Restaurantes vazios na hora da economia
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 25 de setembro de 1983
Concorrentes fidagais, muitas vezes em posições antagônicas, os restareteurs da cidade decidiram esquecer as divergências profissionais e se unirem contra o inimigo comum: a crise que fez 95% dos estabelecimentos cairem em até 50% de seu movimento. Alberto Pozzi, um ex-engenheiro e Industrial italiano, que preferiu ao invés das máquinas em multinacionais, a tranquilidade de um sofisticado restaurante o Tratoria, na Rua André de Barros -foi quem teve a iniciativa de convocar os proprietários dos principais restaurantes para um bate papo cordial e franco.
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Durante toda a tarde de quarta-feira, 21, os homens e mulheres que comandam os restaurantes da cidade estiveram reunidos, expondo seus problemas e com raras exceções, chorando pitangas dos dias bicudos que vivemos. Ingeborg Rust, do Humel-Humel - a melhor casa de comida alemã do Estado -foi uma das poucas que não se limitou a lamurias: apesar de toda a recessão, seu estabelecimento continua a ter um dos melhores faturamentos, mas para isto ela trabalha das 4 horas da manhã -quando vai ao CEASA, se abastecer dos gêneros alimentícios - até a madrugada, quando fecha a caixa. Experientes profissionais do ramo, como o respeitado João Jacób Mehl (Confeitaria Iguaçu/lha do Mehl), levantaram questões legais, de problemas que prejudicam todos os donos de restaurantes, bares etc. Embora exista já um sindicato que representa os hoteleiros "e estabelecimentos similares ", presidido pelo sr. Marcos Fatuch, os participantes da reunião decidiram criar urna assossiação de classe, para tratar, mais especificamente dos problemas dos donos de restaurantes e bares de primeira categoria.
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Em todos os restaurantes e bares sente-se um natural esvaziamento. Afinal, almoçar, jantar au bebericar está cada vez mais caro. Seja em estabelecimentos simpáticos e cujos proprietários pracuram limitar os lucros para não explorar os (cada vez mais raros) fregueses, seja em estabelecimentos aparentemente sofisticados e que assumidamente estabelecem preços escorchantes, e dos quais o Letage e a Chamonix são exemplos precisos. Pelo fato de possuírem pistas de dança e atraírem casais embevecidos (ou enamorados) nos embalos dos fins de semana, os preços nestas duas casas atingem a estratosfera - assim como em outras casas noturnas, sem a mesma (aparente) sofisticação, mas também exploradoras (ao máximo) da clientela. Na reunião, a veterana dona Júlia, mulher de mau humor mas que há anos é famosa pelo fondue de sua casa, o Matterhorn, também se queixou amargamente. Mudando-se de antiga casa que o restaurante ocupava no Juvevê para um casarão de aspecto tétrico, na Rua Mateus Leme já apelidado de "O Paláclo de Drácula), dona Júlia enfrenta não só um aluguel 15 vezes maior do que a anterior, como urna debandada mesmo de fregueses fiéis. O Ile de France, que consegue manter a mesma qualidade dos pratos desde os saudosas tempos de monsieur Enille, vem resistindo a crise - embora há muito sua adega de bebidas estrangeiras tenha sido reduzida, pois o produto nacional passou a frequentar as mesas das mais refinados frequentadores.
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Cada dono de restaurante da cidade tem suas lamúrias, queixas e reclamações. Assim como cada um possui também sua visão do mercado e pretensão de conquistar uma fatia de consumidores. Só que neste asfixiante 1983, a situação enegreceu para todos. Se a classe média teve que cortar todos os gastos supérfluos - e com isto, obviamente, os programas gastronômicos forarn osprimeiros a dançar -agora mesmo a reduzida parcela de endinheirados, classe A, começa a medir melhor suas despesas. A Juventude, com mesadas cada vez mais insuficientes, busca pizzarias e choparias, com esquemas econômicos. Um jovern armênio que se encorajou a tentar reerguer o "Bebedouro", no Largo da Ordern, apesar de investir em música ao vivo e publicidade, mostra-se desolado. Queixa-se: "A clientela só bebe coca-cola". Só o fato de Alberto, do Tratoria, ter conseguido reunir em torno de algumas mesas, tradicionais concorrentes, é a prova mais sintomática de que diante do inimigo comum, as divergências comerciais desaparecem. O problema é como enfrentar a crise e fazer a classe média - que sempre foi a que mais representou em termos de consumo - voltar ao hábito de fazer refeições fora de casa. Principalmente, quando até em casa, a comida está cada vez mais difícil de chegar a mesa.
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