Poeta do ar e da terra naqueles anos dourados
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 28 de junho de 1989
Não seria em poucas linhas de uma coluna que se poderia sintetizar a vida e a obra de uma pessoa da dimensão de Paulo Soledade - merecedor há muito de ser tema para uma das próximas edições do projeto Lúcio Rangel (monografias da MPB) que Hermínio Bello de Carvalho promove há 16 anos pela Funarte.
Órfão na infância, criado por um tio que morava em Curitiba, Paulo Soledade mostrou seu lado de poeta e compositor desde a infância. Mas só quando se transferiu para o Rio de Janeiro (1930) é que teria um maior envolvimento artístico. Integrou-se a um grupo de jovens apaixonados por teatro, que ao lado de Ziembinsky (que havia chegado há pouco no Brasil), Starosa, Gustavo Dória e Luísa Barreto Leite, fariam históricas (reexaminadas hoje) encenações.
Aos 18 anos, entrou para a Força Aérea Brasileira e, tal como Saint Exupery, descobriria a poesia nos ares. Em 1942 foi para os EUA fazer um curso de piloto de caça e voltaria como tenente da Força Aérea norte-americana. Sua carreira como oficial não teria continuidade, mas a paixão pelos espaços aéreos o levaria a trabalhar por sete anos na Panair do Brasil - só deixando-a devido aos problemas de saúde.
Nos anos 40, o Clube dos Cafajestes - afetuosa (embora aparentemente pejorativa) designação de um grupo de jovens que fazia mais alegre os Anos Dourados da boemia carioca e ali, ao lado de nomes como Baby Pignatari e mesmo Ibrahim Sued, Paulo Soledade seria um líder natural e autor do hino do clube. Em 1949, se tornou amigo de Fernando Lobo, seu parceiro no "Zum Zum", que homenageava o companheiro comandante Edu (Carlos Eduardo de Oliveira), vítima de um acidente aéreo. A música, gravada por Dalva de Oliveira (1917-1972) seria grande sucesso no carnaval de 1951 (e foi sua primeira composição registrada em disco).
Vítima de tuberculose, Paulo voltou ao Paraná nos anos 50, e por algum tempo teve uma vida pastoril e tranqüila no haras de sua família em Campo do Tenente. Foi ali, quando recuperou-se, que compôs "Estão Voltando as Flores", que se transformaria no maior sucesso na voz de Helena de Lima (hoje, aos 63 anos, imerecidamente esquecida) que a gravou em 1961.
Tendo vivido intensamente a criativa vida musical dos anos 40 e 50, Paulo Soledade, de volta ao Rio, participaria de outra fase gloriosa: a Bossa Nova. Foi numa pequena boate, a "Zum Zum", que montou logo depois de retornar do Paraná, que Aluísio de Oliveira (hoje aos 75 anos), o grande compositor da Bossa Nova, montaria com Silvia Telles (1934-1966), Lennie Dale e Vinícius de Moraes (1913-1982), entre outros, pockets shows antológicos (alguns editados em lp pela Elenco). Vinícius de Moraes, de quem foi um dos maiores amigos, seria seu parceiro em músicas como "São Francisco" (1956) e "Poema dos Olhos da Amada"(1954).
Produtor de visão, seria convocado por Carlos Machado para montar o show "Um Vagabundo Toca em Surdina", com Edu da Gaita (Eduardo Nadruz, 1916-1982) e Grande Otelo - o que o animaria a fazer outros espetáculos musicais, com enredo e continuidade entre os quadros, como em "Coisas e Graças da Bahia", com Dorival Caymmi e Angela Maria, e "Feitiço da Vila", com Silvio Caldas e Elisete Cardoso, naturalmente com músicas de Noel Rosa (1910-1937).
Compositor com vários parceiros, faria com Marino Pinto (1916-1965), outra marcha-rancho antológica - "Estrela do Mar" (1952), lançada por Dalva de Oliveira (antes haviam composto, em 1959, "Calúnia").
Embora afastado dos meios musicais a partir dos anos 70, Soledade não parou de compor e teve a alegria de ver o seu filho, Paulinho, se destacar como instrumentista, arranjador e também compositor.
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Merecedor, há muito tempo, de um álbum-documento, em torno de sua obra, Paulo Soledade é, infelizmente, como tantos grandes talentos maiores, esquecido ainda em vida. Inclusive - e principalmente no Paraná - tão pródiga em desperdiçar milhões de cruzados para bajular gente de fora, mas que esquece seus maiores valores.
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