Leon revela Laís, a desconhecida da MPB
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 27 de fevereiro de 1988
Há duas semanas, véspera do Carnaval, o senhor Leon Barg, dono da maior coleção de discos de 78 rpm do Paraná - e uma das melhores do Brasil - teve sua residência, na Rua Alberto Boliger, assaltada à tarde. Os ladrões levaram gravadores, videocassetes, televisores e outros objetos, além do Santana 87. O que mais preocupou a Barg não foi o valor dos objetos e mesmo do automóvel roubado, mas sim, uma pequena caixa redonda, que estava no porta-malas, e que em seu interior, encontravam-se quatro 78 rpm gravados pelo cantor e compositor Paraguassu, que iria levar para o Rio de Janeiro a fim de que Ayrton Pisco, o maior especialista em restauração fonográfica, trabalhasse para a sua recuperação. Felizmente, 24 horas depois, a polícia localizou o Santana, abandonado. Quando Leon abriu o porta-malas e encontrou, intactos, os discos, sorriu: o tesouro estava salvo!
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A paixão pela música brasileira fez com que Leon Barg, pernambucano de Recife, 47 anos, desde 1950 morando em Curitiba, reunisse ao longo de sua vida uma coleção de 40 mil fonogramas que, de certa forma, contém a própria história da vida musical brasileira. Só há dez anos, após altos e baixos em sua vida empresarial, Leon pôde reunir todo o acervo - que estava espalhado em vários Estados e, organizadamente, classificá-los em resistentes armários que recobrem a ampla garagem de sua residência.
Comerciante a vida toda - foi vendedor de uma firma de materiais contra incêndios por muitos anos, ex-industrial do setor mobiliário, Leon adquiriu a antiga loja de discos e música Sartori, na Rua Barão do Rio Branco, cuja administração hoje divide com seu filho, Edson, 24 anos. Mas a paixão maior de Leon Barg são as gravações antigas, "da época de ouro da MPB" - repete com orgulho, o que o levou a investir, até agora, cerca de Cz$ 3 milhões num projeto cultural da maior importância: a reedição do que considera mais significativo na obra de cantores, compositores e instrumentistas.
Embora existam algumas outras experiências semelhantes a de Leon - como a da Collector's, no Rio de Janeiro (que já lançou 5 elepês e 80 fitas, estas com os grandes momentos do rádio no Brasil) e a Filigranas Musicais, de São Paulo, Leon está sendo mais audacioso. Não se limita apenas a buscar os standards dos cantores conhecidos - como Orlando Silva, Silvio Caldas ou Francisco Alves, que normalmente já têm um público cativo, embora na faixa acima dos 45 anos. Leon, como desbravador e pioneiro numa área tão carente de investimentos culturais, está fazendo mais: de sua preciosa coleção vem resgatando aqueles intérpretes que mesmo tendo chegado a gravação não passaram dos frágeis 78 rpm e nunca chegaram ao elepê, mesmo em reedições. São excelentes cantores - as vozes belíssimas mas que, em alguns casos, já morreram esquecidos ou que hoje, aposentados, vivem plácidos outonos de suas vidas, distantes dos tempos em que tiveram aplausos nos programas de rádio - nas décadas de 30 e 40.
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Assim, no elepê "Grandes Cantores" - um dos cinco álbuns já editados por Leon através de sua "Revivendo", encontra-se a cantora Laís Marival (Maria Neomésia Negreiros), paulista de Taquiritinga, 78 anos e que ganhou o pseudônimo do maestro Gaó, em alusão à estrela do cinema nacional a lecionar por dois anos, mas ainda estudante já cantava na Rádio Cruzeiro do Sul, de São Paulo. Gravou cinco discos e dez músicas entre 1937/38, todas na Columbia. Entretanto, nenhuma de suas gravações chegou a ter reedição em elepê e só os grandes estudiosos da MPB a conheciam. Lembrando-se de Laís Marival, procurando-a em São Paulo, Leon Barg presta um grande trabalho para a MPB - ao mesmo tempo que veio alegrar a idosa senhora. Assim, graças ao delicado trabalho do especialista Ayrton Pisco, do Rio de Janeiro, em restaurar registros fonográficos, eliminando ruídos e obtendo a melhor qualidade sonora, podemos ouvir Laís, nas gravações feitas há 32 anos - "Condenada" (samba de João Pacífico / Correia Leite) e "Cada um Dá o que Tem" (Raul Torres), e mais "Saudades do Morro" (H. Celso / S. Santos), gravado em 1937. No mesmo disco ("As Cantoras do Rádio"), foram incluídas três outras marcantes vozes femininas - estas já mais conhecidas, pois tiveram registros em elepê. Só que Barg, com seu conhecimento e bom gosto, procurou aqueles registros históricos e artisticamente mais importantes. Com Odette Amaral (1917-1984), a chamada "Voz Tropical do Brasil", temos "Coração" e "Respeita a Cadência", sambas de Amaro Silva, gravados há 30 anos e o curioso "Não Chora, Pierrot", um frevo-canção do maestro pernambucano Fernando Lobo. Da grande Aracy Cortes (1904-1985), que foi chamada "A Rainha do Teatro Musicado" - e que até poucos meses antes de sua morte fazia apresentações especiais (inesquecível sua participação no show de abertura do III Encontro de Pesquisadores da MPB, no auditório da Funarte, há 5 anos), temos "A Minha Dor" (Oscar Cardona), "Tenho Vontade" (Guilherme Pereira) e "Verde e Amarelo" (Orestes Barbosa / J. Thomaz), gravações de 1936/37. Finalmente, com Carmen Barbosa (1912-1942), cantora que teve curta carreira artística (gravou apenas 27 músicas em 14 discos entre 1935/1950), temos três históricos registros: "Loteria do Amor" (Benedito Lacerda / Aldo Cabral), "Maior Prazer" (Bucy Moreira / Miguel Bauso) e "Quando a Violeta se Casou" (João de Barro / Alberto Ribeiro / Alcyr Pires Vermelho). Nas duas primeiras gravações, de maio de 1939, esta acompanhada do regional de Benedito Lacerda, enquanto em "Quando a Violeta se Casou", em registro feito na Columbia, em novembro de 1939, o acompanhamento é da orquestra regida pelo maestro Fon-Fon.
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Trabalho meritório, que espera dar seqüência com ao menos mais 20 lançamentos ainda este ano, a série "Revivendo", que produz em Curitiba, assessorado por sua filha, Laís - programadora visual, responsável pela parte gráfica das capas - Leon Barg tem muitos planos para fazer com que a grande música brasileira dos anos 50 e 40 seja mais conhecida, através de suas edições (pedidos podem ser feitos pelo reembolso, Rua Barão do Rio Branco, 28, Caixa Postal 122, Curitiba). E como há muito mais para ser contado - e Barg é um homem de muitas estórias e um grande papo sobre coisas & fatos de nossa MPB - voltaremos ao assunto nos próximos dias.
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