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A Bossa Nova, vinte anos depois

Passadas muitas semanas de completa paralisação, o Teatro do Paiol reabre suas portas com um dos mais importantes eventos musicais do ano: três shows com o compositor Carlos Lyra, nome-base da música popular brasileira, um dos principais integrantes do núcleo original da Bossa Nova. A presença em Curitiba do compositor-cantor Carlos Lyra (Teatro do Paiol, 13 a 15 de maio, 21 hora) é uma oportunidade da geração que aprendeu a amar a música brasileira, pelos olhos-ouvidos da Bossa Nova, reavaliar o trabalho de um dos principais responsáveis por esse movimento, passados quase 20 anos de seu efeito início - considerando-se como março divisor a gravação de "Chega de Saudade" e "Brigas Nunca Mais", por João Gilberto, em seu balanço novo - no violão e vocal, num 78pm queAloysio de Oliveira produzia e que a Odeon lançou em seu suplemento de setembro de 1959. Um ano antes, é bem verdade, o violão inovador de João Gilberto já podia ser ouvido nas 12 músicas de Vinícius de Moraes e Antônio Carlos Jobim (incluindo a "Chega de Saudade") do histórico lp "Canção do Amor Demais", gravado por Elizete Cardoso no selo Festa, de Irineu Garcia - introdutor dos chamados "discos culturais" no Brasil, hoje radicado em Portugal. Mas, em termos históricos, o que ficou mesmo foi o 78 rpm de João Gilberto, que balançou o correto da então estadionada MPB. O PADRINHO DA BOSSA Muito se tem discutido sobre as origens da Bossa Nova. Tudo é uma questão de interpretação e de entender que o processo é evolutivo e que não existiria o movimento, como ele ficou conhecido, se nos anos 40, uma geração de jovens de bom gosto, já não se preocupasse em apresentar um trabalho novo para a época, como o mineiro Lucio Alves (Cataguazes, 1927), os cariocas Dick Farney (Farney Dutra e Silva, 1921) e Johnny Alf (José Alfredo da Silva 1929), entre outros. Como, nos anos 30, um cantor de voz muita e diferenciada, chamado Mário Reis (Rio de Janeiro. 1907) já impressionava, cantando de uma forma intimista e original sambas de Sinhô (José Barbosa da Silva, 1888-1930) como "Que Vale A Nota Sem O Caminho Da Mulher" ou "Deus Nos Livre Do Castigo Das Mulheres". Em pleno reinado dos tenores e barítonos que, com voz empostada, "Deturpavam o espírito leve e brejeito do samba carioca"(como acentuou o pesquisador Ary Vasconcelos, "Panorama da Música Popular Brasileira", volume 2, página 197), Mário Reis surgia provocando polêmicas - tão grandes quanto aquelas que se seguiriam, em 1959/60, a eclosão da Bossa Nova e, de certa forma, em 1967/68, com a curta experiência do Tropicalismo. Para alguns pesquisadores, entre os quais João Luiz Ferreti, editor da série "Música Popular Brasileira" (1969/1970, editora Abril, agora sendo reeditada), o nascimento da "Bossa Nova"foi da seguinte maneira, em termos públicos "A porta do teatro em Copacabana, o cartaz prometia: "O grupo universitáerio herbraico-brasileiro apresenta hoje reunião bossa nova". Sem saber, Moises Fulks, o estudante que organizava o espetáculo, estava criando o nome para aquele movimento de renovação que começava a nascer na música popular brasileira. Os "bossa nova"eram Carlos Lyra, a cantora estreante Nara Leão, o baterista João Mário, o cantor Chico Feitosa (Chico Fim de Noite) e outros. Foi uma noite histórica muito descontraída, aquela. Todos cantaram suas músicas intimistas, falando de sol, flor, amor, batendo seus violõezinhoa daquela maneira diferente. A platéia jovem aplaudiu muito aquele show de 1958: não porque fosse hitórico (eles nem sabiam disso), mas porque linguagem direta e simples, cheia de