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Aramis

Bacharach ao gosto do curitibano.

S 18,45 horas - há pouco mais de uma hora antes do horário marcado para a primeira apresentação de Burt Bacharach e orquestra, no Guairão, quinta-feira, o superintendente Alberto Garcez Duarte e o diretor artístico J. D. Baggio tentavam resolver um gravíssimo problema: conseguir o empréstimo do único piano Steinway existente na cidade, exigência maior do compositor americano para entrar no palco. O problema só surgiu às 17 horas, quando Richard Stuart Kaufman, 34 anos, maestro-assistente de Bacharach, ao fazer a checagem do instrumental e aparelhagem de som instalado no Guaíra, não se conformou com o modesto Essenfelder, meia cauda, emprestado do Palácio Iguaçu ( o piano de cauda, da Fundação, está sendo recuperado, pois vinha apresentando sérios problemas). Kaufman reclamou e a partir de então, numa corrida contra o tempo, se tentou conseguir o empréstimo do caríssimo Steinway, doado pelo Governo da República Federal da Alemanha e que há anos encontra-se depositado no auditório da Reitoria, onde só é usado por concertistas que se apresentam a convite da Pró-Música, proprietária do instrumento. xxx Aristides Athayde, advogado e professor, fundador e hoje novamente na presidência da Pró-Música, simpático como sempre, mostrou boa vontade, mas, por força de resolução da diretoria que proíbe qualquer remoção do piano, não pode atender, de imediato a solução. Assim, às 20h10m - com um atraso mínimo, considerando-se a tradição local em termos de inicio de espetáculos _ Burt Bacharach, 50 anos, elegantíssimo smoking preto, acabou aceitando usar o modesto meia-cauda fabricado no Juveve e ali, durante as quatro horas seguintes, mostrou que mais do que a sonoridade e perfeição de um teclado importa a qualidade das músicas, os arranjos - enfim, o invólucro para um concerto de características populares como o seu. xxx Digestivo, bem temperado e sobretudo com esmerada apresentação. Assim pode ser classificado o show de Bacharach e sua orquestra - 7 músicos americanos e os demais brasileiros, contratados no Rio e São Paulo, para acompanhá-lo nesta exaustiva excursão de 8 dias (4 a 11 de abril), com 16 concertos, no Rio, (Hotel Nacional e Canecão), São Paulo (Anhembi) e Curitiba. Bacharach é um compositor, ex-discipulo de Darius Milhaud, que sabe usar a chamada técnica de cachos de sons. Suas musicas tem a harmonia, o romantismo e o balanço que fluem suavemente, atuando quase que como um relax auditivo numa época de tanto som elétrico. Seu ex-parceiro, Hal David, criou letras excelentes para a fase mais produtiva que valeu inclusive 2 Oscars, há 10 anos ("Butch Cassidy", de George Roy Hill, trilha sonora e canção "Raindrops Keep' Fallin On My Head"), duas dúzias de álbuns e o abre-te sésamo na carreira de Dionne Warwick. Com um material tão facilmente consumível é natural que hoje Bacharach, cinqüentão, desquitado da atriz Angie Dickson, com uma altíssima renda, não se preocupa mais em fazer trilhas sonoras, preferindo, mais o trabalho de entertainer. Em janeiro último, em Las Vegas, dividiu um show com a exuberante (e cantora?) Raquel Welch. Agora, veio para a Venezuela, Brasil e vai a Argentina (onde estréia na próxima semana), num roteiro que deve aumentar em muitos mil dólares os seus gordos depósitos nos bancos da Califórnia. xxx Antes de tudo um show-man. Com sua comunicabilidade grisalha, falando em inglês mas recorrendo a um violinista que fala um arrastado (e precário) português, como interprete, Bacharach veio, várias vezes, a frente do palco, para falar de sua alegria de estar no Brasil, de como gosta da musica brasileira (palmas!), de sua filha, Nicki, 11 anos, e , fazendo ainda, nas