Lilith, uma bruxa que já foi a suave Eliana
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 12 de novembro de 1987
Hoje a noite ela apresenta-se como Lilith a bruxa do rock (Clube 700, Avenida Visconde de Guarapuava,1717, ingressos a Cz$ 100,00), no qual "mesmo um bolero vai sair com a cara de rock" como diz em seu release. Entretanto, por trás desta roqueira que escolheu um bíblico personagem como pseudônimo - a primeira mulher de Adão e que foi uma das primeiras encarnações do Demônio - está uma mulher que, quando nos sonhos de um início de carreira há uma década, preferia a simplicidade até no nome artístico: Eliana da Praia.
O que teria feito aquela morena queimada pelo sol da praia de Canasvieras, SC, que em fevereiro de 1977, no saudoso Mouraria (hoje o decadente Clube 1, presença constante nas paginas policiais) encantava o público com interpretações de românticos sambas de Lupicínio Rodrigues - ter se transformado na bruxa-roqueira Lilith?
Eis aí um bom gancho para procurar entender a perversidade do meio musical que destrói carreiras autênticas em troca do falso aroma de um sucesso-consumista temporário.
Independente de qualquer entrevista com Lilith - ou a antiga Eliana da Praia, que na verdade tem o prosaico nome de Eliana Terezinha Ignácio, no registro civil - esconde-se, por certo, uma década de procuras artísticas. E se ela optou pela imagem sensual de longas botas, trajes negros, para a figura de feiticeira do rock, isto por certo deve ser conseqüência, no mínimo, "da exigência do mercado".
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O simples fato de saber que a roqueira-feiticeira Lilith, cantando hoje em ambientes ensurdecedores do pior rock supérfluo como o Clube 707, é a mesma e sensível jovem que, em fevereiro de 1977, emocionava com o melhor da música romântica brasileira, lembra outras jovens artistas que, no natural desejo de conseguir fama & fortuna (o que nem sempre acontece) aderem ao pior colonialismo cultural.
Anos atrás, um inescrupuloso empresário artístico (sic) chamado Zezé Moreira explorava uma ingênua descendente de índios, obrigando-a a cantar rock em shows da mais absoluta mediocridade (inclusive, um deles realizado no Teatro Guaíra). A pobre moça nem sabia exatamente o que fazer no palco mas o empresário achava que o certo era mostrar a originalidade de "uma índia autêntica" (o que, nem era verdade) cantando "musica para jovens".
Esta triste lembrança do pior colonialismo cultural não deixa de surgir quando se lê o release apresentando Lilith - que inclusive diz ter sido escolhida melhor crooner em 1979 pelo jornal O Estado do Paraná em promoção da qual, sinceramente, não nos recordamos.
Lilith (onde ficou a terna Eliana da Praia?) diz que "tudo o que eu faço tem cara de rock". Em 1977, quando o falecido Fernando Zeni e Osmar Sokolowski (hoje no mercado de capitais) a contrataram para algumas apresentações no Mouraria, Eliana dividia seu tempo entre as burocráticas funções de secretária executiva de um grupo empresarial, aulas de inglês e um curso superior. Tinha começado amadoristicamente, participando de festivais e dava, em Curitiba, seus primeiros passos.
Em São Paulo, a partir de l980, aderiu ao rock -e apesar de algumas experiências de vanguarda com gente de criatividade como Itamar Assunção - decidiu partir para um marketing da bruxaria, quando - segundo seu release, "juntou numa só porção, guitarras e atabaques e andou fazendo feitiços pelos teatros e danceterias" e gravando até um compacto.
Comemorando, a sua maneira, os dias do Azar (13 de agosto) e das Bruxas (31 de outubro), Lilith chega agora a Curitiba - com este aproveitamento mercadológico daquilo que seria terror no passado mas que antropofagicamente ela dilui como um ponto de comunicação para um público capaz de aceitar o som estridente e nem sempre afinado ao invés dos sambas dor-de-cotovelo do velho gaúcho Lupe que tão bem cantava no passado.
No caso, a feitiçaria virou contra a feiticeira!
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