novidades, agradou-a profundamente". Há quem, com ou sem razão, tenha outras versões sobre o lançamento da palavra Bossa Nova. Por exemplo, o jornalista S;ergio Porto (Stanislaw Ponte Preta), falecido em setembro de 1967, contaque foi um crioulo, engraxate, que um dia, ao lhe encontrar com um sapato sem cordel, exclamou: - Bossa Nova, hein! Doutor! Sérgio gostou da expressão e publicou em sua coluna na "Última Hora". E o nome pegou. A BOSSA & NA ÉPOCA Vivia-se a euforia do final do governo de Juscelino ubistchek: a indústria automobílistica implantada, a construção de Brasília, o cinema novo aparecendo, enfim uma efervescencia de idéias, às quais somava-se a música renovadora de uma geração de boa formação intelectual. A criatividade dos jovens instrumentistas - Roberto Menescal, João Gilberto, João Donato, Oscar Castro Neves, Luisinho Eça, Eumir Deodato, Sérgio Mendes (que, depois, se comercializariam nos EUA), Durval Ferreira, Maurício Einhorn, Helcio Milito, Bebeto, e dezenas de outros - somava-se a presença a presença poética de um Vinícius de Moraes, com força total, recém chegado de longas temporadas no Exterior (Los Angeles / Paris / Montevideu). E assim, não poderia deixar de acontecer uma explosão do que de muito de melhor se fez no Brasil, com uma versatilidade incrível, registrada em mais de 300 elepês - hoje disputados pelos colecionadores e estudiosos. O LYRA DA BOSSA E, na Bossa Nova, um jovem se integraria de uma forma perfeita: Carlos Eduardo Lyra Barbosa, carioca a partir de 11 de maio de 1936, sob o signo de touro. Comecei a fazer música com um pianinho de brinquedo. Tinha sete, oito anos. Depois passei a tocar gaita de boca. Os Lyras Barbosa: uma família de músicos. A mãe estudou violino e piano, o pai tocava flauta e era oficial da Marinha. O irmão seguiu a carreira do pai, mas preferiu o violão. Além disso, há uma tia pianista, um tio violinista e os avôs maternos pianistas. O avô paterno era poeta (fez música com Gastão Formenti) e o bisavô paterno, muito religioso, chegou a escrever um "Te Deum" para o Vaticano. - "Só mais tarde, quando fui servir o Exército, é que comecei a fazer música e a aprender um instrumento direito", recordava Carlos Lyra, há 8 anos passados, em entrevista a João Luiz Ferreti. Arlos Eduardo, um uma infância povoada de jusuíta. Colégio Santo Inácio de Loiola, discplina rígida e informação cultural bem cuidada. - No Exércicio, eu quebrei a perna num campeonato de salto de distância e fiquei na cama uns seis meses. Então, como mão tinha nada que fazer, mandei comprar um violão e um método. Foi durante o ginásio que os jesuítas descobriram a boa voz de Carlos Eduardo, que passou a cantar no coro do colégio. Primeiro, soprano. Depois contralto e depois tenor. - Quando sai da cama, já tocava. A BOSSA DOS ANOS No curso colegial, Lyra conheceu Roberto Menescal, que também gostava de tocar violão. Passaram a estudar juntos, trocar idéias, e Lyra ensaiou-o o que já sabia. Nascia uma amizade que daria muitos frutos para a música brasileira. Começaram a dar aulas de vilão, tendo entre seus alunos Marcos Valle, Edu Lobo e Nelson Lins de Barros (1920-1966), um físico pernambucano, que mais tarde seria parceiro do professor. Como escreveu Ferreti, "sem perceber, Carlos Lyra começara a se profisionalizar. Compor virara hábito quase diário e o grupo foi aumentando: Nara Leão, Chico Fim de Noite, ronaldo Bôscoli (um de seus primeiros parceiros)". Era uma época risonha e franca, com a juventude dourada, os sonhos, a despreocupação. Namoros, festas e, naturalmente, os estudos. E a rapaziada criado. A sua primeira melodia (que ele poria letra tempos depois) foi "Quando