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Fagner, Gonzaquinha e Tunai, ternura & amor

Guerreiros são pessoas/São fortes/São frágeis Guerreiros são meninos/no fundo do peito Precisam de um descanso/Precisam de um remanso (Gonzaquinha, "Um Homem Também Chora") Só faltou Caetano Velloso para a confraternização ser ampla, total e irrestrita: Raimundo Fagner, cearense de Orós, 33 anos a serem completados no próximo dia 13 de outubro, interpretando uma (nova) antológica música de Gonzaquinha e, em outra faixa, tendo a presença antiga de Chico Buarque. O mais inquieto e briguento dos Cearenses Bem Sucedidos, mostrava-se numa fase romântica, suave e principalemente terna neste seu "Palavra de Amor " (CBS, agosto/1983).Também Luiz Gonzaga Jr. Carioca, 38 anos a serem completados dia 22 de setembro, chega tranquilo, nacionalista e igualmente suave neste seu "Alô Alô Brasil" (Odeon, agosto/1983). É reconfortante (re)encontrar dois dos mais importantes compositores-intérpretes brasileiros em discos que mostram um amadurecimento artístico-profissional. Fagner, um artista tão importante como sua atividade de produtor (a ele se deve o enriquecimento da MPB com mais d 15 talentosos artistas nordestinos) gravou no Brasil seu novo disco, depois da pretenciosa produção de 1982, gravada nos EUA, investindo de 200 mil dólares e um encalhe imenso nas lojas. Agora fazendo um disco nos estúdios da Sigla, com músicos brasileiros e tendo arranjadores como Cesar Camargo Mariano ("o maior piano do Brasil no momento"), Eduardo0 Souto, Reinaldo Arias e Cleberson Horsth, Fagner realiza um belo trabalho. Um disco no qual mostra, com sinceridade, que é um artista de talento, sabendo valorizar um bom repertório – e no qual ficou como autor em apenas duas faixas – "Visagem" (parceria com Fausto Nilo) e "Contigo" (parceria com o poeta Ferreira Gullar, e nesta com a participação efetiva de Chico Buarque nos vocais). Xxx Artista de larga quilometragem internacional, especialmente uma integração na Espanha (na qual fez o lp "Homenagem a Picasso", com seus amigos Mercedes Sosa, guitarrista Paco de Lucia e o poeta Rafael Alberti, lançamento previsto para outubro no Brasil). Fagner dedicou este seu novo disco as bodas de ouro de seus pais, o engenheiro José Lupus Haddad Fares e dona Francisca Fares. Esta (re)visão de Fagner para um lado sentimental, que parecia querer esconder em seus discos amargos e cortantes dos últimos anos, é que dá a "Palavra de Amor" um sentido de placidez e audácia, como tão bem o sempre lúcido Tarik de Souza lembrou. As músicas selecionadas são do melhor nível – como a irônica "Fábula" do piauiense Climério; o "Sertão Azul" (de Petrucio Maia), o "Viajante" (Jorge Mautner), com uma criação de "Cintura Fina" (luiz Gonzaga/Zé Dantas), as belíssimas "Guerreiro Menino" (de Gonzaquinha) e a música que dá título ao elepê – de Manasses/Fausto Nilo, "Acalanto e Paixão" (Nonato Luiz/Capinam) também é uma criaçao especial, enquanto a gravação de "Prelúdio para ninar gente grande" (ou o "Menino Passarinho") do pernambucano Luis Vieira, 21 anos após o seu lançamento, é um terno reencontro do Fagner com o menino cantor que foi um dia em Fortaleza. Luiz Gonzaga Jr. em "Alô Alô Brasil" também consegue se libertar de rótulos que alguns insistem em lhe colocar: "Filho do arbítrio", "baladeiro", quero ver o que vai ser agora com a abertura ", "maldito", "engajado", "sucesso da repressão" etc. Um compositor autobiográfico, como seu amigo Arthur Laranjeiras o define no belo texto que produziu para apresentar seu novo elepê, distribuído numa capa que lembra um envelope aéreo, procurando identificar esta fase de sua vida como um compositor sem fronteiras. Ao menos em duas faixas – a que dá título ao elepê e "Pelo Brasil" (construção moderna, com nomes de cidades brasileiras). Gonzaquinha, hoje vivendo em Belo Horizonte, numa fase de reencontro com muitos valores, procura caracterizar o seu sentido nacional. Ao contrário de Fagner, ele é autor de todas as faixas. Continua a existir o inquieto romântico, com perguntas e indagações da vida – mas que também se volta a imagem não tão distante ("Memórias"), as relações entre as pessoas, em imagens belíssimas. Um poeta de fortes palavras, com suavidade ("Nave Espacial"), mas também, quando necessário, capaz de ironia, como em "Coração de Plástico"): Mamãe ganhei um coração de plástico/Agora eu sou quase totalmente elástico Brasileiramente, o encerramento do disco é com um samba da pesada – que Gonzaquinha faz com tanta competência como os seus melhores boleros: "Tem de dia que de noite é assim mesmo". Os excelentes músicos que há anos o acompanham – Jota Moraes, Fredera, Ary Piassarollo, Paulo Maranhão, Pascoal Meirelles e Ricardo Pontes – garantem a estrutura harmônica-instrumental neste belíssimo elepê, para nós entre os melhores do ano. Sem ainda a mesma projeção de Fagner e Gonzaquinha, mas igualmente com uma esplêndida segurança como compositor, Tunai mostra um punhado de novas músicas em seu novo lp ("Olhos do Coração". Polygram, agosto/83). Liberto desde o início da imensa responsabilidade de ser o irmão caçula de João Bosco, Tunai construiu seu próprio espaço na MPB – com parceiros dos mais significativos – especialmente Sergio Natureza (cinco faixas) mas interligando-se também aos mineiros Fernando Brant ("Cafuné"), Murilo Antunes ("Trapézio") e Milton Nascimento ("Certas Canções"). Mas há também outros parceiros – como Liliane ("Coração Embriagdo") e, especialmente, Ana Terra ("Ouro Preto"). Nem sempre o compositor é bom intérprete, mas Tunai consegue dar o recado de suas músicas – para o que conta muito sua habilidosa atuação na voz e violão. "Doce Mistério" (Tentação), parceria com Sergio Natureza, 3a classificada no MPB – Shell 82, tem uma gravação afetiva com a participação de Jane Duboc, que a defendeu naquele festival. Fagner, Gonzaquinha e Tunai – três compositores e intérpretes em bons momentos de suas carreiras, em discos significativos e importantes neste 1983. LEGENDA FOTO – Fagner - Gonzaquinha
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Música
Música
26
18/09/1983

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