembrados o direito das pessoas que discordam de sua visão materialista de cultura (popular), sempre enfocada com fins políticos, serem ouvidas.
Dentro de um raciocínio coerente com sua formação ideológica, Marés Souza, insiste em falar na mudança das coisas. A certa altura de sua carta, afirma que "a preocupação que me move na direção da Fundação Cultural de Curitiba desde 1983 é da que a cidade ganhe, que se aumentem os espaços culturais desta nossa Curitiba. Minha meta, não é o parâmetro do passado, mas a necessidade do futuro. Exatamente por isso, criamos Centros Culturais como o de Campo Comprido, de Santa Amélia, do Portão e o de Santa Felicidade, por isso inauguramos mais dois cinemas e instalamos rádios populares, por isso fizemos da Camerata um corpo permanente e do Patrimônio Histórico um Departamento Municipal".
Em seu texto, o Secretário Municipal da Cultura deixa, claro, se não um desprezo pelo passado, apenas uma necessidade de futuro - esquecendo-se, porém, de que nada se constrói a custa de esvaziamento daquilo que foi criado para dar a cidade pontos de animação. Portanto, não é de estranhar que em nenhum momento o Sr. Marés de Souza tenha colocado qualquer referência e motivo pela qual o Teatro do Paiol é hoje um espaço adormecido em termos de eventos capazes de atrair público, a razão pela qual praticamente desapareceu o Museu Nacional da Gravura (ver texto nesta mesma página), entre outras unidades que existiam ativamente e que, pouco a pouco vão sendo esvaziadas. Também seu silêncio é total em relação ao futuro do Museu Guido Viaro - no que tange a renovação do contrato de comodato com o herdeiro do acervo (138 peças), ali existentes, advogado Constantino Viaro, com toda razão irritado com a forma com que a unidade cultural vem sendo tratada nos últimos anos. Embora o Secretário Municipal de Cultura diga que "a transferência do Atelier Livre de Pintura para o Solar do Barão visou a ampliar sua capacidade e é um reconhecimento de sua importância e da excelência de orientação de Suzana Lobo", esquece-se da revolta entre os alunos que estão agora sendo impedidos de renovarem suas matriculas, sob a alegação de que já o freqüentam há mais de dois anos. Aliás, ofendidos por esta discriminação, os alunos do atelier - entre os quais alguns artistas em escalada, já com individuais realizadas - solicitaram no início da semana uma audiência com o prefeito Roberto Requião, para expor ao Chefe do Executivo o ponto de vista contrário a visão do Secretário Marés de Souza.
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Marés de Souza também não é modesto em relação ao futuro Museu do Portão, que "está sendo instalado com tal rigor que será o único em Curitiba a ter condições técnicas para controle de temperatura e umidade do ar e será por isso capaz de receber as mais importantes coleções do mundo". Outro esquecimento do secretário Marés: quando o Museu Guido Viaro foi instalado, uma das condições era de que ali também houvesse aparelhos para controle de temperatura e umidade do ar o que há muito deixou de ser observado. Será que as peças do professor Viaro não merecem esta atenção?
Diz ainda sobre o Museu do Portão - cuja inauguração é prevista para o próximo dia 29 de março, depois de quase dois anos de obras: "O seu padrão é internacional. Não me parece que construir um Museu deste porte, com estas condições seja mero populismo. É mais do que isto. É amor ao povo de Curitiba. É vontade de que Curitiba seja cada vez mais uma cidade melhor".
Muito bem. Concordamos. E esperamos que realmente o acervo doado pelo grande, generoso e maravilhoso Poty Lazarotto nosso compadre e amigo há 22 anos, (de cuja amizade Marés também se orgulha), seja tratado como merece. Só que há meses, as 40 caixas contendo obras de arte, livros, esculturas etc., que o grande artista plástico doou ao município, estão, empoeiradas, numa sala do Solar do Barão. Se Poty realmente não fosse a pessoa grandiosa, generosa e amiga que é, há muito já teria reclamado da forma com que a sua doação foi deixada por tanto tempo.
O espaço jornalístico deve servir para informar e portanto não pretendemos que realmente o secretário Marés de Souza, que é um homem astuto politicamente (se assim não fosse não desfrutaria de tanto poder na área municipal) - realize no Portão um novo e grande Museu. E que, principalmente, o Museu Guido Viaro, inaugurado há 13 anos, continue a existir - pois a cidade é suficientemente grande para abrigar todos os seus artistas.
A cidade precisa também, como diz Marés de Souza Filho, de menos ódio. Pois, então, "Curitiba ganhará com isto."
LEGENDA FOTO - Marés: elegância, ironia e queixas.
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