chegares", gravada em 1957 - e que incluiria em seu primeiro lp, 3 anos depois, na Philips. Mas Carlinhos já se preocupava em conhecer a música popular autêntica e foi o primeiro da Bossa Nova a valorizar compositores como Cartola e Nelson Cavaquinho. O que fez ganhar admiração e respeito de críticos como Sérgio Cabral, que a seu respeito afirmou: - "Quando se diz que a bossa nova foi o movimento mais importante verificado em nossa música popular nos últimos anos, o que se leva em conta não é apenas a modificação que ela provocou nos rumos da MPB, mas a possibilidade que abriu para que aparecessem alguns dos nossos melhores compositores de todos os tempos. Carlos Lyra, sem dúvida nenhuma, é um deles. A sua importância não se restringe aos limites da bossa nova: o seu nome, historicamente, é tão importante quanto os mais importantes nomes da músicapopular brasileira". Consciente da influência muitas vezes negativas de ritmos estrangeiros, Carlinhos, 20 anos passados, compunha "Criticando", espécie de precursor de "Influência do Jazz"(por ele gravado em 1962, em seu terceiro lp - "Depois do Carnaval"), gravada por "Os Cariocas", na Continental. Antes disso já havia composto "Menina"(letra e música), vencedora do I Festival Internacional da Canção (TV Rio, 1955). Geraldo Dias, o cantor que defendeu a música, mais tarde se tornaria conhecidopelo nome de Geraldo Vandré. "Menina" foi talves o primeiro disco de bossa nova. Gravado ainda em 78 rpm por Silvinha Telles (odeon, 1956) trazia no outro lado "Foi a Noite" de Tom Jobim e Newton Mendonça (1927-1960). Pois, na verdade, só 3 anos depois apareceria o lp de João Gilberto "Chega de Saudade" (Odeon MORB-3073, até hoje em catálogo), marco da bossa nova. Mas é sempreimportante lembrar ohnny Alf, já em 1955, contando seu avanço "Rapaz de Bem". A carreira de Lyra, no início dos anos 60, confunde-se com o clima artístico que foi dos mais férteis. Assim, paralelamente aos seus primeiros shows e discos (3 lps na Philips, entre 1959/63), musicou o curta-metragem "Couro de gato" (1960, de Joaquim Pedro de Andrade), de cuja trilha fazia parte o clássico "Quem Quiser Encontrar o Amor" (parceria com Vandré). No cinema, Lyra ainda viria a musicar "Bonitinha mas ordinária" (1963, de J. B. de Carvalho). Paralelamente, o profissional Lyra musicou peças de Maria Clara Machado e, e, 1961, faria músicas para uma peça de Nelson Lins de Barros e Francisco de Assis intitulada "Um americano em Brasília", que nunca chegou ser montada, mas da qual ficaram músicas como "Mister Golden" (parceria com Daniel Caetano, que o próprio Lyra aparecia cantando no primeiro filme de Roberto Farias: "Um Condango na Belacap", 1961) e "Maria do Maranhão"(parceria com Nelson Lins). A BOSSA NO EXTERUIOR Noa Iorque, Carnegie Hall, 21 de novembro de 1962: atráz de uma floresta de microfones, Carlos Lyra quase não é visto pelo auditório de 3000 pessoas. Aquela noite chuvosa passaria à história da MPB. Lyra, disse a respeito: - "O show foi uma avacalhação. Pra mim, pessoalmente, foi muito mais importante a minha apresentação no Festival de Newport, com Stan Gets. Eu apareci como estrela no show dele". Lyra se queixa, com razão, dos organizadores, do excesso de artístas, etc. "Parece que, quando o pessoal perdeu a orientação da direção, foi a corrida do ouro. Foi quem quis, e entrou quem não quis para cantar". O show foi organizado pelo Itamaraty e o record-man Sammy Frey, o "Mister Audio", poderoso dono da Audio Fidelity, que gravou o show, editando-o em lp - que no ano passado, foi reeditado no Brasil pela Phonodisc / Continental (apesar da precariedade de nossa lojas, com alguma pesquisa