Uma ilha de Cristóvão e as poesias de Elisa
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 17 de agosto de 1986
Numa prova de que nossos escritores estão deixando os limites municipais, pelo menos quatro deles estarão em São Paulo, na próxima semana, autografando seus títulos na Bienal do Livro, no Anhembi.
Editados por casas publicadoras nacionais, deixam, assim, a condição de amadorismo, que tem marcado, até hoje, a nossa produção literária.
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Por exemplo, Domingos Pellegrini Jr., londrinense radicado em São Paulo, hoje o nome mais expressivo do conto no Paraná, vai autografar a 25ª edição de "A Árvore Que Dava Dinheiro", obra para o público adolescente que lançado pela Editora Moderna vem alcançando cada vez maior público, do que é prova suas expressivas tiragens.
Roberto Gomes, idealista escritor e editor que está fazendo de sua Criar uma casa publicadora de expressão nacional, lança quatro novos títulos, com direito às sessões de autógrafos dos autores no stand da Ibrasa (que representa a Criar nacionalmente): o primeiro volume dos "Contos Cubanos do Século XX", o romance "Ensaio da Paixão" de Cristóvão Tezza (dia 23, 20h30min) e os livros infantis "Totó Piruleta", de Dinorah do Vale e "O Lambari Comilão" de João Donha, com sessões de autógrafos nas tardes nos dias 23 e 24.
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Discípulo assumido de Wilson Galvão do Rio Appa - de quem herdou o amor pelo mar e pela natureza - Cristóvão Tezza está publicando seu quarto livro: "Ensaio da Paixão" (251 páginas, capa de Bellenda), cuja ação se passa numa ilha do Sul do Brasil, nos anos 70, onde um profeta solitário vive uma Paixão de Cristo, sem roteiro nem platéia. Para quem conhece e acompanha a trajetória de Rio Appa, que durante anos, da forma mais idealística possível, encenou a Paixão de Cristo, inicialmente em Alexandra e, posteriormente, na Lagoa da Conceição, em Florianópolis, reconhecerá muitos personagens no romance de Crsitóvão Tezza. Também a ilha de sua história não deixa de ter referenciais com a Ilha do Mel, com seus visitantes hippies, artistas e intelectuais.
Bem escrito, com uma técnica que vem aprimorando de livro para livro - "Gran Circo das Américas" (1979), "A cidade inventada" (1980), "O terrorista lírico" (1981), Tezza se aprofunda na ficção, com uma obra que merece, no mínimo, ser conhecida.
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Depois de "Maria de Todo Dia" (1984), Maria Elisa Ferraz Paciornik, advogada, dona-de-casa, mãe de quatro garotos, dá mais uma mostra de seu lado lírico: "Bom mesmo na vida" (Editora Dom Bosco, 22 páginas), com lançamento na Bienal do Livro no dia 24.
Conseguindo equilibrar o romantismo, uma suave sensualidade e linguagem otimista, Maria Elisa já mostrava em "Maria de todo dia" uma poesia de forte comunicação. Agora, escolhida por sua amiga Fanny Abramovich para ser a segunda autora da coleção Via Láctea, destinada ao público adolescente, encontramos uma produção poética mais liberta, simples - buscando aqueles pequenos toques que fazem justamente, a grandiosidade dos poetas maiores (Drummond, Bandeira, Vinícius, Quintana), que aliás, constituem a leitura de cabeceira de Maria Elisa desde seus tempos de infância em Londrina, onde nasceu há trinta e poucos anos.
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Mulher de idéias próprias, com vivência no Exterior e que sempre teve uma feliz existência - filha de família rica, aluna dos melhores colégios - Maria Elisa agradece num de seus versos esta "Benção":
Tenho sido abençoada/de tal forma nesta vida
que até fico constrangida
da preferência descarada
que Deus tem manifestado por mim...
Poesias-reflexão, daquelas que parecem mais anotações do que propostas líricas, Maria Elisa coloca sua individualidade acima de tudo:
Eu me dou o direito/ de gostar de mim
de ser como sou/ fazer o que quero
decidir onde vou
Ou então, em sua "Teimosia":
Penso, logo existo,
Penso de novo,
e acho que desisto.
Repenso, que nada:
insisto...
Buscando naturalmente, um público pré-adolescente - e é importante fazer as crianças aprenderem a gostar de poesia - Maria Elisa não deixa também de ser extremamente ingênua, ao dizer em "Assim não brinco mais":
Você quer parar
ou eu fico de mal
e não brinco mais
Vê se para,
sossega,
e se entrega.
Coragem, sai da defensiva,
Você ainda não notou
que eu sou prá lá de inofensiva?
Mas duas páginas adiante, ela garante:
Olha, amigo,/ não fica de mal
não briga comigo...
São dois trabalhos:
porque nem te ligo,
afinal você é ou não é
meu amigo?
S O S! Estou em perigo/ fique comigo.
Uma poesia simples. Tranqüila. Acolhedora. Feita assim como quem entoa um canto de ninar - e com quatro filhos (Germano, Rui, Pedro e Felipe), ela, naturalmente deve fazer isto bastante - Maria Elisa dá o seu recado a quem interessar possa:
Se você não me vir chorando
ou então gargalhando,
se não me sentir vibrando
nem me ouvir brigando,
sofrendo ou amando,
arrume depressa um caixão,
com certeza eu morri e esqueci de avisar.
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