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Flávio, o premiado que Curitiba está perdendo

Se o curitibano Ariel Coelho, ator lançado nos palcos por seu amigo Antônio Carlos Kraide (1945-1983) em "Drácula", tivesse sido convidado ao Festival de Gramado seria, por certo, um dos mais paparicados. Mesmo ausente fisicamente, Ariel foi elogiado por suas curtas mas marcantes intervenções em três filmes que disputaram os Kikitos: "Brás Cubas", "As Sete Vampiras" e "Fulaninha". Seu nome chegou a ser, inclusive, cogitado para o troféu de melhor coadjuvante, o quer seria um impulso a mais numa carreira que começa a se internacionalizar, haja vista que em "A Floresta das Esmeraldas" de John Boorman (previsto para ser reprisado no Cinema I, a partir de amanhã), teve um curto mas atuante papel. Se Ariel não foi premiado, os dois coadjuvantes que dividiram o cheque de Cz$ 2 mil cruzados e voltaram de Gramado com os Kikitos, são atores ligados, ao menos indiretamente a Curitiba: Emílio Di Biasi, 40 anos, 20 de teatro, só agora estreando em cinema - e fazendo nada menos que seis personagens diferentes em "Filme Demência", de Carlos Reichenbach (premiado como melhor diretor) mereceu o troféu. Emílio passou muitos meses em Curitiba, em 1981, aqui dirigindo "O Contestado", de Romário Borelli, e, posteriormente, fazendo a direção cênica de "O Grande Circo Místico", fez amigos tão grandes que sempre que pode aqui retorna. E tem, em seus projetos para 1986, a montagem de uma peça em co-produção com o engenheiro Marcelo Marchioro. Já Flávio São Thiago, que pela comovente interpretação de Hermínio, advogado de gravata, bon-vivante e boêmio inveterado em "Fulaninha", também mereceu o prêmio de melhor ator coadjuvante, pretendia se fixar este ano em Curitiba. Convidado em novembro de 1985 para lecionar Interpretação no Curso de Artes Cênicas, mantido pela Fundação Teatro Guaíra, em convênio com a Universidade Católica do Paraná, Flávio acreditou nas promessas de que além de suas atividades no magistério, teria possibilidades de desenvolver outros projetos artísticos, complementando, assim, o magro salário de Cz$ 3 mil como professor. Veio e, em poucas semanas, conquistou o entusiasmo dos alunos do curso de teatro, animando-se pelo vigor e idealismo da garotada. Entretanto, a promessa de que teria uma segunda opção de trabalhos não se concretizou. Chegou a elaborar um projeto artístico, encaminhado à Fundação Cultural de Curitiba, o qual, simplesmente "foi extraviado" - conforme a lacônica explicação que a arquiteta Jussara Valentim, diretora administrativa, lhe deu, ao recebê-lo - já que o presidente Carlos Frederico Marés de Souza não quis - ou não teve tempo - de lhe dar uma audiência pessoal. Resultado: desiludido com a falta de perspectivas profissionais em Curitiba, sacrificando-se para sobreviver com um salário insuficiente para pagamento de apartamento, alimentação e outras despesas, Flávio São Thiago decidiu, na semana passada, que não voltaria mais. Lembrando que chegou até a passar necessidades financeiras em Curitiba, há algumas semanas, quando o pagamento de seu salário foi atrasado, Flávio nos dizia: - "Se é para passar fome, prefiro ficar no Rio de Janeiro onde tenho amigos e melhores chances profissionais de trabalho!" xxx O Kikito de melhor ator coadjuvante pelo seu trabalho em "Fulaninha", um tocante filme de David Neves, totalmente rodado no Posto 2, de Copacabana, e que lança uma nova atriz - Mariana de Moraes (filha de Pedro Moraes, neta de Vinícius) e traz bons atores - Cláudio Marzo, José de Abreu, Roberto Bonfim, Paulo Vilaça, a atriz Kátia D'Angelo - alegrou a Flávio São Thiago. Marieta Severo voltou de gramado trazendo em outro texto, "Amante Latina".[sic] Aos 41 anos, 25 longa-metragens e mais de 40 peças em sua ficha artística, cinco anos de atuação no grupo Oficina (em sua melhor fase), Flávio São Thiago é um profissional que poderia enriquecer muito o nosso meio teatral - hoje, infelizmente, reconhecido como dos mais fracos em termos artísticos. Vai longe, para tristeza de quem se orgulhava da vida cultural do Paraná, a época em que os bons frutos aqui plantados por nomes da expressão de Cláudio Corrêa e Castro, José Renato, Paulo Goulart, Nicete Bruno, Ivan Cavalcante, Rubens Corrêa e outros profissionais que, nos anos 60, durante os governos Ney Braga e Paulo Pimentel, fizeram do Teatro de Comédia do Paraná um grupo reconhecido nacionalmente. Peças como "A Megera Domada", "A Vida Impressa em Dólar", "O Livro de Cristóvão Colombo", "Escola de Mulheres" e tantas outras produções do TCP foram grandes momentos de nosso teatro, ali surgindo artistas e técnicos que muito aprenderam. Infelizmente, o TCP hoje é só saudade, há anos que não acontece uma grande montagem teatral no Paraná e quando surge oportunidade de um profissional da dimensão de Flávio São Thiago vir a Curitiba, aqui fixando-se por algum tempo, dando uma contribuição profissional positiva, não lhe são dadas as mínimas condições de sobrevivência. O Kikito de melhor coadjuvante foi um reconhecimento nacional ao seu talento. Pena que os executivos de nossa vida cultural não saibam aquilatar quem é Flávio São Thiago e o muito que poderia fazer para tentar resgatar o nosso teatro do limbo em que se encontra.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
13
16/04/1986

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