Welles e holandeses em cult movies de visão obrigatória
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 28 de janeiro de 1988
Cult movie foi uma expressão cunhada pela imprensa cinematográfica, nestes últimos anos, para definir aquele tipo de filme que passa desapercebido em seu lançamento, ignorado pelo público, veneno de bilheteria para o exibidor mas, posteriormente, reaparece como uma obra-prima - que todos os ditos "iniciados" em cinema desejam (re)ver e discutir. Nesta semana, graças a esperteza do bom Chico Alves dos Santos, o homem que conseguiu passar a perna no Aleixo Zonari em termos de programação das reprises dos melhores de 87 (a começar por "Radio Days", de Woody Allen) programou nada menos que três preciosidades em termos de cult movies: "Mapertius", de Harry Kumel (Cine Groff), e "O Ilusionista", de Joe Stelling (Cine Ritz). E no Luz, a reprise de "Arizona, Nunca Mais". Filmes de visão obrigatória e que, por certo, podem entrar na relação dos melhores lançamentos de 1988 ("Malpertius" e "O Ilusionista" são inéditos em Curitiba). Aliás, "O Ilusionista" foi citado em várias listas de críticos do Rio e São Paulo ("O Estado do Paraná", 03/01/88), cidades em que foi exibido no ano passado.
A força de Welles - Três anos após sua morte, Orson Welles (1915-1985), continua a ser um exemplo de nome cult em termos cinematográficos. Deixou vários trabalhos inéditos - como as seqüências de "It's All True", rodado no Brasil no início dos anos 40 (e que remontados por seu colaborador Robert Wilson abriu o FestRio-86) e há mesmo filmes em que, participando como ator, também nunca chegaram as nossas telas. É o caso de "Mapertuis", uma produção misteriosa em que atuou em 1972, mesmo ano em que trabalharia também em dois outros filmes - ambos inéditos igualmente no Brasil: "Sutjeska", de Slipe Delé e "Get to Know Your Rabbit", um dos primeiros filmes dirigidos pelo hoje consagrado Brian de Palma ("Scarface", "Os Intocáveis").
Assim como Henry Jaglom, cineasta intelectualizado que caiu nas boas graças de Welles (que atuou em seu "Refúgio Seguro / A Safe Place", 1971, exibido por cinco dias no antigo Cine Glória), Harry Kummel é um diretor de quem se tem as mínimas referências. Mesmo as mais atualizadas enciclopédias insistem em ignorar o trabalho deste cineasta que, a exemplo do próprio Welles, sempre teve dificuldades em conseguir concluir os seus trabalhos. Em 1971, Kumel realizou um filme intitulado "Daughter of Darkness", que apesar do nome de Delphine Seyrig ("O Ano Passado em Mariembad", de Alain Resnais) no elenco, nunca conseguiu melhor lançamento, permanecendo ignorado mesmo nos Estados Unidos.
Igual destino teve "Malpertius", rodado na Europa, com Orson Welles na cabeça do elenco - ao lado de Susan Hampshire, Michel Bouquet e Mathieu Carriere, mais as participações especiais de Jean-Pierre Cassel, do alemão Walter Rilla, Daniel Pilon e a cantora Sylvie Vartan. Produção de Pierre Levie e Paul Laffargue, distribuída na Europa pela United Artists (nos Estados Unidos, ao que parece, nem chegou a ter lançamento), "Malpertius" teve uma cópia exibida numa das mostras internacionais de cinema que Leon Cakoff promove em São Paulo. Tornou-se, então, um cult movie. Quem teve o privilégio de assisti-lo, passou a falar maravilhas a seu respeito, a tal ponto que uma pequena distribuidora animou-se a legalizar uma cópia e exibi-lo num circuito de cinema de arte. Então, aconteceu um fato contraditório: alguns críticos mais ranzinzas passaram a encontrar falhas neste filme de tema complexo e hermético em sua narrativa. Assim, "Malpertius" tem tido uma carreira menor. Só agora, após mais de dois anos de espera, o astuto Francisco Alves dos Santos conseguiu uma cópia para projetá-lo no Cine Groff. Considerando a importância deste lançamento, esperamos que o "frei" Chico e o seu lugar-tenente, Geraldão, não se apressem em retirá-lo de cartaz - como tem acontecido com outros bons filmes ali programados e que muitas vezes merecem permanecer em exibição. A época em que "Malpertius" está sendo exibida não é conveniente e a promoção em torno está fraquíssima - mas trata-se de um cult movie que merece verificação obrigatória. Se não por outra razão, ao menos pela presença de Orson Welles.
Já no Ritz, chega outro cult movie, que também jamais teria distribuição comercial no Brasil, se não tivesse encontrado ótima repercussão e a premiação do público da VII Mostra Internacional de Cinema, em São Paulo: a produção holandesa "O Ilusionista", dirigido por Joe Stelling - um dos nomes mais conceituados do novo cinema holandês. Sem nenhum diálogo, com uma história de toques fellineanos, este filme é belíssimo, profundo e emotivo e em São Paulo permaneceu meses em cartaz no Cine Gazeta (agora fechado), que pertence a mesma distribuidora (Hawaí) que se encorajou a comercializar este filme tão interessante.
E no Cine Luz - interrompendo a boa carreira que o belíssimo "Conta Comigo" (Stand by Me, 86, de Rob Reiner) vinha fazendo (mais uma vez a eterna pressa de Chico e Geraldo em cortar reprises que vem agradando prejudica os espectadores) - temos outra reprise marcante - igualmente um cult movie: "Arizona, Nunca Mais" (Rising Arizona), de Joel Coehn. Com Nicholas Cage (excelente), Holly Hunter (que vem sendo lembrada como uma das possíveis vencedoras do Oscar-88) e Ben Barenholtz, "Rising Arizona" também foi citado em várias listas dos melhores de 87. Irreverente, criativo, com uma esplêndida trilha sonora - renovadora em sua linguagem, este filme de Joel Cohen merece ser (re)visto. E também espera-se que permaneça ao menos duas semanas em cartaz.
Outras opções - Afora a programação dos cult movies que, inteligentemente, Chico Alves programou nos cinemas da FCC, o melhor fica com a continuidade do excelente "Nascido para Matar" (Full Metal Jacket), de Kubrick - já visto por cerca de 5 mil espectadores no São João e Itália. "O Exterminador do Futuro", de James Cameron, com o halterofilista Arnold Schwarzenegger, continua no Plaza; o terror-jovem de "Os Garotos Perdidos" (The Lost Boys), de Joel Schmann está tirando a caveira-de-burro que o Tabajara havia plantado nas escavações do Bristol e "Viagem Insólita", de Joe Dante, voltou para o Cinema I - nas sessões da noite (à tarde continua "Os Fantasmas Trapalhões", que também deve se manter no Lido II).
Em termos de estréia, um musical distribuído pela Alvorada, ambientado nos anos 60: "Dirty Dancing", de Emilie Arlindo, com Jennifer Grey, Patrick Swayze, Jerry Orbac e outros desconhecidos. No Astor, desde ontem.
LEGENDA FOTO - "Malpertuis", em exibição no Groff, é a estréia mais interessante da semana.
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