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Aramis

Os médias-metragens na busca do melhor espaço

"A Classe Roceira", documentário que a curitibana Berenice Mendes rodou há dois anos sobre os sem-terras e que recebeu as duas principais premiações - troféus Samburá e Benjamin Abrão - no II Festival de Fortaleza do Cinema Brasileiro, é ainda inédito para o público de Curitiba. Mesmo com a lei que obriga os cinemas das cidades com mais de 200 mil habitantes a programarem nas sessões em que são exibidos filmes estrangeiros a projeção de um curta-metragem nacional, filmes como o de Berenice - aplaudidos e elogiados - continuarão vetados. Isto porque ultrapassando o tempo máximo de 15 minutos, não encontra espaço para ser exibido. Uma questão que há muito preocupa os documentaristas e que voltou a ser discutida em Fortaleza por todos que se empenham na realização de filmes que, pelas suas temáticas e condições de produção, não podem se restringir a 8 a 15 minutos - mas também não chegam a longa-metragem. Por exemplo, dois filmes de outro cineasta paranaense, Frederico Fullgraf - "Expropriado" (sobre os agricultores que foram expulsos de suas terras devido as obras de Itaipu) e "D.D.A. - Dose Diária Aceitável / Veneno Nosso de Cada Dia" (sobre os agrotóxicos), premiados na França, Índia e Japão, estão inéditos, em circuitos comerciais no Brasil. E assim prosseguirão - a não ser que se crie uma linha alternativa de salas. Em Curitiba, uma opção seria o aproveitamento do auditório Paul Garfunkel, da Biblioteca Pública do Paraná - em breve equipado com a cabine de 35mm (que estava ociosa nos porões do Palácio Iguaçu) para apresentar os filmes de valor social que até agora tem modestas projeções em improvisadas salas - sindicatos, associações de bairros, etc. xxx Com a regulamentação da exibição compulsória dos curta-metragens nos circuitos comerciais - teoricamente em vigor a partir de 1º de julho -, abre-se um justo e necessário espaço para que obras refletindo os mais diversos aspectos da realidade brasileira cheguem às telas. Uma comissão estudou por meses a questão, para evitar que produtos medíocres sejam forçados a exibição, afastando e irritando o público - como aconteceu na primeira e precipitada imposição da chamada "Lei do Curta". Agora, trimestralmente, um júri com participação de exibidores, realizadores, críticos, produtores, etc., reúne-se para avaliar os filmes que merecem ser projetados. De princípio, só os que tiverem boa qualidade técnica e a mínima chance de comunicação serão aprovados, pois não é justo que o espectador seja obrigado a engolir experimentações, fantasias e bobagens nascidas das cabeças de candidatos a cineastas. Em compensação, os realizadores talentosos, que têm no curta-metragem uma opção de trabalho (e quase sempre uma espécie de vestibular para chegar ao longa) passam a ter chances de recuperar ao menos parte do investimento feito normalmente, aplicado em nova realização. xxx No encontro Norte/Nordeste das secções regionais da Associação Brasileira de Documentaristas - um dos eventos paralelos ao Festival de Fortaleza, discutiu-se muito em relação aos critérios de financiamento de projetos de curtas e longas. Uma proposta inicial levantada pela Bahia e Pernambuco, no sentido de que se inverta o atual processo de distribuição de 33,3% dos recursos para São Paulo, mais 33,3% para o Rio de Janeiro - e o restante para os realizadores dos 19 outros Estados acabou sendo congelada - embora a insatisfação dos realizadores fora do eixo Rio-São Paulo continue. Homero Carvalho, gaúcho de Bagé mas há 11 anos radicado em Curitiba, assessor da EMBRAFILME para a área de cinema cultural, teve uma conversa franca com os realizadores, expondo os recursos da empresa para financiamento de projetos específicos - como curtas, médias e longas. Para 1987 existiriam Cz$ 60 milhões, aparentemente uma reserva satisfatória mas que, no frigir dos ovos, acaba sendo insuficiente tal o número de projetos existentes. O teto máximo de financiamento aos curtas (em 35mm) e média-metragens (em 16mm) oscila entre Cz$ 1.200.000,00 e Cz$ 1.800.000,00 - o que corresponde a, no máximo, 70% de cada orçamento - havendo necessidade do saldo ser coberto pelo realizador, buscando recursos em outras fontes - públicas ou privadas. Um curta-metragem em 35mm, realizado com bons recursos técnicos, não fica hoje por menos de Cz$ 1.500.000,00. O carioca Fred Centaloniere, 31 anos, que levou a Fortaleza o bem humorado "Churrascaria Brasil", confessa que, há seis meses, quando da produção deste filme, gastou mais de um milhão e meio: - "Vendi meu carro, comprometi meu apartamento, estou endividado". "S.O.S. Brunet", curta de estréia da bela Betse de Paula, com atores profissionais famosos - Carlos Gregório e Antônio Pedro, mais a modelo Luiza Brunet - só pode ter um esquema tranqüilo de produção porque o pai de Betse é o produtor-diretor Zelito Viana, relacionadíssimo na comunidade cinematográfica e que, naturalmente, bancou o projeto. Apesar do cuidado técnico e lado humorístico buscado nestes documentários, os mesmos não conseguiram premiações maiores ("Churrascaria Brasil" saiu com uma menção honrosa "pelo bom trabalho do elenco infantil"). São, entretanto, exemplos de curta-metragens de realizadores estreantes que buscam uma linguagem de fácil comunicação para com o público e que chegando ao circuito comercial por certo agradarão aos espectadores. Outro exemplo de curta-metragem bem resolvido - e também com boas chances de comercialização é "Obscenidades", que o gaúcho Roberto Henkin realizou a partir de um conto de Ignácio de Loyola Brandão. Interpretado pela paulista Imara Reis, este curta tem uma história erótica, bem desenvolvida - e que tal como "Churrascaria Brasil", surpreende o espectador ao final. Não basta, entretanto, aos realizadores dos curta-metragens, a existência de uma resolução que obriga os cinemas a projetarem seus filmes - e garantindo assim ao CONCINE uma receita que possibilita a remuneração dos realizadores deste gênero de filmes. Os curtas necessitam serem divulgados nas programações regulares, com fornecimento de material a respeito (releases, fotos) e, principalmente, existir cópias a disposição. Embora, oficialmente, alegue-se que existam atualmente 182 títulos a disposição, inexistem cópias suficientes para atender a demanda. O cineasta Silvio Da-Rin, realizador do média "A Igreja da Libertação", e um dos líderes na luta pela conquista para os curtas, reconhece: - "A própria Cinema Distribuição Independente, de São Paulo, na qual estão depositados a maioria dos curtas realizados nos últimos anos, não dispunha até o mês passado de cópias suficientes para fornecer sequer aos cinemas de São Paulo. Agora, finalmente, está agilizando para atender a demanda". LEGENDA FOTO - Imara Reis em "Obscenidades", interessante curta-metragem baseado em conto de Ignácio de Loyola.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
14/08/1987

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