duas sessões, um valioso comercial para a água mineral Ouro Fino, que bebeu pelo gargalo da garrafa - já que nenhum de seus 7 assistentes providenciou sequer um copo sobre o piano. xxx É claro que uma apresentação de Bacharach tem que ser baseada em seus consumidos sucessos. Músicas que já embalaram muitos amores como "Close To You" ou "Walking By", com arranjos em que cordas, metais e percussão adquirem um gosto de chantilly sem groselha. Três vozes femininas - Carolyn Dennis, uma bela crioula (talvez ai esteja a Dionne Warwick da década de 80?) e as brancas Sally Danielle Stevens e sua filha Sally, 16 anos, que comprova o reconhecido bom gosto de Bacharach em escolher acertados apoios vocais. Quatro bailarinos - as sensuais Christine Cullen Gown e Harvey Cohen, mais Michael Louis Eselun e Toni Gannarelli, em coreografias simples, dão um maior visual a certas músicas, com entradas certas e cronometradas. xxx Como Michel Legrande, Bacharach também gosta de cantar. Sua voz é pequena e não tem o feeling da de seu colega francês. Assim mesmo, reservou para sua própria vocalização, aquelas duas canções que, sem favor, ficam entre obras-primas em seus 26 anos de carreira como compositor: "raindrops..." e "Alfie", tema musical para o filme de Lewis Gilbert ("Como Conquistas As Mulheres", 1965). Oficialmente, o encerramento é com a otimista "What the World Needs Now Is Love", outro tema internacionalizado pelo cinema, na voz de Tom Jones. Mas como as palmas exigiram Bacharach um número extra - e, instrumentalmente, um dos altos momentos da noite: "Summer 77", composição recente, que permite, afinal, que se ouça, solos de alguns de seus instrumentistas, como John Thomas (pistão), e John Francis Philips (sax) profissionais dos mais requisitados para gravações nos estúdios da Coasta Oeste (Los Angeles, San Francisco) nos Estados Unidos - e que, durante quase todo o show, como os demais músicos, permaneciam apenas como anônimos acompanhantes. xxx Para ajudar a vender o seu último álbum ("Futures", A&M/Odeon, 2199), que o astuto empresário Manoel Palodiam colocou no hall do teatro, a Cr$ 150,00 o exemplar (nas lojas, pode ser encontrado até a Cr$ 110,00), Bacharach também mostrou algumas músicas deste seu trabalho mais recente: a faixa título, "Time And Tenderness" e a bela "No One Remember My Name", esta com esplêndida vocalização de Carolyn Dennis, Susan e Sally Stevens. Infelizmente, o mais belo momento instrumental da noite - "Monterey Islands" (acompanhada de uma bela coreografia para os bailarinos), ainda está inédita fonograficamente no Brasil e mostra as pretensões de Bacharach em sua nova fase, abandonando as músicas de tempo certo para tocar no rádio e preferindo composições de maior fôlego. Como Zé Rodrix, Bacharach gosta de tocar piano em pé. Dividindo-se entre o piano e o órgão, gesticulando muito, chegando quase a macaquice em certos momentos, sabe, entretanto, vender o seu produto. As quase 5 mil pessoas que lotaram o Guaíra, nas duas sessões de quinta-feira, deixando exatamente Cr$ 1.007.000,00 nas bilheterias, sentiram-se gratificadas sonoramente. Tanto é que apesar dos ingressos a Cr$ 250,00, centenas de casais deixaram o teatro com o disco (mais Cr$ 150,00) debaixo do braço, sorrindo bastante e procurando, animadamente, um endereço para esticar. Afinal, a sensação de ouvir uma música digestiva e tão alinigenamente onírica não ocorre todo dia. O que desculpa o rombo de mais de Cr$ 1.000,00 no orçamento por um programa de quinta-feira à noite.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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Tablóide
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08/04/1978

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