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Aramis

O quinteto da morte no gelado mundo do amanhã

Para se entender (e valorizar) devidamente "Quinteto" (Cine Lido, hoje último dia em exibição) convém fazer um retrospecto na carreira de seu diretor - Robert Altman, para sentir quão competente é este arguto cineasta americano, sempre rejuvenescendo a cada novo filme - com uma extraordinária vitalidade - o que o faz ser um dos mais marcantes realizadores da chamada geração surgida nos anos 60. "Quinteto" é teoricamente um science-fiction. Longe das acrobacias visuais e de efeitos especiais da linha caça-níqueis (na verdade bilhões) de George Lucas ("Guerra nas Estrelas", "O Império Contra-Ataca"), "Quintet" é introspectivo, um tanto misterioso e pessimista em relação ao futuro da humanidade. Numa época futura - não definida exatamente qual seja - uma nova idade glacial recobre a Terra e os últimos sobreviventes, isolados em cidades já despovoadas, divertem-se com um terrível jogo da morte - o "Quinteto" que dá título ao filme, enquanto cães devoram corpos nas ruas. A idéia da morte como a grande diversão de uma sociedade futura há havia sido magistralmente explorada pelo italiano Elio Petri (1929-1974) em seu incompreendido "A Décima Vítima" (La Decima Vittima), onde Ursulla Andress perseguia o assustado Marcello Mastroianni - num mundo futuro, em que a caça aos homens também se afigurava como a principal opção de lazer. Tanto no filme de Petri - realizado há 16 anos, como neste recente "Quinteto" - produção de 1980, rodando quase simultaneamente ao ainda inédito "H.E.L.T.H." (sarcástica visão do sistema público de saúde americano), não há preocupações em oferecer detalhes ao espectador. Altman e seus co-roteiristas Franck Barhydt e Patrícia Resnick (no argumento original colaborou também Lionel Chetwynd), colocam os personagens de uma forma direta, sem detalhar a presença de cada um embora um sentido de humanismo ainda esteja presente em Essex (Paul Nexman), que ao lado de Vivia (Brigitte Fossey) chega numa cidade perdida no meio do gelo a procura de seu irmão, Francha (Tom Hill) - marcado para morrer no jogo do "Quinteto" e que ao ser assassinado provoca também a morte da companheira de Essex, que estava grávida - num mundo onde nascer já não mais acontecia. Revoltado, Essex assume o local de outra pessoa - Redstone e entra no cruel jogo, enfrentando o personagem "São Cristovão" (Vittorio Gassman). A ação de "Quinteto" se dá, muitas vezes, por elipses, embora o fio condutor da história coloque acima de tudo a disposição de um homem (Essex / [Redstone]) em tentar entender/sobreviver num mundo selvagem, onde a caça ao próximo passa a ser uma diversão. Não deixa de existir uma analogia entre esta visão tétrica do que reserva (?) a humanidade do que já ocorre em nossos dias - onde se sente cada vez mais uma concorrência violenta, sangrenta, na sobrevivência de cada um. Altman, 56 anos, formado em engenharia em Missouri, trabalhou mais de 10 anos na televisão antes de se firmar no cinema. Em 1957, dirigiu seu primeiro longa-metragem. "Os Delinqüentes" (The Delinquents), com o talentoso Tom Laughlin no papel central - e na mesma abordagem do "Juventude Transviada" (Rebel Whithout A Cause, EUA, 54, de Nicholas Ray), e, logo depois faria um documentário sobre James Dean (1931-1955), mas só 11 anos depois voltaria a filmar em 35 mm, com o ficção-científica "No Assombroso Mundo da Lua" (Countdwond). No Canadá, em 1969, realizaria o intimista e sensível "Uma Mulher Diferente" (That Could Day in the Park), dando a então ainda desconhecida Sandy Dennis uma chance especial de mostrar seu talento. Seria entretanto "M.A.S.H.", de 1970 - premiado em Cannes e posteriormente inspirando uma série de televisão, que confirmaria Altman como diretor, por seu humor feroz e uma visão profundamente crítica da sociedade. Na década de 10, com toda justiça, Altman passou a ser cultuado pela crítica européia, pela diversificação de sua obra - com fábulas como "Voar é Com os Pássaros" (Brewster McClound, 70), "Imagens" (Images, 72) e "Três Mulheres" (3 Womens, 77), que formam a trilogia de seus filmes mais simbólicos - parentes próximos deste "Quinteto". Numa diversificação temática, Altman também freqüentou o western - com uma visão de um paleolítico espaço da "new frontier" em Quando Os Homens São Homens" (Me Cabe and Mrs. Miller). Em 1973, ressuscitou o detetive Philipe Marlowe - criado pelo romancista Raymond Chandler (1888-1959) e imortalizado por Humphrey Bogart (1899-1957) em clássicos da chamada "série negra" da Warner Brothers dos anos 40. Assim, interpretado por Elliot Gould, Marlowe reapareceu em "O Demorado Adeus" (The Lond Goodbye), enquanto que "Renegados Até a Última Rajada" (Thieve Like Us, 74) foi uma revisão crítica do gangsterismo e "Jogando com a Sorte" (California Split, também de 74) a amarga sátira do mundo dos jogadores profissionais. Trabalhando com extrema versatilidade, em 1976, Altman realizaria duas outras fitas representativas de uma visão ácida dos Estados Unidos: o mundo da música country em "Nasville" e a desmitificação do mito de Buffalo Bill (William Frederick Body, 1846 - 1917) em "Buffalo Bill e os Índios". Nos últimos 5 anos, Altman não parou: "Cerimônia de Casamento" (A Wedding, foi, por exemplo, uma comédia amarga sobre o ritual do matrimônio, com uma profundidade raras vezes colocada na tela. O mesmo cineasta capaz de transpor [à] tela, de forma colorida e musical, um dos mais queridos personagens das histórias em quadrinhos - o marinheiro Popeye, criado pelo desenhista Elzie Creslar Segar (1894-1938) ("Popeye", o filme, está sendo lançado agora, no Rio - São Paulo e chega em janeiro no Cine Condor) é também o mesmo realizador de "Quinteto", esta apocalíptica visão do futuro do mundo. Na mesma linha de obras antológicas que antecipam o futuro com trágicas realidades, "Quinteto" não seria o excelente filme que é, se não fosse também o grupo de intérpretes reunidos por Altman: além de Newman e Gassman, há o bunuelesco Fernando Rey como "Grigor", o juiz do jogo da morte, a sueca Bibi Anderson e Nina Van Plandt, aquela bela loira que Altman já havia lançado, há 8 anos passados em "O Demorado Adeus" e que tinha passado desapercebida. A fotografia de Jean Boffety capta com perfeição os ambientes desolados de um mundo glacial e a trilha sonora de Tom Pierson é mecânica, nervosa - como toda ação deste inquietante e assustador "Quinteto", um filme indispensável aos fãs da ficção-científica. LEGENDA FOTO: Paul Newmann e Fernando Rey em "Quinteto": uma visão amarga de um mundo (futuro) gelado.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
6
23/12/1981

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