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Aramis

Morte da Memória Paranaense

NUNCA é demais insistir em assuntos ligados à memória nacional, tão esquecida pelos donos do poder. Uma equipe da TV-Educativa, do Rio de Janeiro, que se encontra no Paraná, fazendo um documentário sobre o INPS, vai aproveitar o fim de semana para registrar, em cores, vários aspectos da arquitetura típica da cidade, cada vez mais ameaçada pela especulação imobiliária. Lambrequins que decoram antigas construções em madeira, casario característico, ao lado de armazéns de secos & molhados - no estilo tradicional e hoje praticamente desaparecidos, bem como a bucólica roda d'água, nas margens da rodovia Curitiba-Campo Largo, serão filmados e, depois utilizados em flashes de 30 segundos, dentro de uma série institucional da TV-E, denominada, genericamente, "memória nacional". xxx Falando em memória, uma cobrança necessária: no dia 4 de junho de 1974, em ato solene, o professor Júlio Moreira (1898-1975) fez doação, em documento de cartório, de sua preciosa "Biblioteca Paranaense", com mais de seis mil títulos, a uma instituição de Curitiba que só seria conhecida após sua morte. Pelo mesmo documento, designou Mário Piloto, cirurgião dentista, pesquisador em historia e atual diretor cultural do Clube Curitibano; o médico Dirceu Rodrigues (seu genro, casado com Regina Moreira Rodrigues) e o engenheiro José Carlos Veiga Lopes (a quem o Dr. Júlio muito admirava pelos trabalhos de historiador que vinha fazendo), como a comissão que, após sua morte, escolheria a quem deveria ser a Biblioteca Pública, o Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico do Paraná, ou outra instituição qualquer, desde que mantenha uma biblioteca aberta à consulta do público. Ele queria que seus livros, tão carinhosamente colecionados durante quase 60 anos, estivessem ao alcance de todos. xxx Pois bem! Ele morreu em julho de 1975, e até hoje nada da tal comissão resolver a quem será entregue o acervo. E há mais: fosse para quem fosse a doação, aquele documento dava à comissão poderes de estar atenta para ver se os livros, revistas, etc, estariam servindo à finalidade para a qual Dr. Júlio queria. Se assim não fosse, a comissão é soberana para tirar a coleção daquela instituição e resolver entregar para outra. xxx Justiça seja feita: pouco depois da morte do professor Júlio Moreira, a Fundação Cultural de Curitiba, então presidida pelo arquiteto Alfredo Willer, enviou oficio à comissão, apresentando-se como candidata a abrigar a biblioteca do Dr. Júlio, que seria colocada em sala especial, com um funcionário para atendimento do público. Não se sabe se houve ou não resposta e, mudando a diretoria, o novo presidente, Ennio Marques Ferreira, também providenciou mais de um oficio, que (também) não tiveram (ainda) resposta. Passados quase três anos da morte do admirável historiador, o público, que ele queria tivesse acesso aos seus preciosos livros, ao seu inestimável legado, continua privado de tal facilidade, pois a comissão ainda nada resolveu. A biblioteca consta de livros ou publicados no Paraná, escritos por paranaenses e/ou conteúdo referente ao Estado. Assim sendo, os assuntos são os mais variados: Geografia, História, Matemática, Medicina, Política, Legislatura, etc. E por isso o Dr. Júlio queria que a coleção ficasse num lugar que não a dispersasse, ou seja, livros de História no segundo andar, Literatura no primeiro. E a Fundação, prometeram Willer e Ennio, tê-lo-ias colocado todos numa só sala. xxx Há mais de 6 anos, o médico Edwino Tempski, outro dos raros paranaenses preocupados com a memória do Estado, também se dispôs a doar à Fundação Cultural, um preciso acervo sobre a colonização polonesa, que seria núcleo para um futuro Museu de Colono. Até agora, não se sabe se houve ou não interesse pelo oferecimento. xxx O historiador David Carneiro, cansado pelo alto custo que sai a manutenção de seu museu da História do Paraná, especialmente com peças do cerco da Lapa, nos fundos de sua mansão na Rua Brigadeiro Franco, também, há 7 anos, chegou a propor à Fundação Cultural, a sua incorporação àquela instituição. Se pensou como local ideal as antigas instalações do Quartel General, na Rua Presidente Carlos Cavalcanti, um casarão que foi do Barão do Cerro Azul, Ildefonso Pereira Correia (1848-1894). Nenhum outro local poderia ser mais apropriado. Houve reuniões, discutiu-se muito e, como sempre, a alegação foi falta de recursos. Hoje o assunto está praticamente superado e o professor David Carneiro teme entregar o precioso acervo, sem ter a necessária garantia de que o mesmo não será destruído por falta dos cuidados necessários. xxx Comemora-se este ano o centenário de Santa Felicidade. Com exceção da pesquisa da jornalista Rosy de Sá Cardoso, que o IHGEP vai editar, até agora nada se fez para marcar o evento. xxx Eis, portanto, alguns temas que um vereador de maiores luzes, que se preocupe com a morte da memória paranaense poderá criticar na Câmara de Curitiba. Ou mesmo algum de nossos deputados emedebistas, como os lúcidos Osvaldo Evangelista de Macedo ou Êneas FARIA. Talvez, não obtenham resposta - assim como as sugestões que são feitas pela imprensa parecem não sensibilizar os donos do poder. Mas fica o registro, para o futuro: o dia em que nada mais restar de nossa memória, ao menos nas noticias dos jornais (se restarem coleções) estará escrito, em letra de forma, que e, 1978, alguém voltou "a incomodar e chatear" com um tema que apesar de sua importância, parece nada dizer a quem de direito.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
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29/04/1978

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