pode ser encontrado). De Lyra, Sérgio Mendes e o conjunto Bossa Rio tocaram "Influência do jazz", depois, ele cantou "Maria Ninguém" e "Lobo bobo". E foi muito aplaudido. A apresentação no Carnegie Hall acabaria por determinar, ainda que indiretamente, toda uma sequência de viagens. Voltou ao Brasil em 1963, para retornar aos EUA no mesmo ano: uma rápida estado aqui em 1964 e outra vez nos EUA. Em 1965 apresentou-se com Stan Getz no Brasil e a seguir excursionou com ele pelo Japão, Canadá e interior dos EUA, indo parar no México, para descansar. Lá, acabou trabalhando nas Olimpíadas (tradutor e locutor), musicando 10 curta-metragem, fazendo televisão. Ligado sempre ao teatro - entre 1960/63, havia montado "Pobre Menina Rica", musical em parceria com Vinícius de Moraes - dirigiu no México uma peça que lhe deu os prêmios de melhor diretor e melhor autor de 1970: "Ouviu falar em dragão", apresentada de manhã para o público infantil e à noute para o adulto. De volta ao Brasil, em 1971, fez uma remontagem de "Pobre Menina Rica", desta vez no papel anteriormente interpretado por Nara Leão (quando o espetáculo foi lançado na boate Au Bom Gourmet), a sua esposa, a norte-americana Kate, uma loira lindíssima, que a partir de 1973, se transfomaria em modelo e atriz de comerciais e comédias, das mais requisitadas (o próprio Lyra, ao lado de sua esposa, fez um comercial dos cigarros LS). Tendo parceiros dos mais ilustres - Vinícius de oraes (talvez as 3 obras-primas do poeta; "Minha Namorada", "Marcha da Quarta-Feira de Cinzas" e "Primavera", entre dezenas de outras), Roberto Menescau, Ronaldo Bôscoli, Marino Pinto (1916-1965), Ruy Guerra, Jesus Rocha, Geraldo Vandré, entre tantos outros, a obra de Lyra é imensa e toda da maior qualidade. Após dois discos na Philips, entre 71/73, Carlinhos gravou, antes de viajar novamente aos EUA, um elepê na Continental, simplesmente antológico - o melhor desde "Depois do carnaval"(1962). Nele, com novos e antigos parceiros, mostrou que continua em perfeita forma, capaz de criar obras-primas como "Marcha em Branco e Preto"- que, não tivemos dúvidas, em incluir como a melhor composição aparecida em 1975. Quase dois anos de nova permanência nos EUA, onde compôs e fez psicanálise, Carlinhos retornou ao Rio em novembro do ano passado. Selecionando cuidadosamente as propostas de trabalho, preparando-se para voltar a gravar, após desenvolver um excelente projeto de programas infantis para a TV Educativa (infelizmente não concretizado), Carlinhos está aí, aos 41 anos, mais jovem e consciente do que nunca. De sexta-feira a domingo, no Paiol - onde esteve pela primeira vez em março de 1973 (retornou, meses depois, para dois shows na Reitoria), estará, em sua forma didática e simpática, contando coisas da Bossa Nova e mostrando a suas músicas, que, em si, falam mehor do que qualquer outra coisa. Pois, hoje, mais do que nunca, a letra de Vinícius para a "Marcha da Quarta-Feira de Cinzas" continua emocionando corações: E no entando é preciso cantar Mais que nunca é preciso cantar É preciso cantar / E alegrar a cidade FOTO LEGENDA- Pobre samba meu Foi se misturando/Se modernizando e Se perdeu/ E o rebolado/ Cadê, não tem mais Cadê o tal gingado Carlos Lyra FOTO LEGENDA1- Que mexe com a gente Coitado do meu samba Mudou de repente: Influência do Jazz ("Influenciado Jazz", Lyra, 1961) Kate Lyra FOTO LEGENDA2- João Gilberto FOTO LEGENDA3- Tom Jobim FOTO LEGENDA4- Johnny Alf FOTO LEGENDA5- Ronaldo Bôscoli FOTO LEGENDA6- Silvia Telles FOTO LEGENDA7- Vinícius de Moraes
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
1
12/05/1977

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