Só com os sambas das escolas as novidades deste Carnaval
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 09 de fevereiro de 1991
É chover no molhado, repetir o óbvio ululante (como diria Nelson Rodrigues) e clamar no deserto sonoro a falta de músicas carnavalescas. Afinal, a verdade é uma só: a época em que havia marchinhas e sambas - eventualmente marchas-ranchos - especialmente para o Carnaval vai tão distante quanto o tempo dos lança-perfumes, dos confetes e serpentinas aos quilos, dos programas de rádio-auditório e até das virgens que, diziam os pais preocupados, "tinham que se cuidar para não se perderem no tríduo momesmo". Bons tempos que se foram!
Hoje, a realidade é outra e o escritório local da Ecad se limita a distribuir álbuns com sucessos do passado, intercalados a músicas que, promovidas especialmente pela televisão, caíram no agrado popular.
Nem o último - e maior - de nossos compositores carnavalescos, Braguinha (Carlos Alberto Ferreira Braga, Rio de Janeiro, 29/03/1907), consegue, desde 1987, gravar a habitual marchinha que compõe - ele que criou tantos e tantos sucessos.
Chega de saudade! A época, no máximo, é dos sambas-de-enredo - e das escolas maiores do Rio de Janeiro, que conseguem viabilizar esquemas para catituarem com 120 dias de antecedência seus sambas-de-enredo com dezenas de autores, pois a grana é alta. Mesmo os discos de sambas-de-enredo de outras cidades - incluindo São Paulo, ficam despercebidos e no Rio, a era do vídeo já está ameaçando o filão dos sambas-de-enredo: para os turistas endolarados - que constituem o público maior deste gênero - a opção de uma fita em vídeo - ao redor de Cr$ 10 a Cr$ 15 mil - com imagens das escolas e os novos sambas, é mais atraente do que os elepês. Apesar de tudo, ao menos alguns discos estão na praça, há semanas.
A Barclay/RCA, que desde a vinda do experiente Manolo para sua presidência, trouxe o contrato da antiga Liga das Escolas de Samba (que por anos editava exclusivamente na Tapecar, do mesmo Manolo) sofreu com as divergências entre os sambistas que se dividiram em dois grupos. Assim, enquanto as escolas do chamado Grupo 1 tiveram seus sambas-de-enredo reunidos no elepê da Barclay, as do outro grupo - filiadas da Associação das Escolas de Samba do Rio de Janeiro - saíram em produção independente da Tropical Produções Musicais, com produção executiva de Milton Manhães, e distribuição Polygram. Neste grupo estão as Escolas de Samba Império da Tijuca ("A Terra Prometida: Brasil"), Leão de Nova Iguaçu ("Quem te Viu, Quem TV"), Acadêmicos de Santa Cruz ("O Boca do Inferno"), Unidos de Lucas ("Para a Big Bang-Bang nem todo Amarelo é Ouro e nem todo Vermelho é Sangue"), Arranco do Engenho de Dentro ("Barracão, Pregos, Panos e Paetês"), E. S. Tradição ("De Geração a Geração nas Asas da Tradição"), Unidos da Ponte ("Quando o Rio Ria"), Acadêmicos do Engenho da Rainha ("Meu Padrinho Padre Cícero do Juazeiro do Norte, Olhai pelo Cariri"), Unidos do Cabuçu ("Aconteceu, Virou Manchete"), Unidos do Jacarezinho ("Sou Negro, Sou Raça, Sou Gente"), Paraíso do Tuiuti ("Asa Branca") e Independente de Córdova ("Elas, Eles e Eles Possuidores da Noite").
Embora representem as escolas menores e mais pobres, as agremiações do I Grupo, através dos sambas-de-enredo, mostram muita garra e criatividade. Obviamente, que a grande torcida é pelas escolas do grupo principal - Portela, Mangueira, Padre Miguel, Beija Flor, etc., que tem seus sambas-de-enredo no álbum da BMG/RCA.
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A EMI/Odeon, para não ficar fora do carnaval, encarregou a Jorge Davidson e Nivaldo Duarte da produção de um álbum-documento chamado "Apoteose do Samba Enredo", cuja importância é destacada em didático texto da contracapa por um dos maiores especialistas em Carnaval, o múltiplo Sérgio Cabral. Na seleção deste álbum de grande interesse a quem deseja possuir "The Best" do Carnaval, foram incluídos "O Amanhã" (João Sérgio), que apresentado pela E. S. União da Ilha do Governador foi o maior sucesso em 1978; "Sonhar com Rei dá Leão" (Neguinho da Beija Flor), que em 1976 revelou a Beija Flor como a grande escola e consagrou Joãozinho Trinta, que nos anos de 1975/76 havia auxiliado a vitória do Salgueiro.
"Bum Bum, Paticumbum Prudugundum" (Beto sem Braço / Aloísio Machado), foi o samba que ajudou a Império Serrano a vencer o Carnaval de 1982. "Festa para um Rei Negro" (Zuzuca), que deu a vitória aos Acadêmicos do Salgueiro em 1971, consagraria Zuzuca e ficaria como um clássico carnavalesco, ao ponto de David "Talking Heads" Byrnes o ter incluído na trilha sonora de seu filme "Histórias Reais".
"Ilu-Ayê" (Cabana / Norival Reis) foi o samba-de-enredo da Portela em 1972, cantado com grande emoção durante o desfile pelos portelenses: é que naquela manhã de Carnaval, Natal (Natalino Joel do Nascimento, 1905-1975) havia sofrido um enfarte do miocárdio (mas à noite, desvencilhou-se dos aparelhos da casa de saúde e fugiu para participar do desfile da Portela, que ficou em terceiro lugar).
"Martin Cererê" (Zé Catimba / Gibi), foi o samba-de-enredo da Imperatriz Leopoldinense em 1972 e a primeira música das escolas a servir de tema numa trilha de telenovela ("Bandeira Dois", de Dias Gomes).
"O Tititi do Sapoty" (Darcy do Nascimento / Djalma Branco / Dominguinhos do Estádio) foi um dos grandes sucessos do Carnaval em 1987, levado pela Estácio de Sá.
"O Mundo Encantado de Monteiro Lobato" (Darcy da Mangueira / Batista / Luiz) ajudou, em 1967, a Mangueira a reconquistar o título de campeã. Posteriormente, Eliana Pitmann o gravou.
"A Festa do Divino" (Tatu / Nezinho / Campo) em 1974, marcou o primeiro desfile da Mocidade Independente em que a escola foi bem classificada (quarto lugar) entre as chamadas "grandes".
Finalmente, "Yayá do Cais Dourado" (Martinho da Vila / Rodolfo), revolucionou os sambas-de-enredo, pois a estrutura desta composição a aproximava de um samba-exaltação. Foi apresentada pela Unidos da Vila Isabel em 1969, quando ela ficou em quinto lugar - uma de suas melhores colocações até então.
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